Com Natalie Wood, Warren Beatty, Pat Hingle,
Audrey Christie, Barbara Loden, Zohra Lampert, Fred Stewart, Joanna Roos, John
McGovern, Sandy Dennis, Gary Lockwood, Jan Norris, etc.
EUA / 124
min / COR /
16X9
(1.85:1)
Estreia
nos EUA a 10/10/1961
Estreia
em PORTUGAL a 9/2/1962
(Lisboa,
cinema Éden)
«What though the radiance which was once so
bright
be now for ever taken from my sight.
Though nothing can bring back the hour
of splendor in the grass, of glory in the
flower,
we will grieve not, rathher find
strenght in what remains behind»
(William
Wordsworth)
«Eu sei
que Deannie Loomis não existe / mas entre as mais essa mulher caminha / e a sua
evolução segue uma linha / que à imaginação pura resiste.» Começa assim o
soneto intitulado “Esplendor na Relva”, que Ruy Belo inseriu em “O Homem de
Palavra(s)”. O poema não está datado mas foi escrito nos anos 60 (a primeira
ediição do livro é de 69) algures entre a estreia do filme em Portugal (62) e a
publicação. Deanie Loomis (aliás Wilma Dean Loomis) é o nome da protagonista
interpretada pela fabulosa Natalie Wood. O pretexto (em sentido literal) é o
filme de Elia Kazan “Splendor in the Grass”, com argumento de William Inge.
Hoje, o filme ganhou ressonâncias míticas, associado aos idos de 60 e aos Maios de tal década. Na altura, não
as teve e foi mesmo, da América a Portugal, implacavelmente zurzido pela
crítica (até por admiradores de Kazan) que o achou piegas e cabotino. O público
também não ligou peva. As três primeiras vezes que o vi foi num Éden às moscas,
onde, salvo erro, não aguentou mais de uma semana.
Mas para
alguns - poucos, e certamente não felizes - foi paixão tão devastadora como a
que, no filme, os adolescentes Deanie Loomis e Bud Stamper (Warren Beatty)
tiveram um pelo outro. Ruy Belo foi desses. Aliás, não certamente por acaso,
foi ele o único poeta que conheço a cantar as duas mulheres mais intensas dos
late fifties e dos early sixties. Marilyn Monroe (esse assombroso poema chamado
“Na Morte de Marilyn”, que vem no “Transporte do Tempo” e em que nos pede para
em vez de Marilyn dizer mulher) - e Natalie Wood. Eu sei que Ruy Belo não
cantou Natalie Wood mas Deanie Loomis. Mas também sei que Natalie Wood «não
existe / mas entre as mais», etc. E há nesse verso um prodígio de adequação
poética. É quando se diz que «a sua evolução segue uma linha / que à imaginação
pura resiste.» Resiste à "imaginaçâo pura” (no sentido de "pura
imaginação”) ou resiste, "pura”, à imaginação?
Ou seja,
o adjectivo "pura" refere-se à imaginação ou a Deanie Loomis? Ou -
pode ser também - à "linha que resiste”? Nestas três perguntas está o
cerne de Deanie Loomis, de Natalie Wood e de “Splendor in the Grass”. São
mulheres e filme da nossa imaginação? São mulheres e filme que resistem à nossa
imaginaçào? Ou são mulheres e filme que resistem a uma linha evolutiva que só
na nossa imaginação existe? Não sei, como provavelmente Ruy Belo nào saberia,
mas, como também ele escreveu (na explicação preliminar à 2ª edição do livro):
«Ninguém no futuro nos perdoará não termos sabido ver esse verbo que tão
importante era já para os gregos.» E, em “Splendor in the Grass”, tudo está no
ver, que traz a história dos meninos e moços de Kansas - meninos e moços dos
anos 20, de antes da Depressão - à dimensão das mais belas histórias de amor e
de morte jamais contadas.
Sirvo-me
do exemplo mais conhecido, também ele poético, e que dá o título ao filme. No
liceu de Natalie Wood (onde ela entrava sempre com três livros apertados ao
peito, um deles de capa azul), a aula de literatura, nesse dia, não era sobre
“Os Cavaleiros da Távola Redonda” mas sobre Wordsworth e a “Ode of Intimation
to Immortality”. Deanie / Natalie chegava de vestido grenat muito escuro, gola
de rendas. Todas as colegas sabiam - e ela também, embora ninguém lho tivesse
dito - que Bud / Warren, incapaz de separar por mais tempo o desejo e o amor,
tinha enganado, na véspera à noite, a fome do corpo dela, no corpo de Juanita
(Jan Norris), única da turma que não se ficava pelos beijos. Nada seria mais,
para eles, como antes fora. Como também se diz no filme (noutro contexto),
Deanie trazia, debaixo do vestido, o primeiro golpe na sua própria carne.
E é
quando todo o mundo vacila à roda dela que a professora a interpela para lhe
perguntar o que é que o poeta quis dizer com os versos famosos: «No, nothing
can bring back the hour / the splendor in the grass, the glory in the flower.»
Para a estúpida e pedagógica pergunta não há resposta ou - a esse nível - só há
a que Natalie Wood comoventemente tenta articular. Mas não é nada disso que o
poeta quis dizer. O que conta, o que o poeta quis dizer, é o que Natalie só
naquela altura sente e sabe, ou pressente e entrevê. Por isso, o que conta e o
que o poeta quis dizer é o espantoso traveling que arranca Deanie ao lugar e a
põe diante da professora atónita, depois aquele outro em que sai a correr da
aula e nos atira com a porta na cara e, por fim, esse plano em que a vemos
sózinha, na profundidade de campo do corredor do liceu, até ir parar à
enfermaria. Nesse minuto de cinema, sabemos, para além das palavras que «that
radiance that was once so bright / Is now forever taken from my síght.»
Irradiância
que, no filme, foi entre o plano inicial (Deanie e Bud a namorar nas cataratas,
e ela com tanto medo de não aguentar mais) e essa sequência, também nas
cataratas, em que Bud fez com Juanita o que não fez com ela e de que essas
cataratas são a mais poderosa das metáforas, O “esplendor na relva" é o
que vimos até à aula: são os planos em que se deita de bruços na cama (Warren
Beatty deita-se da mesma maneira); é o búzio encostado ao ouvido; são os ursos
de peluche coexistindo com o retrato dele; é o dia em que entrou no liceu ao
lado dele, tão orgulhosa, de blusa amarela e saia branca; é o plano do duche
dos rapazes; é a noite de chuva no carro amarelo e Deanie a dizer a Bud que
ficará para sempre à espera dele; é o olhar de Natalie Wood sobre a irmã
"pecadora" de Bud, na noite a quatro; é uma saia cor-de-rosa que
funde em negro; é, sobretudo, a estarrecedora sequência em que Bud a obriga a
ajoelhar-se-lhe aos pés e ela desata a chorar. Aflitíssimo. Bud diz-lhe que era
uma brincadeira. E ela a responder: «Nào posso brincar com estas coisas. Eu era
capaz de fazer tudo o que tu me pedisses. Tudo. Juro que era.»
Mas é
depois da sequência da aula que o filme atinge o máximo de beleza e tensão,
desde o longo período em que Deanie se isola até à crise que a leva ao
manicómio. E sobretudo na inadjectivável sequência da conversa com a mãe, no
banho. Raras vezes o cinema terá dado uma carnalidade e um erotismo assim.
Porque numa fabulosa elipse do corpo, o que existe é só o corpo nu de Natalie
Wood na tina, esse corpo de que aí (na água) ela toma consciência e plenamente
assume e que por essa consciência e essa assumpção dita a reacção da mãe e o
histerismo dela («Pure...I'm as pure as the day I was born»). Tudo é elidido e
presente e o fumo da água espelha o das cataratas e o da imensa oferta. É,
depois (o longo retiro) que Natalie corta os cabelos ao espelho
(iniciaticamente), se veste de encarnadíssimo (bandolette encarnada, colar
encarnado) e se oferece a Bud na sequência da festa (nunca por demais
celebrada), para ser recusada por ele e, depois, correr pelos rails até às
cataratas (terceira e última presença delas no filme) e mergulhar nas águas,
onde até a morte lhe frustram.
Mas nem
Wordsworth nem Kazan terminam no desespero ou nesse desespero. Após os versos
que dão título ao filme, Wordsworth diz: «We will grieve not, rather find /
strenght in what remains behind» Nào estou nada certo que seja “força” o que
Natalie Wood encontrou na relva da clínica, entre velhas catalépticas e
enfermeiras de olhar estranho. Não estou nada certo que seja “força” o que
Warren Beatty encontrou na universidade para onde o mandaram, ou na noite de
Nova Iorque em que o pai, antes de se matar, lhe pagou uma rapariga parecida com
Deanie. Mas «o que ficou para trás», isso, introduz-se a cada plano do lento
desmoronar deles, das famílias deles, da América da crise de 29, ou, como diz o
futuro marido de Deanie, «the first cut on other flesh of man.»
Elia
Kazan disse preferir no filme a sequência em que Deanie regressa à casa
paterna, ao que dizem "curada", e conversa com a màe que lhe diz que
tudo o que fez foi para bem dela. Já está noiva do "rapaz de
Cincinatti", que conheceu no hospital e Bud já está casado com Angelina,
que nào tinha entrado na história e até já tem um bebé. Deanie vai visitá-los,
com as amigas. Não há uma palavra sobre o passado e há só o passado. Depois do
“esplendor na relva”, Bud fica com as capoeiras e ela com um companheiro das
trevas. «Como numa tragédia grega: sabemos o que vai acontecer e só podemos ver
o que acontece.» Estas palavras são de Kazan. Mas esta tragédia americana não
acaba em mortes violentas. Só na morte que cada um de nós traz dentro de si,
feita de tudo «what remains behind». «We
will grieve not» e, por isso mesmo, a nossa dor é muito maior. De Deanie Loomis
e de Bud Stamper me despeço com outro poema de Ruy Belo: «Mas agora que cantei
da tristeza / não observo já os mais leves traços / e a minha maneira de me
matar / é deixar cair ambos os braços.» É isto que se chama "intimação à
imortalidade"?
João
Bénard da Costa
Aqui fica
o soneto completo de Ruy Belo a que João Bénard da Costa faz referência no
início do seu comentário:
Eu sei
que Deanie Loomis não existe
mas entre
as mais essa mulher caminha
e a sua
evolução segue uma linha
que à
imaginação pura resiste
A vida
passa e em passar consiste
e embora
eu não tenha a que tinha
ao
começar há pouco esta minha
evocação
de Deanie quem desiste
na flor
que dentro em breve há-de murchar?
(e aquele
que no auge a não olhar
que saiba
que passou e que jamais
lhe será
dado ver o que ela era)
Mas em
Deanie prossegue a primavera
e vejo
que caminha entre as mais
«A luz
que brilhava tão intensamente
foi agora
arrancada dos meus olhos.
E embora
nada possa devolver os momentos
do
esplendor na relva e da glória na flor,
não
sofreremos, melhor
encontraremos
força no que ficou para trás»
Uma
tradução bastante fiel ao espírito do poema de Wordsworth (ver o original
acima), que na sua essência traduz a perda do primeiro amor, aquele estado de
alma único e irrepetível, que só os mais (des)afortunados tiveram a
(des)ventura de experimentar. Conheci também essa sensação nos meus anos de
brasa e por isso, se mais razão não houvesse, este é obrigatoriamente um dos
filmes da minha vida, apesar de não ter tomado nas mãos os instantes decisivos
de que falava Jean-Paul Sartre. Mas há mais do que essa razão, aliás, existe um
bom punhado delas, destacando-se desde logo dois nomes à cabeça: Kazan, que
atinge aqui a arte suprema de bem dirigir, evitando os habituais clichés do
melodrama, e a maravilhosa Natalie Wood, que me fez perder de amores (a mim e a
muito mais gente) com a sua Deanie Loomis, uma das criações mais espantosas de
toda a história do cinema.
Produzido
numa época de grandes mudanças (quer da sociedade – a norte-americana em
particular – quer do próprio cinema), “Splendor In The Grass” é um olhar
desapiedado sobre a juventude do final dos anos 20 do século passado: as suas
aspirações, ansiedades, e desejos; e a repressão (sexual e não só) exercida
sobre eles pela sociedade da época. Uma repressão que está em toda a parte, que
se vai insinuando através de vários comportamentos, desde o mais grosseiro (a
pressão asfixiante do pai de Bud) até ao mais sofisticado (a complacência do
pai de Deanie, parcialmente redimida naquela pungente cena final, em que ele
lhe indica o paradeiro de Bud e recebe em troca uma carícia e um beijo na
testa); e que estabelece regras muito próprias, consoante o sexo das personagens
sobre as quais se abate. Talvez por isso seja um filme que, tematicamente, diga
muito pouco às novas gerações de agora, as quais, consumada que foi a revolução
sexual iniciada nos anos 60, vivem abertamente uma liberdade que nada tem a ver
com os tempos que emolduram este filme. Mas os amantes do cinema têm razões
mais do que suficientes para poderem rejubilar com a visão de “Splendor In The
Grass”, uma das obras mais emotivas de sempre (e da carreira de Kazan em
particular), que continua actualmente tão bela e poética, profunda e poderosa,
como o foi há 50 anos atrás.
O
escritor e argumentista William Inge (o autor de “Picnic” e “Bus Stop”),
baseou-se num poema extraído do livro “Ode: Intimations of Immortality From
Recollections of Early Childwood”, de
Wiliam Wordsworth (1770 – 1850) - um poeta inglês que lançou juntamente
com Samuel Coleridge, a chamada Era Romântica na literatura inglesa – para
escrever o romance, primeiro, e mais tarde o argumento em que “Splendor In The
Grass” se baseia. Segundo o próprio Inge, outra inspiração para a sua história,
teriam sido algumas pessoas que ele próprio conheceu durante a adolescência na
cidade do Kansas. Falou com Elia Kazan, que na altura trabalhava com ele na sua
peça “The Dark at the Top of the Stairs” e o realizador mostrou-se desde logo
interessado em passar a história para o grande ecrã, aproveitando o clima de
mudança que se vivia na América para dar um maior ênfase à história de Deanie e
Bud.
Quando se
iniciou o casting do filme, Inge lembrou-se de um jovem actor de diversas
séries televisivas, que seria perfeito para interpretar o personagem principal:
Warren Beatty. Os dois conheceram-se na fracassada peça “A Loss of Roses”, mas
a relação perdurou e os dois tornaram-se amigos. De início, a sugestão de Inge
não foi bem recebida por Kazan, que não gostou da arrogância de Beatty, mas
posteriormente viu nele presença e talento suficientes para lhe entregar o
papel principal. “Splendor In The Grass” marcou, assim, a estreia de Beatty no
grande ecrã (tinha 24 anos) e fez dele uma das grandes estrelas de Hollywood. A
escolha de Natalie Wood foi uma imposição da Warner que tinha a actriz sob
contrato e cujos últimos filmes não tinham tido o êxito esperado. Embora
tivesse apenas 22 anos quando participou na rodagem de “Splendor In The Grass”,
Natalie era já uma veterana de Hollywood, tendo começado a sua carreira com
apenas 5 anos e conseguido fazer a transição para papéis mais adultos com
sucesso.
Mas a
actriz estava também interessada em participar no filme, a ponto de ter
concordado filmar uma cena de nu, a primeira feita por uma estrela em
Hollywood. No entanto Jack Warner (o patrão do estúdio) acedeu ao pedido da
Catholic Legion of Decency e a cena foi excluída do filme. Refira-se que a
sequência em questão surgia logo após Deanie Loomis discutir histericamente com
a mãe enquanto toma banho. A câmara acompanhava o trajecto de Deanie a correr
nua pelo corredor, entre a casa-de-banho e o seu quarto. Dada a exclusão da
cena, o que se vê no filme é uma transição brusca entre a discussão na banheira
e Loomis a soluçar, já deitada na cama, transição essa muito bem resolvida por
Kazan ao introduzir entre as duas cenas um curto diálogo dos pais de Deanie.
Os dois
actores entregaram-se tão intensamente aos seus personagens que a relação
pessoal extravasou a vertente profissional e os dois viveram um tórrido romance
durante as filmagens. Embora Natalie Wood fosse casada e Warren Beaty vivesse
com outra actriz, a relação foi encorajada pelo próprio Kazan que viu no
romance uma boa oportunidade para melhorar as cenas de amor do filme. Quando
este estreou, em Outubro de 1961, os dois actores tinham abandonado os seus
anteriores relacionamentos e viviam já juntos. “Splendor In The Grass” foi nomeado para dois Óscares (melhor actriz
e melhor argumento), com o trabalho de Inge a ser o único a ter direito à
famosa estatueta.
CURIOSIDADES:
- Jane
Fonda (24 anos) e Lee Remick (26 anos), chegaram a fazer testes para o papel de
Deanie Loomis, mas foram consideradas demasiado maduras. Também Dennis Hoper
chegou a ser equacionado para o papel de Bud Stamper.
- Pat
Hingle, o actor que faz de pai de Bud, era apenas 13 anos mais velho do que
Warren Beatty.
- Apesar
de Kazan ter preferido rodar o filme no Kansas (onde decorre a história no
romance de Inge), razões económicas forçaram-no a filmar unicamente no estado
de Nova Iorque. As cataratas são as de High Falls de Catskills e o edifício de
Yale é na verdade o City College de New York.
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