Discurso de Lula da Silva (excerto)

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domingo, 30 de dezembro de 2007

Miséria e abandono nas ilhas do Porto


Reportagem CM
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* João Carlos Mata
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Casas com telhados que não impedem a chuva de corroer o mobiliário e onde os ratos são convidados indesejáveis, deixando marcas de mordidelas nas orelhas e caras das crianças, são realidades que ainda fazem parte do dia-a-dia de cerca de nove mil habitantes das ilhas do Porto.

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Ao caminhar pelas ruas estreitas onde as casas se encavalitam, torna-se difícil não tropeçar em pequenas habitações que escondem famílias de oito pessoas. Aqui, reinventam-se os quartos de dormir e para ir à casa de banho colectiva os moradores têm de sair ao pátio.

Da casa dos Silva a vista é deslumbrante, com o Douro, em baixo, a estender-se languidamente numa imagem de postal a fazer as delícias de qualquer turista que se preze. No entanto, a beleza exterior do espaço entra em choque com a exígua habitação em que Fernanda e Serafim vivem com os seis filhos. Oito pessoas circulando num estreito corredor onde dois não passam ao mesmo tempo. Espreitando para a sala, no chão está um colchão a todo o comprimento, que serve de cama à filha, de 15 anos. Nas paredes já não se reconhece os 1300 euros gastos para melhorar a casa, há seis anos, quando saíram da barraca onde viviam. “Isto é uma miséria. Quando a nossa filha casada vem visitar-nos temos de a pôr a dormir no chão com o marido”, lamenta Serafim, de 50 anos.

As dificuldades aguçaram o engenho e este desempregado da construção civil teve artes para fazer de um galinheiro o local onde a família se reúne às refeições. Cozinha não existia: ainda há bem pouco tempo se comia em fila na escada. “Foi graças a ele que as coisas melhoraram. Ficámos muito felizes por poder ter uma mesa”, solta Fernanda.

A pobreza não roubou a esta família a alegria, mas a palavra esperança custa cada vez mais a ser dita. “Vivemos com menos de seiscentos euros para oito pessoas. O que é que se faz com este dinheiro?”, argumenta Serafim. Revoltada com a sorte, Fernanda exalta-se: “Veja bem, olhe para este menino, já foi mordido por ratos nas orelhas.”

A pesada herança das ilhas remonta à época da industrialização, na segunda metade do século XIX. O aparecimento deste modelo de habitação é indissociável da incapacidade prática do antigo centro da cidade responder à crescente procura operária. A periferia do Porto nasceu no próprio centro.

Há 48 anos, Maria Barros chegou ao Porto vinda do Marco de Canaveses a acompanhar o marido, agente da PSP. Assentou arraiais na ilha Mozes, mesmo em frente à Estação de Campanhã, e não mais saiu. Adora a sua pequena casa e relembra, saudosa, os anos em que as 22 moradias estavam lotadas. Nessa altura o espírito de vizinhança era intenso. Compartilhava-se tristezas e alegrias. Actualmente o cenário é desolador. “Cada pessoa que morre é uma casa que fica abandonada e que entra em rápida degradação”, desabafa.

Maria, agora com 78 anos, começou por pagar 250 escudos de renda, sendo que a antiguidade faz com que actualmente não pague mais de 20 euros. Muito longe dos 200 ou 250 euros de quem ainda agora procura as ilhas. Jovens com dificuldade em encontrar emprego, desempregados ou empregados precários não têm outro remédio se não procurar os preços baixos.

É na zona oriental da cidade que se situa a maioria das ilhas, mas as marcas destes aglomerados são tão evidentes que também as podemos descobrir na zona ocidental, junto à Foz. Aqui fomos encontrar António da Costa, de 78 anos, um dos dois únicos moradores da ilha 1.ª Rua Particular.

“Às vezes chove-me em casa. É antiga e já não é arranjada há muitos anos. A ilha também é aqui ao pé do mar pelo que as casas sofrem mais desgaste”, afirma, aceitando que 15 euros de renda não dão para mais.

Ao atravessar a rotunda do Castelo do Queijo, ali mesmo ao lado, a realidade transfigura-se. É outro mundo onde os BMW recolhem nas garagens das casas de dois milhões de euros ou mais.

O LUXO ALI AO LADO

Para quem passa pela avenida Brasil, na marginal da Foz, é impossível não reparar nas vistosas moradias.

Ali passamos das rendas de vinte euros para habitações cujo valor pode chegar aos cinco milhões. São casas de excepção e dão forma a uma realidade maior. Portugal é um dos países da União Europeia onde as desigualdades sociais mais se fazem sentir.

Se na restante Europa os mais ricos ganham cinco vezes mais do que os mais pobres, em Portugal essa diferença é de 7,2, segundo dados da Eurostat.

O Correio da Manhã visitou uma destas moradias, com 900 metros quadrados, avaliada em 2,25 milhões de euros, propriedade de um construtor civil. Tem mais de vinte divisões distribuídas por três pisos. O luxo e a classe andam de mãos dadas, sendo que o casal que lá vive, depois de a filha ter saído de casa, pretende mudar-se para um apartamento de menores dimensões.

No piso térreo, a sala de jantar é descomunal. Com um estilo clássico, percebe-se que ali se respira tradição. Os candeeiros de cristal impressionam, tal como o requinte dos pormenores, como o papel Ralph Lauren que forra algumas paredes da mansão. As três amplas suites incluem casas de banho recheadas de peças dos melhores mármores italianos.

Tão longe no poder económico, mas tão perto no espaço que compartilham, feitas as contas, em média, em cada mansão poderiam ser construídas 56 casas de ilha.

"ERAM ALDEIAS DENTRO DE CIDADES", Virgílio Borges, sociólogo da Universidade do Porto

CM – Em que circunstâncias aparecem as primeiras ilhas no Porto?

Virgílio Borges – As ilhas aparecem a partir da segunda metade do século XIX, com o início do processo de industrialização no Porto. O seu surgimento é indissociável da incapacidade de o núcleo antigo da cidade responder à crescente procura de habitação operária.

– Que características têm essas casas?

– Eram soluções habitacionais colectivas de um só piso, frequentemente de acordo com o modelo costas com costas, construídas sem supervisão municipal, genericamente, com materiais muito baratos e de muito fraca qualidade, sobretudo nas traseiras de habitações da pequena burguesia da área central da cidade ou em quarteirões inteiros mais ou menos resguardados, com poucas infra-estruturas e muito reduzida dimensão

– Quantas ilhas existem, actualmente, e quantas pessoas vivem nelas?

– Segundo fontes oficiais, viviam em ilhas no final do século XX mais de nove mil pessoas, que residiam em 1127 núcleos constituídos por 7654 fogos habitados.

– Em termos de sociabilidade, o que as caracteriza?

– A forte pressão demográfica e a sua inserção na cidade tornou-as num palco relevante do quotidiano do operariado portuense. O aspecto mais relevante a reter, para além de todos os efeitos da extrema necessidade na reprodução do quotidiano, será o forte interconhecimento, transformando muitos destes contextos em aldeias dentro da cidade.

– As ilhas são zonas negras da cidade?

– Nas ilhas encontramos sobretudo uma história de esquecimento e, por isso, de abandono urbano, tributária de outras lógicas como aquela que actualmente se pode documentar no centro histórico da cidade do Porto .

PÁTIOS DE LISBOA PARA OPERÁRIOS

Os interiores dos quarteirões de pequenas casas alinhadas fazem ainda parte do imaginário dos lisboetas. São os tradicionais pátios, que os filmes com Vasco Santana imortalizaram. Tal como no Porto, também a industrialização de Lisboa implicou o crescimento da procura de habitação na zona antiga da cidade e a densificação das localizações mais próximas das fábricas.

Ainda que por vezes se assemelhasse às ilhas, o pátio é formado por pequenas casas no núcleo de um quarteirão, mas não possui a uniformidade daquelas. Este modelo habitacional nunca chegou a atingir a expressão que as ilhas assumiram no Porto.

No início do século XX, quando Lisboa tinha mais de 350 mil habitantes e o Porto ultrapassava os 160 mil, viviam em pátios cerca de dez mil pessoas e nas ilhas cerca de 50 mil. No Porto, as ilhas permaneceram como a modalidade mais relevante e significativa de habitação operária, enquanto em Lisboa o pátio foi progressivamente substituído pelas vilas operárias, habitações colectivas de vários andares.

Para o sociólogo Virgílio Borges, as vilas foram uma “solução mais eficaz do que as ilhas portuenses”.

CASAS DE LUXO VALEM ATÉ 5 MILHÕES

As casas de luxo no Porto – a maioria data de há 40 ou 50 anos – podem chegar aos cinco milhões de euros. O comprador-tipo é exigente, tem mais de 40 anos e está ligado à especulação imobiliária. Não raro, são também proprietários de moradias em grandes cidades como Nova Iorque ou Tóquio.

“Para este target nunca há crise: decidem as aquisições sem grande preocupação de custos”, revela ao ‘CM’ José Eduardo Macedo, proprietário da imobiliária Chave D’ Ouro, que assume que a sua empresa tem “crescido muito nesta área de negócio”. “Crescemos cinquenta por cento este ano. Facturámos uma verba significativa”, reconhece o proprietário da imobiliária.

ILHA GRANDE, NA RUA DE S VÍTOR

Na rua de S. Vítor, freguesia do Bonfim, quase todos os portões dão acesso a ilhas. O hip-hop, ritmo preferido dos jovens aceleras, cria uma estranha mistura com o pimba, a gosto dos mais velhos. Na maior, a ilha Grande, as histórias de pobreza e abandono repetem-se ao passar de cada porta.

BAIRRO DO LEAL, NO CENTRO DA CIDADE

No outrora espaço de operários, no bairro do Leal, a morfologia das casas é idêntica à das ilhas. As crianças brincavam na rua e a alegria não faltava, agora não passam de uma memória já quase esquecida. Restam pouco mais de dez moradores, entre as quais Ernestina Xavier, de 73 anos.

ILHA MOZES, JUNTO À ESTAÇÃO DE CAMPANHÃ

A ilha Mozes, junto à Estação de Campanhã, acolheu muitos dos que chegaram ao Porto no período mais intenso de industrialização. Foi a época áurea do local, quando as casas estavam todas habitadas. Actualmente, o cenário mudou. Cada morador que morre é uma casa que fica abandonada.

POSIÇÕES POLÍTICAS

DEMOLIÇÕES DE ILHAS DESDE 2002 Câmara Municipal do Porto

A vereadora do Urbanismo, Matilde Alves, afirmou que a edilidade desde 2002 tem demolido ilhas degradadas. Todavia, nas que são de privados “apenas podemos negociar a solução mais adequada”.

UM PROBLEMA MUITO GRAVE DA CIDADE Partido Socialista

O vereador socialista, Francisco Assis, afirma que este é um dos “problemas mais graves da cidade”. Defende um plano a dez anos para reconverter o parque habitacional.

PARCERIAIS COM OS SENHORIOS PRIVADOS Part. Comunista Português

Rui Sá, do PCP, defende que algumas das ilhas podiam ser recuperadas como “memorial histórico”: “Nos restantes casos a Câmara devia estabelecer um plano de parceria com os senhorios”, argumentou.

ILHAS SÃO LOCAIS SEM SALUBRIDADE Bloco de Esquerda

João Teixeira Lopes, militante do Bloco de Esquerda, defendeu que as “ilhas são locais sem salubridade”. “A Câmara não construiu uma única habitação social. Querem os pobres fora do centro da cidade.”

SOLIDÃO NO CENTRO DA CIDADE

No bairro do Leal, centro do Porto, restam pouco mais de dez moradores, entre os quais Maria Elisa e Claudina Lopes (foto da esquerda). Com o som da bengala a anunciar a sua chegada, a dupla de 90 e 88 anos passeia. É também assim no dia-a-dia, uma tenta diminuir os silêncios da outra. “Passamos o tempo sozinhas. Valemo-nos uma à outra, os nossos filhos ajudam-nos mas têm a sua vida. De resto, estamos sós”, lamenta Maria Elisa. As duas idosas nem casa de banho têm e à noite usam um balde.

Na ilha Grande, Maria Graciete Fortunato (foto da direita) vive com o filho na casa dos 20 anos. “Isto é tão pequeno que nem dá para ele ter a privacidade para poder trazer uma namorada”, afirma entristecida. Os 342 euros por mês não dão para grandes aventuras e Graciete mostra a cozinha, sem espaço para colocar uma mesa para poder comer. “No Inverno isto é ainda mais complicado porque as telhas não impedem a chuva de passar”, diz a moradora .

NOTAS

MELHORIAS

Muitos moradores das ilhas foram às suas custas melhorando as condições de habitabilidade das casas. Essa situação verifica-se sobretudo ao nível do saneamento básico.

250 EUROS

Se as rendas dos moradores mais antigos rondam os 20 euros, actualmente quem quer morar nas ilhas paga por mês, em média, 250. São sobretudo desempregados e jovens à procura de emprego.

INSALUBRIDADE

As ilhas foram desde cedo um importante foco de insalubridade. A demolição de uma parte relevante das mesmas foi a génese do programa de habitação social camarário implementado desde de 1956.

ONZE MIL CASAS

Quando a população do Porto rondava os 170 mil, os habitantes das ilhas chegaram a ser cerca de 50 mil, vivendo em cerca de 11 mil casas existentes em mil núcleos de ilhas.

NOTIFICAÇÕES

Em muitos casos, na sequência de vistorias feitas pela autarquia os proprietários são notificados para proceder à respectiva demolição. Na maioria das situações são processos morosos.

VENDA DE CASAS SEM PUBLICIDADE

A maior parte das casas de luxo da cidade do Porto não tem letreiros quando é colocada à venda. Os proprietários temem ser assediados pelas imobiliárias em busca de negócios. A venda e compra é feita dentro de um círculo fechado e sob grande sigilo.

NEGÓCIO FICA À MARGEM DA CRISE

No segmento alto não há crise, existe sempre procura. Há clientes que estão mais de dois anos em busca de casa. Têm uma boa moradia e apenas querem encontrar algo de melhor e com outras características. Estas pessoas estão à procura da casa dos sonhos.
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in Correio da Manhã 2007.12.29
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Foto - José Rebelo (
Nove mil portuenses vivem em ilhas, casas exíguas, onde os ratos e a chuva não pedem licença para entrar. Na mesma cidade, mas noutro mundo, há moradias a valer cinco milhões)
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» Comentários no CM on line

Sabado, 29 Dezembro


- João
O mal é que em Portugal as casas pré-fabricadas não são promovidas como em outros países...interesses. É um escândalo o luxo que as pessoas compram para sí. Quando não têm dizem que são democratas mas quando o têm esquecem-se depressa.Os terrenos são do povo mas outros apoderam-se deles para grandes negócios e o povo lerpa.Votamos neles para se apoderarem do que é nosso.Grandes negociatas

- Gil
As cadeias estão cheias desta gente contribuindo ainda mais para a miséria dos seus familiares.Hoje ouvi dizer na TV1 que na Colombia as crianças dormem nos canos de esgotos para fugir aos esquadrões da morte pagos pelos comerciante.Isso vai acontecer em Portugal se não resolvem urgentemente esta miséria!50% da população está muito mal!25% vive;25% têm o dinheiro de Portugal!

- PROPRIÉTÁRIO DE UMA CASA NUMA ILHA
A realidade é sómente esta. Quando queremos fazer obras nessas casas são necessárias várias licenças e por exemplo se queremos fazer um anexo para uma casa de banho o problema ainda é maior. Resumindo os problemas são tantos e tudo é tão difícil que o melhor é não fazer nada até que apareça alguem que torne Aquilo que é díficil fácil. VIVER EM ILHAS OU ANDARES A DIFERENÇA SÓ ESTÁ NA EDUCAÇÃO

- zeca fp
Por causa da insalubralidade das ilhas,é que Salazar a partir dos anos 55 mandou construir bairros camararios,para que os pobres vivessem dignamente.So no Porto até 66 a camara construiu + DE 8500 casas.A partir do 25 de avril nao so deixaram de construir bairros sociais,como deixaram ao abandono os existentes.Nesse tempo havia guardas camararios,havia limpeza e respeito,porque quem se portava mal

- kaka
Mas não são os que querem ver Lisboa arder? Pena porquê, peçam aos corruptos do porto que lhes dêem dignidade.

- Jorge Pais
Para quem veio de fora, ocupou propriedades particulares, construiu barracas, não soube educar os seus filhos, há casas com bons acabamentos que logo são destruídos por essa gente. Para estes portugueses e portuguesas, a maioria idosos, que trabalharam honestamente uma vida inteira, os nossos Governos não sabem ou não querem dar uns últimos tempos de vida em melhores condições.

- DESGOVERNO
Depois damos milhoes de euros aos paises do terçeiro mundo.E nos nao precisamos? Nao faremos parte do terçeiro mundo?

- JDCR
Esta situação é deprimente e entristece-nos, como residentes desta cidade que até já foi Capital Europeia da Cultura. Nos anos que correm e, sendo nós um pais dito desenvolvido, nada justifica a situação desumana em que estas pessoas se encontram. Contudo – e falo com conhecimento de causa – muitas dessas pessoas têm os seus empregos do qual auferem o devido vencimento, tal como todos nós, mas nada fazem para melhorar as suas condições de vida, ficando sempre à espera de uma intervenção do estado, por via das câmaras municipais.Não querendo generalizar aconselho vivamente (parte) os residentes nessa situação a fazerem também algo por si e pela sua família sem que estejam permanentemente “colados” aos subsídios estatais.


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