Discurso de Lula da Silva (excerto)

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terça-feira, 23 de dezembro de 2014

escolher o cartão de memória certo é essencial!!

Algumas coisas são simples. Outras são óbvias. Por vezes o simples e o óbvio estão juntos e nem por isso conseguimos enxergar... Sou usuário de câmeras digitais praticamente desde o seu surgimento. Os mais “vividos” vão se lembrar de certa marca muito famosa que inovou absurdamente ao lançar uma câmera digital que gravava as fotos em disquetes de 3 ½ polegadas!!! Era o objeto de desejo à sua época!! Hoje ao contar isso parece uma piada. Afinal os cartões de memória hoje são infinitamente melhores, mais confiáveis, imensa quantidade de espaço, etc.

Mas na hora de comprar um cartão de memória, todos eles são iguais. O que importa é a capacidade apenas. Certo? Errado! Claro que a capacidade é muito importante. Afinal a quantidade de Gigabytes que o cartão de memória tem impacta diretamente na quantidade de fotos que o consumidor pode tirar e nos minutos de vídeo que ele pode registrar, seja em sua câmera (que também filma) ou em uma filmadora digital.

Há cartões de diversos formatos e capacidades. Atualmente são usados SDmicro SD eCompact Flash. Este último é o formato mais antigo e de maior tamanho, mas apesar de parecer anacrônico ele evoluiu muito em capacidade (128 GB) e velocidade. Ainda é usado por vários tipos de câmeras, principalmente profissionais. Em seguida surgiu o formato SD, menor e não por isso com muito menos capacidade, há versões também de 128 GB. Por fim, para atender a demanda do mercado de smartphones e Tablets, veio o microSD com versões até 64 GB. Chegou a existir um formato intermediário chamado mini SD, mas que não teve grande aceitação uma vez que o micro SD o substituiu com todas as vantagens.


 
figura 1 – Os vários tipos de cartões de memória

Uso profissional e pessoal

O conhecido fabricante Sandisk, uma das empresas líderes deste mercado organizou um workshop apresentado pelo fotógrafo profissional Caio Guatelli para discorrer sobre os usos de cartão de memória. Em função de sua profissão ele usa sofisticadas máquinas e de uma forma bastante interessante. Ao registrar uma foto uma câmera comum grava um arquivo do tipo JPG o qual comprime a imagem. Fotógrafos profissionais têm como requisito armazenar a imagem “pura”, sem compressão alguma (formato RAW). E estas câmeras profissionais ao gerar arquivos com resoluções altas (15 ou mais megapixels) usam bastante espaço para cada foto (entre 20 e 25 MB).

Mas a demanda extraordinária desses profissionais não acaba aí. É bastante comum tirar um monte de fotos em sequência, entre 12 e 14 por segundo, visando capturar diversos momentos e cenas para escolher dentre dezenas a melhor. Por isso este tipo de profissional precisa de cartões de memória de grande capacidade e alta velocidade de gravação. Por isso este tipo de câmera usa habitualmente cartões do tipo Compact Flash do tipo Extreme Pro (o mais sofisticado) que tem 128 GB de capacidade e velocidade de 100 MB/s (comparável à velocidade de um disco rígido de computador).

 

figura 2 – Compact Flash Extreme Pro de 128 GB – o mais sofisticado que existe

Claro que nem todas as pessoas tem este tipo de necessidade. Por isso mesmo há cartões Compact Flash mais “modestos” nas especificações. Mas o que é mesmo notável é o progresso das características do outro tipo de dispositivo de memória, os cartões SD. Até pouco tempo eles não chegavam perto das características dos Compact Flash. Atualmente a Sandisk tem 5 linhas distintas de SDs que têm capacidades, velocidades e preços diferentes. Isto está ilustrado na figura 3.


figura 3 – Os vários tipos de cartões de memória SD
Explicando melhor cada família destes cartões de memória:

SD Extreme Pro, capacidades entre 8 GB a 64 GB e velocidade de 95 MB/s
SD Extreme, capacidades entre 4 GB a 128 GB e velocidades entre 30 e 45 MB/s

SD Ultra, capacidades  entre 4 GB a 64 GB e velocidades ente 15 e 30 MB/s
SD Regular, capacidades entre 2 GB a 64 GB e velocidades entre 2 a 10 MB/s 
SD Eye Fi, com WiFi embutido para transferir os dados imediatamente (mais lento)

Mas como escolher entre cada um desses?? Acho que os extremos são fáceis de definir. Sabe aquele porta retrato digital que você tem, que lê uma foto a cada 3 ou 4 segundos? Com certeza o SD mais simples e mais barato (o azul) é mais que suficiente para este tipo de aplicação!! Por outro lado, precisa de máxima capacidade (128 GB) com boa velocidade? O Extreme é o que tem esta característica. Vai tirar várias fotos em seguida? Com certeza não como o fotógrafo profissional, mas várias câmeras mais simples e até mesmo “de bolso” permitem tirar várias fotos por segundo para que a melhor seja escolhida. Assim um cartão rápido também é necessário.


Vou dar outro exemplo. Eu tenho uma filmadora que registra as imagens em resolução Full HD (1920x1080). Há 4 modos de qualidade (cada um deles gasta mais espaço no cartão e requer mais velocidade de gravação). Empiricamente eu descobri que os dois modos de mais qualidade geram arquivos iguais!! Isso me deixou bem confuso. Achei em fóruns de discussão a resposta. Como o meu cartão SD não tem capacidade de gravar o volume de dados por segundo na melhor qualidade, a câmera para não gerar “soluços” ou “pulos” no vídeo, automaticamente muda para o nível anterior. Esperto!! Mas somente com um cartão do tipo Extreme ou Extreme Pro conseguirei extrair o máximo de minha ótima filmadora!!

E preciso confessar que até então eu não dava muita atenção às diferenças entre os cartões de memória. Ao andar nos corredores de uma loja eu olhava principalmente preço e capacidade. São atributos importantes, mas não são suficientes para uma escolha correta.

Colocando ordem na nomenclatura usada pelos fabricantes de cartões de memória atualmente são chamados apenas de SD os produtos de até 2 GB. Ganha o nome de SDHC cartões entre 4 e 32 GB) e SDXC entre 32 GB  até 1 TB.  Também é importante citar que para aplicações de vídeo é usada uma convenção de “classe” (que tem a ver com velocidade) sendo os “classe 10” os que começam a ser apropriados para este tipo de aplicação (gravar em alta definição).

O terceiro tipo de cartão são os do tipo micro SD. É impressionante o grau de miniaturização. Até devemos ter cuidado para que não sejam perdidos, pois são menores que a unha de um dedo mindinho de uma criança. São os utilizados em smartphones, menos comuns em máquinas fotográficas ou filmadoras, mas há um ou outro modelo que os utiliza. Um bom cartão micro SD pode fazer diferença no desempenho de um smartphone, principalmente no tempo de carga de aplicativos, alternância entre programas e até mesmo na gravação de fotos e vídeos.

Micro SD Ultra, capacidades entre 4 GB e 64 GB e velocidade entre 10 a 15 MB/s

Micro SD Extreme, capacidades entre 8 GB e  a 16 GB e velocidade entre  15 e 30 MB/s
Micro SD Regular, capacidades entre 2 e 32 GB e velocidades entre 2 e 10 MB/s

figura 4 – exemplos de cartões micro SD Extreme Pro e Ultra


O que nem todos sabem é que se usa muito um adaptador de micro SD para SD. Alguns produtos ao serem comprados trazem consigo o tal adaptador ou podem ser comprados à parte. Ter um destes adaptadores é sempre uma boa ideia. Os PCs e notebooks têm leitores de SD, mas poucas vezes conseguem ler micro SD. Assim um cartão de memória pode ser montado em um notebook para recuperar fotos e gerenciar o seu conteúdo. Também gosto da ideia do adaptador, pois dá flexibilidade ao permitir o uso da mesma memória em dispositivos diferentes. Um exemplo do adaptador pode ser visto na figura 5.

 
figura 5 – adaptador de micro SD para SD



A despeito dos tão falados atributos como tamanho, capacidade e velocidade de cada um destes tipos de cartão de memória, existem outras características importantes. O produto tem que ser robusto e resistente. Eu já perdi um cartão SD de marca “genérica” porque após uma queda (de cima de uma mesa). Ele desmontou e por mais que eu o remontasse ele não funcionou mais. A Sandisk divulgou que seus produtos são construídos para serem usados em condições extremas. Aceita temperaturas entre -25C até 85C (frio ou calor extremo), são a prova de água, resistindo 72 horas dentro até 1m de profundidade. Estas são condições referência, mas há relatos de cartões que resistiram por semanas em local ainda mais profundo antes de serem recuperados, secos e utilizados. 

Tive a oportunidade de fazer uma prova disso. Deixei um cartão SD dentro da um aquário cheio de gelo por alguns minutos. Bastou secá-lo e voltar a utilizá-lo na máquina fotográfica. Também aceitou queda de 2 metros de altura. São garantidos contra vibrações e impactos de até 5 metros.

A empresa Sandisk tem 25 anos de vida. Conta com mais de 4400 patentes e vendeu mais de 1 bilhão de cartões nos últimos 10 anos. Também inventou o formato Compact Flash e micro SD e participou da criação do formato SD em conjunto com outras empresas.

Cada fabricante agrega ou não alguns softwares aos seus produtos. A Sandisk inclui nos cartões Extreme e Pro o Rescue Pro ou Rescue Pro Deluxe. Estes são capazes de realizar a recuperação de arquivos do cartão, apagados, formatados, etc. Afinal acidentes acontecem. O software também pode ser comprado direto do fabricante caso o cliente deseje (US$ 59 pela licença de 1 ano).

Conclusão

A Sandisk primeiro chamou minha atenção tempos atrás por conta de seus pendrives (que nem foram objeto deste texto), também disponíveis em diferentes capacidades e também com interface USB 3.0 (bem rápidos). Mas os cartões de memória, que antes eram para mim apenas pequenos receptáculos de plástico com um punhado de chips, revelaram-se bem mais abrangentes!! Por causa das diferenças de velocidade eu consegui entender o porquê de minha câmara de vídeo não estar operando na máxima qualidade. Da mesma forma de nada adianta gastar muito com um cartão de memória que será usado em um porta-retratos digital ou em um tocador de MP3.

O cartão de memória correto faz a diferença para o fotógrafo profissional, que tira dezenas de fotos em poucos segundos, bem como para o consumidor comum que quer registrar rapidamente uma foto para já poder tirar outra. Não existe nada mais irritante do que perder a oportunidade e tirar uma foto porque a anterior demorou em ser gravada. Não deve ser repetido o meu erro de apenas olhar preço e capacidade. É bem mais do que isso!!

quarta-feira, 16 de julho de 2014

O Pensamento científico do Missionário António Barroso

PORTAL DO UÍGE E DA CULTURA KONGO

Publicado por Muana Damba activado 30 Octubre 2013, 12:47pm
Por Dr. José Carlos de Oliveira


Jose Carlos de Oliveira l
 
Contam ainda hoje os indígenas, que o Nisoio querendo convencer o seu parente e suzerano de que devia abraçar o christianismo, lhe dissera que os novos Nganga a Nzambi, tinham o poder de tornar novos os que mesmo muito velhos recebessem o baptismo.
   
Acerca desta eterna vontade do homem desejar reconquistar a sua plenitude masculina, o grande Goethe abordou magistralmente a figura de Fausto que no afã de superar os conhecimentos de sua época, evocou espíritos e, por fim, Mefistófeles, o demónio com o qual negociou a sua vida para viver por artes mágicas, vinte e quatro anos sem envelhecer.
 
Na língua Kongo o terno Nganga traduz-se literalmente por mágico, porém os kongo para os distinguirem dos seus mágicos deram-lhes o nome de Nganga a Nzambi25, mágicos de Deus. Torna-se claro que um sacerdote cristão não queria, e não quer, ser intitulado por mágico. O que estou a afirmar, é como os kongo os entendiam. Repare-se num termo muito comum entre nós para designar uma coisa que não presta: bugiganga, pois não é outra coisa senão a corruptela Bougie Nganga; é uma mistura do francês bougie e do Kikongo nganga. Ora bougie era na circunstância uma espécie de ”lâmpada mágica de Aladino” usada pelos missionários católicos e protestantes, para impressionarem os nativos. Esta era uma luta de titãs, a batalha dos deuses. Podiam os “psiquiatras Kongo” tremer sempre que viam aparecer “o branco de saias”. Com o tempo, foram percebendo que os brancos, em geral, não duravam muito. Podiam invocar os seus espíritos e até reencarnar neles, mas por pouco tempo, e mais, nem as sepulturas ficavam para assinalar a sua presença. Depois os Kinganga, ou aqueles que falavam em nome dos antepassados notáveis, seriam novamente ouvidos pelos soba, muata, mfumu (diversos títulos de chefe).Era só uma questão de tempo…
 
Por muito que esta verdade nos custe (a nós portugueses) foi este o estado em que Faria Leal, (tal como o missionário Barroso) encontrou as ruínas da mais significativa (e 1ª) igreja erigida pela igreja católica na África Ocidental.
 
 
  
  Ruínas da Sé Catedral NKULU MBIMBI no dizer dos Kongos e erigida pela igreja católica em finais doSec.XV
                               (fotografia do álbum da família Faria Leal.)
 
Ao ler e reler algumas considerações de Faria Leal, nada abonatórias, sobre a obra dos missionários católicos no reino do Kongo, tive dificuldade no seu encadeamento, em que parte do artigo as enquadrar, passei inclusive pela incerteza se devia mencioná-las ou não. Parece-me que o melhor é transcrever alguns segmentos dos registos de Faria Leal por uma razão muito simples: fazem parte de dados históricos da opinião do Residente Faria Leal, e porque se referem a informações muito relevantes sobre a igreja de Santa Cruz mais tarde elevada a Sé Catedral, denominada em língua Kongo Nkulu Mbimbi.
 
“Foi no reinado de D.João II, poucos anos depois da descoberta do Congo por Diogo Cam, que começou a propaganda religiosa no reino do Congo, sendo Gonçalo de Sousa, quem, em 3 de Maio de 1491, lançou a pedra fundamental da igreja de Santa Cruz em Embasse, hoje São Salvador do Congo, elevada a Sé Catedral em 1534 (fotografia das ruínas da Sé)…De toda a propaganda religiosa que seguiu esta instalação se apagaram todos os vestígios morais…O vetusto arco da Sé foi respeitado por imposição nossa, quando o superior da missão católica, cónego Sebastião José Alves, o quis também demolir para lhe aproveitar a pedra.
 
 
 
  A mesma Igreja já devidamente restaurada em 1896. (Fotografia da família F. Leal)
 
De uma coisa estou certo: os valores morais a que nos encontramos vinculados, quando somos confrontados com a nossa miséria humana a breve trecho e perante tantas amarguras facilmente se desvanecem.
 
E naqueles tempos? Tempos em que esta gente deixava a terra natal, os confortos da civilização, atravessava mares e florestas, internava-se no sertão, convivia com as populações, a que chamavam de “selvagens”, (e ao fim de alguns anos pouca diferença faziam desses “selvagens”). Tudo o que queriam era construir uma capela, seguida de uma escola, depois a enfermaria e, mais tarde, uma oficina.
 
O isolamento levava inexoravelmente à degradação da saúde mental e física, consequentemente, à depravação dos valores morais. A noção de auxiliar, a troco de nada, em breve, se esvaía no embrutecimento que ia tomando conta de muitos dos missionários.
 
Finalmente mais uma breve nota dos registos históricos de Faria Leal:
 
“O esforço e o zelo dos missionários levantou na capital do Congo e em nome de Deus os seguintes templos, cujas ruínas nos são hoje marcadas entre grandes hervas por alguns comoros pouco elevados, exceptuando a antiga Sé, que conserva alguns pedaços de muros levantados e um arco da capela-mor em estado de segurança. Existiam em S. Salvador os seguintes templos, cujas ruínas visitou antes das ultimas guerras do Congo, o sr, Alfredo Sarmento em 1856: Santa Sé Apostólica, S. Miguel, Nossa Senhora da Conceição, S. Tiago, Vera Cruz, Nossa Senhora do Rosário, S. João Baptista, S. José, Espírito Santo e as igrejas dos jesuítas, do convento dos capuchinhos e da santa casa da Misericórdia…nas imediações de S. Salvador existiam umas sete paróchias do que hoje não aparecem vestígios alguns".
 
Perguntar-se-á: que utilidade teriam tantas igrejas e paróquias? Vejamos o que disse a certa altura, acerca da escravatura, António Barroso na comunicação à Sociedade de Geografia de Lisboa durante a sessão de 7 de Março de 1889.
 
 
 
  A nova casa dos missionários católicos em Banza Kongo, 1896
 
“os missionários pregariam, sem dúvida, que os homens eram irmãos, que foram remidos todos no sacrifício cruento do Calvário; tratariam com carinho e bondade os seus subditos, como o indica ainda hoje o facto de povoações que pertenceram aos missionários, nas quaes os pretos dizem sem rebuço que eram escravos dos mesmos, notando-se que a maior offensa que se pode dirigir a um congo é apellidá-lo assim “…Os portugueses não inventaram a escravatura, que é muito anterior a elles, apesar de que já alguém lhes importou esse crime; exerceram-na porém como todos os povos europeus, e quiçá com mais brandura que alguns. As leis admittiam este aleijão social, os costumes não se irrritavam, e um traficante de carne humana passa por tão honrado, o que vergava aos excessos da fadiga e trabalho para ganhar o pão de todos os dias…Durante anos foi o comércio de homens quasi o único que tivemos com o Congo. Se exceptuarmos algumas esteiras vindas de Macuta, e mabellas, com pouco marfim, todo o comércio era alimentado à custa da despopulação do paiz”.
 
Estas são algumas verdades que só um missionário da grandeza de António Barroso seria capaz de escrever. Quando embarcou para Angola, levava consigo informações absolutamente secretas, salvo para um grupo muito restrito que viria a encontrar em S. Salvador do Kongo. Admito até que tivesse de haver uma saudação, por sinais, para se reconhecerem. Mais á frente, abordarei ao de leve esta importantíssima questão. Assim, o missionário Barroso estava de sobremaneira inteirado da complexa vida que ia levar. A sua missão era indiscutivelmente politico-religiosa. Já se tinha inteirado dos preliminares da cultura tradicional Bantu. Como superior das missões no Kongo foi informado do tipo de missionários ingleses que iria encontrar e do sigiloso pacto que iria ter de executar. Como nota interessante repare-se como trata o secretário perpétuo da Sociedade de Geografia por “meu amigo”.
 
“Seja pois, o meu bom amigo o interprete dos nossos sentimentos, perante a benemérita Sociedade, e que ela aceite, como preito de profundo reconhecimento, o humilde trabalho do menos prestimoso dos seus sócios"
Lisboa Março de 1889,
Padre António José de Sousa Barroso
 
Era bispo de Angola e Congo, D. José Sebastião Neto, quando se efectivou a Conferência de Bruxelas (1876) resultante de uma associação da “Associação Internacional Africana” criada por Leopoldo II da Bélgica com aparentes ambições humanitárias para a África central e para as quais convidara quarenta peritos escolhidos pelos seus conhecimentos científicos ou por suas conexões com a alta finança.
 
Este acontecimento de enorme projecção para a África Ocidental, resultou numa mudança de paradigma para as populações da bacia do Zaire. A abertura à navegação e ao comércio de toda a bacia hidrográfica do rio Zaire resultou em benefícios, para uns, e prejuízos para outros. A dita conferência foi o prenúncio de um grave risco para a influência dos portugueses na zona. Que poderia fazer a diplomacia portuguesa perante acontecimentos de tal magnitude? Quem iria defender os interesses de Portugal no reino do Kongo? D. José Neto diria mais tarde (chegou a ser cardeal patriarca português) acerca da da personagem escolhida, António José de Sousa Barroso: “ (…) prudente e inteligente, daria um excelente bispo.”. Embarcou então, em Agosto de 1880, para Angola, o Bispo de Angola e Congo, acompanhado dos missionários, António Barroso, Sebastião José Pereira e Joaquim Folga, assim como o capitão Barreto Mena e o guarda marinha Mota e Sousa.
 
  RM2524 560
 
  Sentado à esquerda o missionário Barroso, à sua direita o missionário José Pereira, e em pé dois filhos e um sobrinho do Rei do Kongo.
 
Quem alguma vez, acompanhou e conviveu com missionários religiosos portugueses, ingleses, suíços, franceses, espanhóis, entre outros, tem consciência de que a esmagadora maioria estava pronta a dedicar-se à causa espiritual, e não só. O que teria levado, (um grupo restrito) para tão longe de suas terras, fazia parte do processo político-religioso que os conduziria, mais tarde, a interferirem também politicamente, aquando do processo das independências das antigas colónias portuguesas (1961/1974).
 
Essa “missão” envolveu e arrastou o processo religioso, deteriorando os ideais morais e éticos de alguns desses “degredados” voluntários
.
Devemos ser objectivos, as missões católicas portuguesas em Angola, (as que conheço), não tinham, mas já têm, os recursos materiais e humanos, como por exemplo, têm as missões inglesas, americanas, canadianas, francesas alemãs ou suíças, etc. Diga-se o que se disser, os missionários iam pelo mato fora, como se estivessem a espiar algum crime, iam e continuam a ir, muitos por caridade. Os tempos são outros, as estradas estão feitas (embora agora, parte delas com as pontes destruídas), os novos e cómodos veículos de tracção às quatro rodas existem em todas as missões religiosas. Já não estamos no tempo das “Sandálias do Pescador”, todavia ainda se registam casos isolados de completa abnegação. No que se refere à saúde, o quinino e toda a panóplia de drogas de medicação preventiva, contra febres palustres, diarreias, gripes, tuberculose, varíola, sarna, piolhos, carraças, entre outras doenças, existem nos dispensários da mais modesta das casas dos missionários.
 
Com este olhar podemos ajuizar e respeitar figuras como as dos missionários Weeks, Alfredo Keiling, Grenfell, Bentley, António Barroso, Sebastião José Pereira e Joaquim Folga já citados, para só mencionar meia dúzia de centenas de tantos outros merecedores do nosso respeito. E isto só para o espaço geográfico do reino do Kongo. Nesta lista, deviam estar incluídos os missionários mestiços e negros, mas esses, estavam já física e mentalmente miscigenados e portanto mais preparados, porém, estavam sujeitos a outro tipo de vicissitudes afectas ao seu sincretismo religioso.
 
Não se julgue que eram “lançados” para as missões do interior com conhecimentos que lhes permitisse enfrentar a realidade de uma cultura e mentalidade completamente diferente da sua. Pelo menos é a impressão que nos deixou o missionário Barroso33:
 
“(…) Governava a provincia o exmo. conselheiro Eleutério Dantas, caracter nobre, alma de boa tempera, mas que conhecia tanto do sertão tanto como o sr. Bispo, como eu, e como os meus companheiros. D’aqui uma pessima organização da expedição que devia levar ao rei do Congo os presentes que lhe enviava sua Majestade El-Rei de Portugal (…).”
 
  
 
  Instalações da Missão Católica Banza Kongo, 1896 (foto do acervo do autor)
 
Todavia, algumas informações indiciam que não iam tão às escuras sobre o que os esperava, uma vez que Amadeu Cunha informa, ter sido o missionário Barroso preparado para ir missionar na Índia, encetando mesmo o estudo da língua ‘concani’. Indica-nos também que, embarcaram para Luanda em Agosto de 1880, tendo só iniciado a viagem, na canhoeira Bengo, da marinha real, rumo a Banza Kongo, a 20 de Janeiro de 1881. Este compasso de espera, em Luanda, pode muito bem ter feito parte da adaptação física e da preparação de noções úteis sobre a sua missão. Senão como compreender o seguinte:
 
“ (…) Eu tive de vencer uma grande difficuldade em Luanda para per-suadir que deviamos subir o rio Zaire até o Mussuco ou Noki e que d’este ponto deviamos partir para a velha capital do Congo. Este itinerario tinha sobre o do Ambriz duas vantagens: a primeira era ser mais curto o trajecto a fazer a pé e conhecermos essa região de Noki na margem esquerda do Zaire a S. Salvador; a segunda era evitarmos os povos que tinham sofrido com as nossas últimas campanhas do Bembe, e que de modo algum nos receberiam como bons amigos (…).”
 
Os espaços de tempo que mediavam entre as expedições no terreno e a substituição de novos grupos de expedicionários, quebravam os laços de possíveis de passagem de testemunho o que explica a falta de informações, quando se encetava uma nova expedição. Ninguém sabia nada do que se passava a norte do Ambriz.
 
Os missionários dos finais do século XIX em nada se assemelhavam aos que os tinham antecedido, em séculos anteriores. Já faziam parte das suas equipas e bagagem, técnicos com diferentes aptidões e aparelhos técnico científicos muito eficazes apesar das enormes restrições a que eram sujeitas as expedições portuguesas. Da sua bagagem já fazia parte a técnica do diário de campo. Foi utilizado pelo padre Barroso e também nos relatórios do Residente Faria Leal. Ali registavam, cada um à sua maneira, a base de dados, como por exemplo, os acidentes de terreno mais significativos, os cursos de água, o tipo de vegetação, as culturas de géneros alimentícios, a fecunda arachis hpagaea, ou seja, o nosso amendoim que os kongo conhecem por nguva ou nguba, referindo o missionário que a colheita foi excepcional nos anos de 1879/80. Este cuidado em assinalar dados tão significativos, permite, desde já, avaliar os seus propósitos de colonização efectiva, como por exemplo, o pormenor do registo de António Barroso das principais chuvas ocorridas em 1884. Principiaram a 4 de Setembro e terminaram a 4 de Junho e, em 1885, também começaram curiosamente a 4 de Setembro e terminaram a 14 de Maio, registando-se ainda, no ano de 1886, as primeiras chuvas a 20 de Setembro e as últimas a 21 de Maio seguinte, sabendo-se que esta regularidade se repete todos os anos. Por exemplo, em 1883, o pluviómetro do posto da missão, captou em menos de uma hora 197 milímetros cúbicos de água. As observações meteorológicas registaram também a direcção dos ventos soprando quase constantemente de W. para NW. Nos meses de Julho e Agosto quem vive em S. Salvador necessita de agasalho, chegando as temperaturas aos 10 graus.
 
As transacções do comércio de escravos e do marfim bem como depois, da borracha, tinham sempre de permeio o célebre Linguister frequentemente originário do sub grupo zombo. A esmagadora maioria destes funantes “pré comerciantes do mato” eram os língua dos portugueses). Diz-nos Barroso, nos seus relatórios, que estes chegavam a ficar com cerca de 30% dos lucros, embora tivessem as suas despesas, por exemplo, em espingardas, aguardente e tecidos. As informações de Barroso sobre os célebres línguas (intermediários fundamentais nas relações comerciais) continua:
 
 
 
  Casa rica de Comerciante do Mato, venda de marfim e borracha, 1910
 
“(…) algumas vezes ficam litteralmente depennados pela astucia do linguister, é levado tão longe no Congo, que um qualquer estranho para vender um cabrito ou uma gallinha, chama ou se lhe offerece um d’estes interpretes, o qual tem logo o cuidado de prevenir o europeu, em segredo, da conta que deve fixar para elle “comer”; é textual. (…) Os generos coloniaes que affluem a S. Salvador são o marfim e a borracha, com algum café vindo do Bembe. Os dois artigos primeiro mencionados, sáem da região vizinha do Stanley-pool e mais ainda da região a E., comprehendida entre as bacias do Quango e Cassai, e às vezes de mais longe. Em geral os mexicongos não vão commerciar a estas regiões; os azombo, raça eminentemente traficante, servem-lhes de intermedio. O indigena do Congo em geral, ou compra a borracha aos capos, nas grandes quitandas (mercados) do Zombo, ou entrega as suas fazendas aos Zombo para que lh’as vão permutar ao Pumbo (região da Takula) á Jaka, e outros sertões situados ao N. e NE. Os indigenas d’estas regiões têem pronunciada tendencia para o negocio; é talvez esta a sua feição característica.

A Industria é quasi nula; a agricultura só digna de mulheres. Demais o preto em geral ama as viagens; portanto, a procura de productos favorece as suas tendencias nomadas, que accusam uma épocha recente de fixação territorial (…)”.
 
Paradoxalmente, a segurança que as autoridades portuguesas, belgas e francesas passaram a oferecer, foram factor decisivo para a tal fixação territorial.
 
As feitorias comerciais, pela introdução das quais, o missionário Barroso foi promotor, tiveram, por seu lado, grande importância na fixação das populações, que até aí estavam disseminadas em aglomerações insignificantes. Este factor prende-se com a tendência das linhagens a fragmentarem-se, constituindo novas aldeias, permitindo a emergência de novos chefes que, de imediato, se tornam possuidores de alguns escravos e mulheres, passando a intitular-se mfumu a vata39. Estes dados são particularmente significativos sendo de realçar a forma secular de compra de oleaginosas “a copo”, recentemente (anos 40 a 70 do século XX) passaram-se a utilizar as latas de azeitona de um litro, tendo passado (devido à carestia dos produtos), por entre outras, à lata da Coca-Cola.
 
Um pequeno esclarecimento para a designação de “Companhia Portuguesa” é que em 1881 (data do inicio da estada do missionário Barroso), o reino do Kongo (actual aérea da província do Uije) não era considerada como parte integrante de Angola.
 
 
 
  A casa da Companhia Portuguesa, entregue às missionárias Portuguesas.
 
A sua decisão da fixação de feitorias, em Banza Kongo, permitiu a instalação, em 1882, da Casa de M. Daumas Berout & Cia. de Paris, seguida da de João Luís da Rosa, em 1883, e logo no ano seguinte da forte Companhia de Roterdão, vulgarmente conhecida por Casa Holandesa, que se manteve, em Luanda, até ao final da colonização. Por exemplo, a média anual de permuta do marfim naquela época atingiu seis toneladas e a borracha excedeu as trinta. Estes produtos vinham (como diz acima Barroso, pela mão dos zombo) da região de Stanley Pool e, às vezes, de mais longe, para serem posteriormente reenviados para os portos de embarque em caravanas de 4 a 5.000 carregadores, a quem era pago o valor de 9 000$000 reis em mercadorias. Na Europa, estes produtos atingem valores da ordem dos 50 000$000 reis.
 
 
  Fotografia do percurso Noki, S. Salvador das Irmãs, 1908
 
Quanto à posição social das pessoas (diz Barroso) existiam três classes de pessoas: as livres e de origem livre, a quem se não conhecia ascendente escravo; homens livres, porque compraram a liberdade e, finalmente, os escravos. Dos primeiros, faziam parte as linhagens, seus ascendentes directos, bem como filhos e sobrinhos. Alguns não tinham nada de seu, “ mas não sujavam as mãos,” a não ser para prestar um serviço ao Ntotila. Pouco ou nada faziam de prestimoso pela vida. Seguiam-se-lhe os que receberam
alforria, os chamados burgueses indígenas atingindo postos de relevante importância na guerra.
Também por isso eram abastados, podendo avaliar-se a sua riqueza pela quantidade de escravos e mulheres que detinham. Finalmente, vinha a classe dos escravos que era bem numerosa e, muitas vezes, um indivíduo era escravo em relação a quem o comprou ou herdou e, por sua vez, senhor de outros indivíduos que ele comprou por seu turno. Estes indivíduos entravam na família e as mulheres do seu senhor forneciam-lhe alimentação e, em geral, o escravo também podia casar e, nessa circunstância, era o próprio amo que se incumbia de lhe arranjar companheira, seguindo os filhos a condição da mãe.
 
Uma última palavra para o elemento feminino na educação da mulher indígena. Por mais zelo que o missionário empregue na educação da preta nunca conseguirá o que consegue uma irmã educadora.
 
 
 
  Fotografia, 1908, do acervo do autor, cedida pela família F. Leal

 
Após estas palavras do missionário Barroso, passaram-se vinte anos, a 13 de Julho de 1908 chegaram a S. Salvador as Missionárias de Maria a quem o governo tem subsidiado e que têm tomado a seu cargo a educação de muitas raparigas, algumas das quais já casaram com alunos da missão.
 
Os nomes que tomaram na ordem as seis missionárias são os seguintes: Maria da Visitação, portuguesa, superiora da missão; Maria da Encarnação, portuguesa, professora das alunas; Maria Júlia, portuguesa; Maria das Cinco Chagas, espanhola; Maria Fimbar irlandesa; Maria Sainte Lhecle, francesa. A última faleceu em 24 de Novembro de 1910, de haemoglubinuria anurica. Com excepção da superiora e da irlandesa as outras três eram raparigas novas.
 
Quanto não ganharia o catolicismo se em vez de obrigar homens e mulheres a uma luta improdutiva contra a natureza seguisse o exemplo dos protestantes terminando com o celibato dos padres e com as irmãs professas.
 
Tudo isto e muito mais fazia parte do Presente e do Futuro do qual o padre António Barroso estava incumbido de preservar para dignificar a missão multi secular da igreja católica portuguesa em terras do Kongo.


 http://www.muanadamba.net/article-o-pensamento-cientifico-do-missionario-antonio-barroso-120620271.html

terça-feira, 17 de junho de 2014

BARROQUISMOS VI (1)

do Porto e não só...

Le véritable voyage de découverte ne consiste pas à chercher de nouveaux paysages, mais à avoir de nouveaux yeux. Marcel Proust - A La Recherche du Temps Perdusexta-feira, 9 de Março de 2012

BARROQUISMOS VI (1)

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Detalhe da imagem de Gérard Jean-Baptiste (1671-1716), Ville de Lisbonne et Flote des Indes, na Histoire des découvertes et conquestes des Portugais dans le Nouveau Monde de Joseph-François Lafiteau,(1681-1746). Paris 1734 BnF (1)

“AO LEITOR
Costumam os Arquitectos quando intentão levantar algüa fabrica, debuxala primeiro em hüa pequena traça, para depois se acertar melhor o edifício.” (Manoel Severim de Faria Discursos vários políticos1614)
Esta frase, com que Manoel Severim de Faria abre o seu livro, serve para justificar este post, que é também uma aproximação, quase uma mera recolha de dados, a um futuro texto mais organizado e completo. Procurou-se ilustrar os textos sobre Lisboa do tempo dos Filipes, com imagens contemporâneas, ou pelo menos do século XVII, embora naturalmente com algumas excepções.
Notas sobre o Portugal do século XVII
Se o Barroco se difunde ao longo do século XVII, a partir de Roma para os diversos países europeus e suas colónias, assumindo é certo em cada um deles características próprias, em Portugal as circunstâncias políticas não permitiram canalizar grandes somas de dinheiro para as obras de prestígio, civis e mesmo religiosas. O século XVII em Portugal, pode dividir-se em três períodos: Um primeiro que corresponde ao domínio espanhol (1580-1640) e  à transição do Renascimento para o Barroco. Um segundo período da guerra da Restauração (1640-1668) e as suas consequências nas colónias, em que a coroa portuguesa se preocupa sobretudo com a fortificação e defesa das fronteiras de Portugal e colónias. E um terceiro entre 1668 e 1706, e que corresponde, à regência (1668) e ao reinado (1683) de D. Pedro II (1648-1706), após o afastamento do irmão Afonso VI. E se é certo que, sobretudo pela acção da Igreja o Barroco vai sendo introduzido em Portugal, de facto, só no século XVIII, com o reinado de D. João V, se pode propriamente falar de uma intervenção na cidade, de um urbanismo e até de uma arte barroco ou tardo-barroco.

Deambulações pela Lisboa Filipina a partir de alguns textos da época (*)
(*) Sobre Lisboa no século XVII indispensável ler: Lisboa Setecentista de Fernando Castelo-Branco de 1956 e publicado em sucessivas edições, a quarta em Livros do Horizonte, Lisboa 1990; o clássico de  Júlio Castilho (1840-1919), A Ribeira de Lisboa, descripção histórica da margem do Tejo desde a Madre de Deus até Santos-o-Velho, Lisboa, 1893; e o texto de Vítor Serrão  Lisboa Maneirista oito notas a propósito da imagem da cidade nos anos 1557-1668 in O Livro de Lisboa, coordenação de Irisalva Moita, Livros do Horizonte 1994.
Lisboa, ao longo do século XVI, com a Expansão tem um notável crescimento, de que resulta pela acção de D. Manuel (**) uma adaptação a essas novas condições de grande cidade, uma das maiores da Europa e certamente a maior da península Ibérica.
(**) Sobre Lisboa Manuelina ler de Helder Carita “Lisboa Manuelina e a formação de modelos urbanísticos da época moderna (1495-1521)”  Livros  Horizonte, Lisboa 1999
Um desenho de Johann Putsch (1516-1542), mas divulgado por Sebastian Münster (1489-1552) na suaCosmographia, publicada em 1550 mas com sucessivas edições até 1628, apresenta um imagemEuropa Regina, em que o continente europeu orientado no sentido nascente-poente, é representado como uma rainha cuja cabeça coroada é a Península Ibérica, o braço direito a Itália que segura na mão a esfera que é a Sicília e o braço esquerdo a Dinamarca, segurando um septo onde a Inglaterra surge como flâmula. (ver Paulo Pereira - Discurso proferido no simpósio internacional »Novos Mundos – Neue Welten. Portugal e a Época dos Descobrimentos« no Deutsches Historisches Museum, em Berlim, 23 a 25 de Novembro de 2006).
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Sebastian Münster (1489-1552) Europa Regina 26 x 16 cm. in Cosmographia Basel 1598.
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Camões no Canto III, de Os Lusíadas, parece conhecer esta representação quando escreve:

Est.17
Eis aqui se descobre a nobre Espanha,/Como cabeça ali de Europa toda,/Em cujo senhorio e glória estranha/Muitas voltas tem dado a fatal roda;/Mas nunca poderá, com força ou manha,/A Fortuna inquieta pôr-lhe noda/Que lha não tire o esforço e ousadia/Dos belicosos peitos que em si cria.
E de seguida referindo Portugal:
Est. 20
Eis aqui, quási cume da cabeça/De Europa toda, o Reino Lusitano,/Onde a terra se acaba e o mar começa/E onde Febo repousa no Oceano./Este quis o Céu justo que floreça/Nas armas contra o torpe Mauritano,/Deitando-o de si fora; e lá na ardente/África estar quieto o não consente.
Lisboa nos finais do século XVI
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OLISIPPO 1590 Lisabona. - [Escala não determinada]. - [S.l. : s.n., 15--]. - 1 pl. : gravura, p&b ; 28,90 ,20 cmhttp://purl.pt/1420. - O exemplar, C.C. 142 P2, apresenta duas cotas antigas inscritas no verso.. - Na parte inferior contém uma legenda em latim BND Portugal
E Camões no mesmo Canto III, de Os Lusíadas, enaltece a importância e a grandeza de Lisboa,  chamando-lhe princesa das outras cidades do mundo:
Est. 57
E tu, nobre Lisboa, que no mundo/Facilmente das outras és princesa,/Que edificada foste do facundo/Por cujo engano foi Dardânia acesa;/Tu, a quem obedece o Mar profundo,/Obedeceste à força Portuguesa,/Ajudada também da forte armada/Que das Boreais partes foi mandada.
Outros autores quinhentistas apontam este crescimento e cosmopolitismo de Lisboa mas apontando também, a decadência moral trazida por esta súbita riqueza, como  António Ferreira (1528-1569) o autor de A Castro, nos seus Poemas Lusitanos, (publicados em 1598, pelo seu filho Miguel Leite Ferreira), já se refere ao crescimento de Lisboa dos meados do século XVI. No livro onde um conjunto de poemas assume a forma de Cartas, na Carta X, dirigida  A Manoel Sampayo em Coimbra
Esta Cidade, em que nasci, fermosa/Esta nobre, esta chea, esta Lisboa/em Africa, Asia, Europa tão famosa,/quam differente a vejo, do que a ve/O sprito enganado, que no ar voa!





E Pedro de Andrade Caminha, (1520-1589) na  Oda VII dedicada a Francisco de Sá de Miranda,
Louvarão muitos esta gram Cidade,/Esta nobre Lisboa,/Raro Francisco, esta que do Ocidente/Com grande nome em toda parte soa,/E soará com grão nome em toda idade,/Que dá Leis ó Meio dia, e ó Oriente.//Seus espantos verão, suas grandezas,/Seus nobres edifícios/D’obra antiga e moderna, as variedades/Dos estados, das obras, dos officios,/Dos negócios, dos tratos, das riquezas,/Dos costumes, das Leis, e das vontades.//Com alegre louvor verão partidas/Daqui armadas nossas,/Prosperas as verão depois entradas/Cheas de mil despojos, presas grossas,/Com bandeiras triumphaes ó Ceo erguidas,/Com bandeiras d'immigos derribadas.
(ver Helena Rocha Pereira Uma Descrição Poética da Lisboa Quinhentista, Comunicação apresentada ao Congresso Internacional dos Descobrimentos Portugueses e a Europa do Renascimento”,Fundação Calouste Gulbenkian, 1983
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Theodor de Bry (1528-1598) Lisboa in Americae Tertia Pars, 1562, Encyclopædia Britannica
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Felipe II de Espanha (1527-1598) Filipe I de Portugal
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Tiziano Vecellio (1490-1576) Retrato de Felipe II 1551 óleo sobre tela 193 × 111 cm. Museu do Prado Madrid
Felipe II de Espanha (1527-1598), filho de Carlos V de Habsburgo (1516-1555) e da filha de D. Manuel I, Isabel de Portugal (1503-1539), sobe ao trono em 1555, reinando sobre um vasto território integrado por Aragão, Castela, Catalunha, ilhas Canárias, Maiorca, Navarra, Galiza e Valência, Rossilhão, Franco-Condado, Países Baixos, Sardenha, Córsega, Sicília, Milão, Nápoles, além de territórios ultramarinos na África (Orão, Túnis, e outros), na América e na Ásia (Filipinas). Em 1580 torna-se rei de Portugal acrescenta a este vasto território Portugal e as suas possessões ultramarinas, construindo um Império, que mais que ao império do seu pai, se podia dizer que era tão vasto que o sol nunca se punha.

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Frei Nicolau de Oliveira (1566-1634), publica em 1620, o Livro das Grandezas de Lisboa Composto pelo padre Frey Nicolao d’Oliveira Religioso da Ordë da Sãctissima Trindade & natural da mesma Cidade. Dirigido a D. Pedro d’Alcaçova Alcayde mor das tres Villas, Campo mayor, Ougella, & Idanha a nova, & Comendador das Idanhas. Com todas as Licenças necessarias. Impresso em Lisboa por Iorge Rodriguez. Anno 1620
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Trata-se de um detalhado documento, a que nos iremos referir diversas vezes, dirigido ao filho de Felipe II,  Felipe III. O Livro tem como novidade procurar quantificar todos os dados referentes a Lisboa (a estatística ainda não existia!), enquanto se exalta a importância e a dimensão de Lisboa. Nicolau de Oliveira escreve:
“Assi o entendeu o Emperador Carlos quinto seu avo (quando vëdo o socorro de Portugal que lhe foi para a tomada de Tunez) disse, se eu fora Rei de Lisboa eu o fora em pouco tempo de todo o mundo”.
Filipe II de Espanha foi o vencedor da batalha de Lepanto em 1571 contra os turcos otomanos.
Em 1561 transfere a capital do reino de Toledo para Madrid o que implicou a sua transformação ao longo do século XVII, na capital do Império. Em 1563 funda o Escorial.
Em 1588 reúne no Tejo uma enorme armada de 130 navios espanhóis e portugueses, La Armada Invencible, ou Grande y Felicissima Armada, que em Maio parte para invadir a Inglaterra de Isabel I (1533-1603), rainha desde 1558, mas que é derrotada pelos ingleses em Gravelines.
“Passados cinquo annos que foi no de mil & quinhentos & oitente & oito, vëdo sua Magestade a grande cõmodidade, & facilidade cõ que neste porto & Rio se podem fazer ajuntar grandes & groças armadas, determinando fazer hüa com a qual conquistasse o Reino de Inglaterra, a mandou ajuntar aqui para deste porto partir como partio em trinta dias do mes de Mayo, sendo em numero de 150 vellas.” Livro das Grandezas de Lisboa
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Vicente Urrabieta y Ortiz (1813-1879) Reunida em Lisboa a soberba armada Espanhola que se chamou Invencível litografia aguarelada 1850 sobre um quadro existente no museu marítimo de Barcelona
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Nota – O quadro e a litografia realizados no século XIX mostram por detrás dos Jerónimos o Palácio da Ajuda, que obviamente não existia em 1588, e do mesmo modo a Torre de Belém encontrava-se no Tejo que chegava junto dos Jerónimos.
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 Sébastien Münster 1489-1552 a Armada espanhola ataca a Inglaterra 1588 
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Cornelis Claesz Van Wieringen (1580 – 1633) a Armada Invencible na costa inglesa 1625 óleo sobre tela 120,8 x 225,5 cm. Rijksmuseum Amesterdão
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Nicholas Hilliard (1547-1619) a batalha de Gravelines Society of Apothecaries London
Nota – Nicholas Hilliard esteve presente na batalha de Gravelines.
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Nos finais do século XVI, a navegação e o domínio dos mares são o principal factor de riqueza e poder de uma nação, num caminho aberto pelos portugueses e espanhóis, mas a que, ao longo do século, se juntam ingleses, franceses e holandeses. Apesar de Madrid se ter tornado capital do reino em 1561 o seu desenvolvimento é lento e o facto de ser uma cidade de interior torna Lisboa a principal cidade do Império Espanhol e o maior porto europeu. Lisboa é a mais importante cidade europeia graças à sua localização atlântica. Em Espanha apenas Sevilha, se pode comparar.
Assim já o referia Damião de Góis (1502-1574) na Urbis Olisiponis Descriptio, de 1554: "Há duas cidades que, nesta nossa época, poderíamos com razão  chamar senhoras e (por assim dizer)rainhas do Oceano: pois é sob sua direcção e domínio, que hoje em dia se processa a navegação  em todo o Oriente e Ocidente. Uma delas é Lisboa, que reivindica para si o domínio daquela parte do Oceano que, desde a embocadura do Tejo, envolve num imenso circuito marítimo a África e a Ásia. A outra é Sevilha,  desde o rio Guadalquivir lançada para o Ocidente, que abriu de par em par à  navegação aquela parte do orbe que hoje se chama Novo Mundo (...)" (Descrição da Cidade de Lisboa, pelo Cavaleiro Português Damião de Góis, tradução do texto latino, introdução e notas de José Felicidade Alves, Livros Horizonte, 1988)
Lisboa
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Georg Braun (1542-1622) e Franz Hogenberg (1535-1590), Lissabon in  Civitates Orbis Terrarum (a versão em latim do volume I foi publicada em 1572) Na edição de 1598 surge esta vista de Lisboa, OLISSIPO quae nunc Lisboa civitas amplissima Lusitaniae ad Tagum…com as Armas Reais e as Armas de Lisboa ladeando uma rosa dos ventos e com os edifícios e espaços públicos numerados correspondente a uma legenda na parte inferior.
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Domingos Vieira Serrão (1570-1632) e Simão Rodrigues (c. 1560-1629), Ex Voto  Nossa Senhora de Porto Seguro Roga a seu Precioso Filho por esta Cidade e sua Navegação de Lisboa, c. 1620 Igreja de São Luís dos Franceses (Também atribuída a Amaro do Vale ?- 1619)
Sevilha
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Georg Braun (1542-1622) e Franz Hogenberg (1535-1590), Sevilla in  Civitates Orbis Terrarum 1598
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Alonso Sanchez Coello (1531-1588) Vista de Sevilha
Assim durante o domínio espanhol, serão várias as vozes que proporão Lisboa como capital do Império Espanhol.
Luiz Mendes de Vasconcellos (c. 1542-1623) no início do século XVIII escreve a sua obra Do Sitio de Lisboa Sua Grandeza, Povoação e Commercio, &c., Dialogos de Luiz Mendes de Vasconcellos. Reimpressos conforme a Edição de 1608. Novamento correctos, e emendados. Lisboa Na Offic. Patr. de Francisco Luiz Ameno. M DCC LXXXVI. Com Licença da Real Mesa Censoria.
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Escrito sob a curiosa forma de diálogos entre três personagens: “…hum que era do Conselho d’El Rei,(a que) chamarei Politico, e a outro, que foi dos bons Capitães que teve este Reino, Soldado; e a outro chamarei Filosofo, porque em todas Sciencias foi doutíssimo…”, nesta obra Luís de Vasconcelos, aponta:
“…pareceo-me que seria cousa utilissima mostrar, como a Cidade de Lisboa he mais apta para as cousas do mar, a respeito desta Monarchia, que outra alguma, e que nella terá abundantemente a Corte de Sua Magestade não só tudo o que para sustento commum he necessario, mas as mais preciosas cousas do Mundo, e El-Rei as melhores recreações, que se podem dezejar, para que por todas estas razões se conheça, que esta Cidade he mais digna que todas, da sua assistencia.”


Depois já no tempo de Felipe III de Espanha, Manuel Severim de Faria (1584-1655) publica em 1624Discurso Varios Politicos, Por Manoel Severim de Faria, Chantre, & Cónego na Sé de Évora. Com as licenças necessarias Em Evora Impressos por Manoel Carvalho Impressor de Vniversidade Anno 1624.
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Manoel Severim de Faria intitula o seu Discurso Primeiro, Do muito que importará para a conservação, & aumento da Monarquia de Hespanha, assistir sua Magestade com sua Corte em Lisboa. Nesse discurso enumera um conjunto de razões como a dimensão da cidade, a pureza dos ares, a excelência do porto “ o mais capaz, & seguro de toda a Europa”, os estaleiros navais “que nelle se fazem grandíssimos galeões, & as naos da India, que são as maiores embarcações que navegão hoje o mar”e a facilidade de materiais para a construção das embarcações, para que a Corte do Monarca Ibérico se instale em Lisboa, Para melhor acudir as cousas do mar…
E sobre Sevilha considera que “…não he perto do mar, senão do rio de Guadalquebir , onde nãp podem subir os Galeões, por ser muito baixo, & ficão em S. Lucar, & nem os navios que lá sobem estão seguros naquele porto…”
Também Dom Francisco Manuel de Melo (1608-1666) em Naufragio da Armada Portuguesa em França Epanaphora Tragica Segunda Escritta a hum Amigo, de 1627, no seu livro Epanaphoras de varia Historia Portuguesa a El Rey Nosso Senhor D. Afonso VI, em Cinco Relações de sucessos pertencentes a este reyno, que contem negocios publicos, Políticos, Tragicos, Amorfos,Triunfantes. Por Dom Francisco Manuel. Lisboa. Com todas as licenças necessarias. Na Officina de Henrique Valente de Oliveira, Inspector delRey Nosso Senhor Anno 1660,
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escreve uma crónica datada de 1627 e intitulada Naufragio da Armada Portuguesa em França Epanaphora Tragica Segunda Escritta a hum Amigo, onde, citando Camões, escreve sobre Lisboa:
“Chamou, com elegância, o Poeta Portuguez Princeza das Cidades do Mundo, à nossa insigne Cidade de Lisboa, minha Patria. E não com menor propriedade, lhe chamou outro Poeta: Raynha das aguas do Universo. Olhando bem a Magestade com q, sobre as Prayas do Tejo (q lhe servë de sollo) preside a todas as Ribeiras do Mar Occeano, cujo golfo, como praça, lhe preparou diãte a Natureza; a qual praça se dilata, até as remotíssimas ourelas da America Setëtrional, q të por muro, à parte do Occidëte, cõ mais de mil lingoas de terreiro, entre a Costa de Hespanha, q leva o mas Ethlãtico, & o remnëte da Florida, q vë decëdo do Polo Artico, por se enxirir nas estendidas Provincias da nova Espanha: em tal modo, q Lisboa, como joya da testa de Europa (cuja cabeça se nos propõem a antiga Iberia) esta oferecendole, antes que noutro Porto, ou Cidade, para descanso de rodos os peregrinos navegantes, que de Asia, America, & Africa, nem buscar aquelle celebre Emporio, como o mais certo, capaz, & seguro de todo o Occidente.”
A visita a Lisboa de Filipe II de Espanha e I de Portugal
Com a perda da independência em 1580, logo em 1581, o rei espanhol Filipe II (Filipe I de Portugal) vem a Lisboa, para reunir as Cortes e ser confirmado como Rei de Portugal.
Desta visita de Felipe II a Lisboa em 1581 há um relato de Mestre Affonso Guerreiro (?-1581) num livro “Das Festas que se fizeram na cidade de Lisboa, na entrada del Rey D. Philippe primeiro de Portugal”por Mestre Affonso Guerreiro. Impresso com licença do Conselho Real & Ordinario em Lisboa Em casa de Francisco Correa Com Privilegio Real Anno 1581.
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Nele o autor relata que Felipe II de Espanha entrou em Lisboa a 13 de Junho de 1581, vindo de Almada e desembarcou no Terreiro do Paço. Lisboa estava decorada com diversos arcos, como era habitual nestas entradas triunfais. Logo à chegada o Arco dos Alemães, onde entre outras frases se podia ler uma referência em italiano e traduzida pelo autor, ao Império onde o Sol nunca se punha:
“Sia de tuoi regni il Sol meta è confine, A te cedo io me giove s’inchine.”
“Seja o Sol o limite dos teus reynos, a ti dou eu ventagem, Jupiter a mi se incline.”
Num outro Arco, uma referência à dimensão do Império com a integração de Portugal e as suas colónias:“…o globo do mundo, & de cada parte hüa molher que por cima do globo davão as mãos hüa a outra em sinal de paz & cosederaçam. E na outra tinha cada hüa, hüa coroa dourada, em que se mostrava que por a posse que sua Magetade novamente acquirio dos Reynos de Portugal, cõfederou & ajuntou debayxo de hum sceptro as Indias Orientaes & Occidentaes, que abraçam o mundo todo: que fica sujecto a hum tal Monarcha.”
Ainda uma inscrição em Latim, que o autor traduz: “ Globo do Mundo /E abayxo estavão estes versos.(que o autor traduz do Latim):”O mundo que estava dividido antre vosso bisavo Dom Fernando Rey de Castella, & vosso avo dom Manoel Rey de Portugal, agora se ajuntou em hum, sendo vos senhor de todo Oriente & Occidente. Os Reynos do mundo que vos erão dividos, agora os pessuis & governais.”
Segue-se um conjunto de capítulos dedicados à descrição de cada uma das referências no arco às possessões portuguesas e suas fortalezas: Goa, Cananor, Cochim, Chaul, Dio, Ceylam, Malacha, Ormuz, e ainda dos Reynos da Ethiopia e Reynos do Brasil. Neste uma estátua tendo na mão a cana-de-açúcar, então a principal produção brasileira.
O Torreão do Paço da Ribeira
O monarca espanhol ordena, nesse mesmo ano de 1581, a reformulação do Paço da Ribeira, que datava dos inícios do século XVI, criando a imagem do Terreiro do Paço que durará até ao Terramoto de 1755.
O Terreiro do Paço, era já o centro administrativo e económico da cidade, e onde se realizavam e se realizarão ao longo dos séculos XVII e XVIII, cerimónias religiosas como procissões e autos de fé, mas também civis como festejos, recepções e touradas.
Na estampa de Braun o Terreiro do Paço nos finais do século XVI, com o antigo palácio Real. Braun coloca umas tercenas no Terreiro do Paço, cuja existência não está confirmada.
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Detalhe de Braun and Hogenberg Civitates Orbis Terrarum
Em 1620 no Livro das Grandezas de Lisboa escreve Frei Nicolau de Oliveira:
“…pello que vendo a Magestade d’el Rey Dõ Philippe primeiro deste nome em Portugal (como prudentíssimo que era) (***) de quanta importancia era a assistência da pessoa Real neste Paço mandou fazer (fora delle no fim de hum grande corredor, que estava feito) hum forte de pedraria da melhor, & mais perfeita obra, assi de fora, como de dentro, que se sabe em Europa, donde naõ só podesse ver o que se fazia, mas tambem lhe ficasse servindo de mayor recreação, vëdo delle quasi todo o Rio, & suas embarcações, assi da parte do Oriente, como do Occidente.”
(***) Alusão ao cognome de O Prudente atribuído a Felipe II de Espanha e primeiro de Portugal.
Nesta reformulação do Palácio Real, cujas obras duraram entre 1580 e 1619, destaca-se o Torreão, chamado Filipino, de quatro pisos, encimado por uma cúpula. O projecto deve-se a Filippo Terzi (1520-1597), a partir de 1590, nomeado Mestre das Obras de el-Rei, substituindo o arquitecto-mor do Reino António Rodrigues (ca 1525?-1590) então falecido. No Torreão trabalharam ainda Juan de Herrera (1530 - 1593) que Na sua deslocação a Lisboa, o monarca fez-se acompanhar do insigne arquitecto Juan de Herrera, e Baltazar Álvares (1560-1630). Felipe II irá ainda criar em 1594 a Aula do Risco no Paço da Ribeira.
O Palácio da Ribeira,antes da intervenção de Terzi, figura na planta de Braun ou Braunio na sua versão manuelina e  Júlio de Castilho (1840-1919), em A Ribeira de Lisboa, descripção histórica da margem do Tejo desde a Madre de Deus até Santos-o-Velho, publicada em Lisboa em 1893, elabora desenhos datados de 1892 do Palácio Real.
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Detalhe de Braun and Hogenberg Civitates Orbis Terrarum b604c
O Paço da Ribeira no tempo de D. João III segundo G. Braun por Júlio de Castilho 1892 no livro A Ribeira de Lisboa
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O Paço da Ribeira desde a dominação filipina segundo Domingos Vieira Serrão, por Júlio de Castilho 1892 no livro A Ribeira de Lisboa
Em 1626, um autor anónimo escreve, em verso, a Relaçam, em que se trata, e faz hüa breve descrição dos arredores mais chegados à Cidade de Lisboa, & seus arrebaldes, das partes mais notaveis, Igrejas, Hermidas, & Conventos que tem, começando logo da barra, vindo corredo por toda a praya até Enxobregas, & dahi polla parte de cima, até São Bento o novo.
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Publicada nos Anais das Bibliotecas e Museus Municipais n.º11, Janeiro a Março de 1934
O anónimo autor da Relação escreve em 1626:
“Os paços del Rey famosos,/maquina soberba, & immensa,/os tectos de cujas casas/competem c0 das estrelas.//Aquella primeira sala/rodeada de janellas,/onde sempre, aos seus turnos,/assiste a guarda tudesca!//Os compridos corredores/quartos de tanta grandeza/onde infinita familia/facilmente se aposenta.// As grandes salas de cima,/& outras mil casas soberbas,/em cuja capacidade/cabem tantas excelências.”
O Torreão desaparecerá no Terramoto de 1755.
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O reinado de Felipe III de Espanha (1598-1621)
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Diego Velasquez (1599–1660) Felipe III de España, 1634. óleo sobre tela 2,175 × 3,070 Museo del Prado
A Felipe II sucede Felipe III de Espanha (1578-1621) e Filipe II de Portugal, que reina desde 1598 até à sua morte. Entre Felipe II e Felipe III, pode ver-se nos dois retratos apresentados de Ticiano e de Velasquez, a passagem do Renascimento para o Barroco.
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Felipe III que mandou organizar as Ordenações Filipinas em 1603, também visita Lisboa em 1619, apesar de algumas recomendações para não o fazer:
“Extraict d’une partie de lettre d’un Espagnol ecrite de Lisbone à un autre demeurant à Anvers.
Nous sommes tout fort en crainte que de cette venuë de sa Magesté en Portugal, qui a esté contre l’advis de tous, & de ses conseils d’ Estats & de guerre, il n’arrive beaucoup de maux, comme sera la liberté de cestuy Royaume, n’etans satisfaits les Portugais de leurs demandes, ou sa Magesté les voulant supprimer & rabatre de leurs privileges & franchises veu que ce sont gës qui dissimulent & n’attendent que l’occasion, ce qui fera la perte de toutes ses conquestes n’ayant aucun qui les defendët & des Indes occidentales, qui est tout nostre support & ce qui entretient nostre grandeur, desquelles choses arrivant, l’une ou l’autre, je ne sçay ce que nous deviendrons.” in Le Serment de Fidelité Faict au Prince d’Espagne, à l’ouverture des Estats du Royaume de Portugal. Ensemble l’extraict de deux lettres escrites de Lisbone à quelques particuliers de la ville d’Anvers, sur les affaires dudit pays. A Paris Chez Nicolas Alexandre, rue S. Estiènne des Grecs MDC
“Extracto de uma parte de carta de um Espanhol escrita em Lisboa a um outro morando em Antuérpia.
Nós tememos fortemente por esta vinda de Sua Majestade a Portugal, à qual todos se opuseram, e os Conselhos de Estado e de Guerra, não venha a acontecer nada de mal, como é o caso da liberdade deste Reino, não estando satisfeitos os Portugueses dos seus pedidos, que sua Majestade quis suprimir e rebater dos seus privilégios e a franqueza quer que se diga que são gente que dissimula e espera por uma ocasião, o que faria perder todas as suas conquistas, não havendo ninguém que as defenda e às Índias ocidentais, que é o nosso suporte e que representa a nossa grandeza, e se algo acontecesse, num caso ou noutro, não sei o que nos tornaríamos.”
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Le Serment de Fidelité Faict au Prince d’Espagne, à l’ouverture des Estats du Royaume de Portugal. Ensemble l’extraict de deux lettres escrites de Lisbone à quelques particuliers de la ville d’Anvers, sur les affaires dudit pays. A Paris Chez Nicolas Alexandre, rue S. Estiènne des Grecs MDCXIX
Apesar disso em 1619, Felipe III sai de Madrid a 22 de Abril, e chega a Portugal a 22 Junho. Passando por Elvas, Estremoz, Évora, Montemor e Almada, chega a Lisboa, numa visita que demorará até 22 de Setembro de 1619. Parte então de regresso a Madrid, sendo ainda recebido em Setúbal, Palmela, Salvaterra, Almeirim, Santarém e Tomar, Tancos, Ponte de Sor, Alter do Chão, Arronches, Campo Maior, chegando finalmente a 23 de Outubro a Badajoz, de onde parte para Madrid.
Em Lisboa é recebido com “triunfal aparato” e encarrega João Baptista Lavanha (155?-1624), Cronista-Mor do Reino de escrever um relato que foi publicado em 1622, no ano seguinte à morte do Rei com o título de “Viagem da Catholica Real Magestade del Rey D. Filipe II N.S. ao Reyno de Portugal E rellação do solene recebimento que nelle se lhe fez S. Magestade a mandou escrever por João Baptista Lavanha sev cronista mayor, Madrid, Por Thomas Iunti Impressor del Rei N.S M. DC. XXII.”
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Esta publicação é ilustrada com diversos desenhos, atribuídos a Domingos Vieira Serrão (1570-1632), entre os quais se destaca a vista de Lisboa com a chegada ao Terreiro do Paço que, como é hábito nos séculos XVII e XVIII, é uma entrada triunfal do Rei na cidade de Lisboa.
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“Embarcado sua Magestade, vei toda a armada subindo rio acima, com tam favoravel, & fresco vento, que as Galés a remo, & os barcos à vella caminhavão igualmëte: erão ellessem numero, cobrirão o rio, todosenramados, embaiderados, com trobetas, charamelas musicas, & danças: não faltarão no acompanhamento Tritões, Sereas, Baleas, Golfinhos, Cavallos marinhos, & outros varios monstros do mar com grande artificio, & propriedade fabricados. Toda a praia, que he de hüa legoa de cõprido, & todas as partes altas da cidade de que se podião ver as Gales estavão cubertas de innumeravel povo.”
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Certamente era conhecido o desenho da Cosmografia de Sebastian Munster.
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Sebastian Munster – Les monstres marins & terrestres lesquelz  on trouve en beaucoup de lieux es parties septentrionales Cosmographie Universelle livre IIII 1560
Para esta entrada foram construídos diversos arcos do triunfo, de que se destacam no Terreiro do Paço oArco dos Homens de Negócios de Lisboa (no cais), o Arco dos Alemães (no centro do Terreiro do Paço) e o Arco dos Ingleses (na porta da cidade). Nestas arquitecturas efémeras, também se nota o aparecimento de alguns elementos de características barrocas, embora as composições sejam ainda marcadas por características renascentistas ou maneiristas.
Em 1650 João Nunes Tinoco (c.1610-1690) publica uma planta de Lisboa, legendada, e que permite ter uma visão da cidade antes do terramoto.
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João Nunes Tinoco (c.1610-1689) 

Detalhe da planta de J.N. Tinoco com a marcação de alguns dos Arcos Triunfais.b702d
Junto ao cais elevava-se o primeiro arco triunfal , o Arco dos Homens de Negócios de Lisboa (1)
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“Onde se terminava o Caez levãtarão os homés de negocios Portugueses desta Cidade hú Arco triunfal tam sumptuoso. & de tanta grandeza, & magestade, quanto para receber hum tamanho Monarcha era conveniente, & necessario. (…) Os quatro lados erão dedicados às quatro Virtudes, Prudência, Fortaleza, Liberalidade, & Religião, & às quatro partes do Mundo Europa, Africa, Asia, Mundo novo chamado vulgarmente America. A cada húa destas quatro virtudes acõpanhava hú Rei de Portugal nella insigne; & no grosso do Arco que lhe correspondia avia dous actos da mesma Virtude exercitados por algü Rei ou fidalgo Portugues, & na volta do arco dous Emblemas ao mesmo proposito.”
No centro do Terreiro do Paço lembrando a origem do monarca Habsburgo, o Arco dos Alemães (2)
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“… & no terreiro do Paço avia outro Arco triunfal, que os mercadores Alemaës vezinhos de Lisboa levantarão, em demonstração do cõtentamento com que nella recebião sua Magestade, como aquelles a quem não tocava menos o prazer de ver a el Rei neste Reino que as outras nações estrangeiras que nelle residem, não só pela obrigação, & amor que lhe devem, como a filho descendente de seus naturaes senhores Principes da Imperial casa de Austria, mas tambem como devedores da benignidade, favor, & confiança que sua Magestade faz delles.”
Na porta da Cidade do Terreiro do Paço o Arco dos Ingleses (3)
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“Era a porta da Cidade hú Arco triunfal que os Ingreses residentes em Lisboa com alegres vontades levantarão, no sitio em que dantes avia no muro dous Arcos antiguos de pedraria, os quaes a Cidade mandou derribar, & casas sobre elles edificadas, para mostrar o contentamento co que celebrava a entrada de sua Magestade nella arrasando os seus muros como os seus vezinhos tinhão abertos os peitos para o receberé nos corações.”
Depois “ (…) Passado o arco triunfal dos Ingreses se entra na pequena praça do Pelourinho velho que Damião de Góis descreve desta forma curiosa em 1554:
“Em frente deste posto aparece a praça do chamado Pelouri­nho Velho. Nesta praça se vêem sempre muitos homens sentados em frente de mesas, a quem poderíamos chamar notários ou tabe­liães, embora não tenham nenhum cargo oficial. Todos eles ganham a vida pelo seguinte processo: ouvindo com atenção os que a eles acodem e lhes expõem os seus problemas, escrevem imediata­mente e no mesmo lugar em folhas de papel que entregam aos requerentes, recebendo a paga conforme o assunto: de modo que estão sempre a postos para redigir cartas, mensagens amorosas, elogios, discursos, epitáfios, versos, louvores, orações fúnebres, petições, notas e outras coisas do género que se lhes peça. Nunca vi fazer semelhante coisa em nenhuma outra cidade da Europa.”
Na praça do Pelourinho velho estava o Arco dos Oficiais da Bandeira de S. Jorge.(4)
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Para além do Arco, no Largo do Pelourinho velho, havia “…hüa representação de doze Cidades principaes do Reino de Portugal, em estátuas maiores do natural fingidas de marmore branco perfiladas as roupas de ouro. Tinham na mão chaves que oferecião à sua Mag. estavão sobre pedestais de jaspe vermelho de nove palmos de alto, & nelles escritos seus nomes, & em hüas redondilhas as excellencias de cada hüa, ficavam distribuidas de tres em tres entre quatro piramides…”
As cidades representadas e as respectivas redondilhas:
Braga Sou Braga antigua & famosa/Primàs de Espanha & por quantos/Arcebispos tenho Santos,/sou mais nobre & venturosa.
Évora Sou Evora illuste Cidade/rica, grande & populosa/por meus campos tam famosa/como pela Antiguidade.
Coimbra Sou Coimbra aquém levanta/saber sciencia & clausura/de hü Rei Santo sepultura,/& de hüa Rainha Santa
Porto  Sou Porto fundador/do nome de Portugal,/& deste agudo metal/mui grande fabricador.
Guarda Sou a Guarda à cuja serra/o ardente Estro deve/o mimo da branca neve,/que aqui refrigera a terra
Lamego Sou rica, & fértil Lamego/donde Baco sem seu dano/para passar o Oceano/Lamego acha muito grande emprego

Viseu Sou Viseu nobre ,& antigua,/que a Rodrigo sepultei/quando fugido o guardei/da Maura gente inimiga.
Leiria Sou Leiria verde,&amena/de cujo pinho excelente/as armadas do Oriente/a vossa Coroa ordena.
Portalegre Sou Portalegre afamada/por meu pano brando,& fino,/visto o Reino de contino,/& sou rica, & abastada.
Elvas Sou Elvas rica & possãte,/& sobre outros fruitos mais/de compridos Olivais/sou mais fértil, & abundante.
Miranda Sou a escondida Miranda/à quem limita os caminhos/ o Douro, & montes vizinhos/com Castella da outra banda.
Beja Sou Beja cujos poderes/se estendem da tal maneira/qua sou de todas primeira/nos frutos de Baco,& Ceres.
No cruzamento da rua Nova (dos Mercadores) e a rua dos Ourives (rua nova d’el Rey) o Arco dos Ourives e Lapidarios. (5)
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“Ao cabo da Rua nova à entrada da Rua dos Ourives, fizeram eles, & os Lapidarios hum espectaculo asaz elegante, & curioso. Sobre hum alto pedestal se levantava hüa peanha, encima da qual arrimado à hum dossel de rico brocado estava a estatua del Rei D. Filipe I em pee mui ao natural retratado, com o trajo que entrou em Lisboa o ano de 1581. Tinha na mão esquerda hum cetro de ouro, & na dereita duas Coroas juntas, erão de ouro guarnecidos de perolas, & pedras preciosas, as quaes representavão os dous Reinos de Castella, & Portugal, fazia el Rei demonstração de offerecellas a sua Magestade seu filho, ao passar por alli com este dístico.
ACCIPE DO GEMINAS, PARITER SERVARE MEMENTO / CORRVET IMPERIUM, SI RVAT VNA, TVVM.
Tomai filho estas duas Coroas que vos dou, procurai conservalas, porque se hüa se perder, caira vosso Imperio.
O retrato de Felipe II de Espanha (Filipe I de Portugal) no centro do Arco e o retrato do rei no Escorial.
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Juan de Pantoja de la Cruz (1553-1608) Retrato de Felipe II 1590 óleo s/tela Biblioteca do Mosteiro de S. Lourenço do Escorial
Arco dos Pintores
Os pintores que em 1602 tinham criado “… uma Irmandade de invocação de S. Lucas,(…) com sede no Mosteiro dominicano da Anunciada, sendo primeiro juiz o pintor Simão Rodrigues.” (Vítor Serrão), vão criar um Arco dos Pintores na entrada da rua de S. Gião.
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“Na entrada da rua de S. Geão fizeram os Pintores o Arco que se vee no debuxo; era todo pintado de branco, & negro perfilado de ouro, tinha por remate a Imagem de vulto de S. Lucas de cor de bronze, proteitor, & advogado dos Pintores, a seu lado estava o Boi insignia deste glorioso Evangelista, q tinha na mão o retrato de Nossa Senhora, que he tradição aver pintado este Santo; sobre dous pedestaes que carregavão sobre os capiteis das colunas, se vião duas estatuas abronzadas; hüa delas era  da Geometria, & a outra da Perspetiva. Em hum outro quadro grande que ficava abaixo do Santo, &entre as duas estatuas estavão pintadas tres figuras a Pintura, a Escultura, & a Architetura: a Pintura occupava o lugar do meio, tinha diante de si hum cavalete, & nelle posto hum retrato de sua Magestade, que parecia acabar de pintar, com a paleta de cores, & pinceis, que tinha na mão esquerda, & hum na dereita, a Escultura estava exercitando sua arte em hüa estatua, & a Architetura com hum compasso na mão traçando em hum papel sobre hum bofete, no qual se vião regra esquadro, & os mais instrumentos necessarios…”
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Detalhe do Arco dos Pintores: A Geometria e a Perspectiva ladeando as três Artes
Finalmente junto ao Paço, destaque-se o Arco dos Familiares do Santo Ofício, “…hüa fabrica de tres Arcos ornados de boa architectura, como se vee no desenho, arrimados a outros tres Arcos de pedraria de hüa varanda, que do Paço vai ao forte (fabrica excellente, & das melhores de Espanha, da magnificencia del Rei Dom Filipe Primeiro) pelos quais se ha de passar para entrar no terreiro do Paço.”
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Nas praças e ruas da cidade ribeirinha, para além dos Arcos dos Oficiais da Bandeira de S. Jorge, dos Pintores, dos Ourives e Lapidários, arcos ligados a outros ofícios como dos Cerieiros, dos Corrieiros, dos Atafoneiros, dos Oleiros, dos Çapateiros, dos Sastres (Alfaiates), dos Tanoeiros e dos Moedeiros.
E havia ainda arcos ligados a colónias estrangeiras, como para além das citadas alemã e inglesa, o Arcodos Italianos (junto à Sé)e o Arco dos Flamengos (na rua Nova)todos eles descritos e alguns desenhados no álbum de João Baptista Lavanha.
Touradas
Para além da descrição da visita à Sé, Lavanha descreve ainda nestes festejos as touradas realizadas no Terreiro do Paço.
“Aos primeiros de Setembro se correrão Touros, para esta festa se atalhou o terreiro do Paço com palanques pela parte do Mar, & do Levante, cerrando os outros dous lados do Paço. Tinhão os palanques dous altos de hüa mesma altura, com boa architetura de iguaes arcos, divididos cõ pilastras travadas com baluartes torneados, sobre as pilastras carregavão seus cornijamentos, & sobre elles varios remates de piramides, escudos, esferas, pintado tudo, & à partes dourado, & por dentro armados os aposentos de sedas, telas, & brocados, & os degraos dos assentos cubertos com varias sedas, & alcatifas, com que representava hum sumptuoso theatro.”
Num texto intitulado Voyage de Madrid a Lisbonne 1670 no livro Voyages faits en divers temps en Espagne en Portugal en Allemagne, en France, et ailleurs par Monsieur M. **** A Amsterdam Chez George Gallet M DC XCIC, é publicado um desenho representando uma tourada no Terreiro do Paço.
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Legenda: 1 La grande place du Palais (A grande praça do Palácio) 2 les 4 grosses tours  (4 grandes torres) 3 Course de taureaux (Corrida de touros) 4 Les platreformes (as plataformas) 5 Le Tage et la Mer (O Tejo e o Mar) 6 Almada
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O reinado de Felipe IV de Espanha (1621-1665), Filipe III, rei de Portugal até 1640.
A Felipe III sucede Felipe IV de Espanha (1605-1665) rei desde 1621 até 1665.
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Diego Velazquez Retrato equestre de Felipe IV de Espanha 1634 - 1635 óleo sobre tela 126 x 93 cm. Museo del Prado, Madrid.
Compare-se este quadro de Velasquez, com o que pintou na mesma época, daquele que foi seu ministro entre 1621 e 1643, o poderoso Conde Duque de Olivares ( Gaspar de Guzmán y Pimentel Ribera y Velasco de Tovar 1587-1645). Neste a pose triunfante, olhando por cima do ombro, o cavalo empinado, o braço direito segurando o bastão de comando, como que apontando a batalha que se supõe ser de Fuenterrabía (1638), e que se vê ao fundo.
A composição com uma dinâmica gerada a partir da diagonal do dorso do cavalo, sublinhada pelo bastão da mão direita e pela espada na cinta do Conde de Olivares, os tons prateados do céu contrastando com o traje e a pose da personagem conferem-lhe toda a dignidade como de um rei se tratasse.b687d
Diego Velazquez Retrato equestre do Conde-Duque de Olivares 1634, óleo sobre tela 313 x 239 cm. Museu do Prado Madrid
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O Palácio Real no tempo de Felipe IV
O anónimo autor da Relaçam, em que se trata, e faz hüa breve descrição dos arredores mais chegados à Cidade de Lisboa…escreve em 1626:
Os paços d’el-Rei famosos,/machina soberba e imensa,/os tectos de cujas salas/competem c0’os das estrellas!//Aquella primeira sala/rodeada de janellas,/onde sempre, aos seus turnos,/assiste a guarda tudesca!//Os compridos corredores!/quartos de tanta grandeza/onde infinita familia/facilmente se aposenta!// As grandes salas de cima,/e outras mil casas soberbas,/em cuja capacidade/cabem tantas excellencias!”
Apesar de ser dos inícios do século XVIII a Grande Vista de Lisboa dá-no uma visão do que seria a Lisboa do século XVII, tendo em conta as destruições do Terramoto de 1755.b705
Detalhe de Grande Vista de Lisboa 1700-1725 azulejo azul e branco  1,15 x 22,47 m Museu Nacional do Azulejo (atribuído a Gabriel del Barco 1649-1703?)
Em 1628 Monsieur Balthasar de de Monconys (1611-1665), Conselheiro do Rei de França desde 1610 Louis XIII (1601-1643), descreve uma primeira visita a Lisboa então sob o domínio espanhol, no seuJournal des Voyages, publicado em 1666.
(Balthasar de Monconys escreve mais tarde uma versão reportada ao ano de 1645, agora numa visita a Portugal, já independente.)
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Journal des Voyages de Monsieur de Monconys, Conseiller du Roy en ses Conseils d’Etat & Privé, & Lieutenant Criminel au Siege Presidial de Lyon. Troisième Partie Voyage d’Espagne, Mort du Sultan Hibrahim, Lettres Sçavantes, Algebre, Vers, & Secrets A Lyon Chez Horace Boissat, & George Remeus M DC LXVI Avec Privilege du Roy.
Nos capítulos dedicados à “VOYAGE D’ESPAGNE fait en l’année 1628”, descreve o Palácio Real.
“Le Palais où les Roys de Portugal faisoient leur demeure est basty au bor de la Mer au milieu de la ville, cést vn grand Dome quarré, relevé de quatre estages : il y a de tres-belles sales & chambres lambrissées qui regardent sur la Mer : au troisième estage est la Bibliotheque du Roy, oú les Livres sont dans de petits cabinets de noyer. De ce Dome part une galerie de cent pas de long, au bout de laquelle il y en a deux en Croix de mesme longueur, ayant deux estages & des fenestres ornées de leurs balcons.”
“O Palácio onde os Reis de Portugal habitavam, construído à beira-mar no centro da cidade, é um vasto Torreão quadrado, com quatro andares: tem belas salas e quartos com vistas para o Mar: no terceiro andar está a Biblioteca do Rei, onde os Livros estão em pequenos escritórios em nogueira. Deste Torreão parte uma galeria com cem passos de comprimento, no final da qual existem outras duas em Cruz, do mesmo comprimento, com dois andares e janelas com varandas.”
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Dirk  Stoop (1610 - c.1686) pormenor do Terreiro do Paço, óleo sobre tela 123 x 172,5 cm. Museu da Cidade Lisboa
No primeiro plano a Fonte do Apolo ou Fonte Nova mandada construir em 1652 já na Restauração. (ver adiante a Fonte Velha no Rossio).
 1906

A Lisboa de Tirso de Molina
Em 1630, Tirso de Molina pseudónimo de Frei Gabriel Téllez (1571?-1648) escreve a comédia “El burlador de Sevilla y Convidado de Piedra ”, a peça sobretudo conhecida pela criação da personagem - que se torna famosa e universal - de D. Juan Tenorio.
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Nessa peça, na Cena XI, há um diálogo entre o Rei de Castela e um fidalgo Dom Gonzalo de Ulloa, em que este, a uma pergunta do soberano: - “Es buena tierra Lisboa? “ faz uma descrição de Lisboa e tendo em conta a sua importância confirma que é La mayor ciudad de España” e que “Es Lisboa una octava maravilla.”
Pela interessante descrição de Lisboa no início do século XVII, provavelmente com o conhecimento do Livro das Grandezas de Lisboa de frei Nicolau de Oliveira, reproduz-se toda a passagem da peça, sublinhando e ilustrando alguns lugares ou edifícios, e acrescentando passagens de outros textos da época.
(Nota importante: como a tradução é feita por mim e pode estar sujeita a alguns erros, apresenta-se a versão original em castelhano). ver no final (3)
Cena XI
Saem DON GONZALO DE ULLOA y el Rey DON ALONSO de Castilla
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D. Gonzalo – É Lisboa uma oitava maravilha./ Das entranhas de Espanha,/ que são as terras de Cuenca,/nasce o caudaloso Tejo,/que atravessa meia Espanha.
Entra no mar Oceano,/nas sagradas margens/desta cidade pela parte/ do sul; mas antes que perca/o seu curso e o seu claro nome/faz uma curva entre duas colinas/onde está de toda a urbe/barcas, naves, caravelas.
Há galeras e setias (****),/tantas que desde terra/para uma grande cidade/onde reina Neptuno.
Escena XI
Salen DON GONZALO DE ULLOA y el Rey DON ALONSO de Castilla ……………………………………………………………………..                                                                                               D. Gonzalo - Es Lisboa una octava maravilla. /De las entrañas de España,/que son las tierras de Cuenca,/nace el caudaloso Tajo,/que media España atraviesa.
Entra en el mar Oceano,/en las sagradas riberas/de esta ciudad por la parte/del sur; mas antes que pierda/su curso y su claro nombre/hace un cuarto entre dos sierras/donde están de todo el orbe/barcas, naves, caravelas./Hay galeras y saetías,/tantas que desde la tierra/para una gran ciudad/adonde Neptuno reina.
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Diversas embarcações na vista de Lisboa de Domingos Vieira Serrão na Viagem da Catholica Real Magestade del Rey D. Filipe II…” de João Baptista Lavanha
(****) setia (saetía) - Era uma embarcação do tipo galeota com 12 a 20 remos, uma só ponte e três mastros de velas latinas. Estava armada com 2 canhões na proa e na popa e 8 nos lados.
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Uma setia na Lisbona Per Praeclara Portugalliae Metropolis c. 1660 de  Rombout van den Hoeye (1622-1671) BNDhttp://purl.pt/1714
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Desenho de uma setia no blogue Alternavios http://alernavios.blogspot.com/
Na Relaçam em que se trata, e faz hüa breve descrição dos arredores mais chegados à Cidade de Lisboa o autor anónimo refere: “São varias embarcações/de alto bordo, & das rasteiras/urcas, naos, galès, pataxos,/setias. & caravelas…”
No quadro atribuído a Domingos Vieira Serrão e Simão Rodrigues Nossa Senhora do Porto Seguro velando pela Cidade de Lisboa e o seu comércio fluvial de cerca de 1620 na Igreja de S. Luís dos Franceses Lisboa, em primeiro plano, também diversos tipos de embarcações da época.b690
Domingos Vieira Serrão e Simão Rodrigues Nossa Senhora do Porto Seguro velando pela Cidade de Lisboa e o seu comércio fluvial c. 1620 Igreja de S. Luís dos Franceses Lisboa
Continuando com Tirso de Molina:
“Do lado poente/guardam o porto duas fortalezas/de Cascais e San Gião/ as mais fortes da terra.”
A la parte del poniente,/guardan del puerto dos fuerzas,/de Cascaes y Sangián,/las más fuertes de la tierra.
Tirso de Molina refere-se às fortalezas de Cascais e de S. Julião da Barra (São Gião), o sistema defensivo e de controle da barra do Tejo.
Fortaleza de Nossa Senhora da Luz de Cascais, veio englobar a Torre de Santo António, mandada construir por D. João II em 1488. Filipe II de Espanha, na política de proteção da costa e em particular das barras, dos ataques ingleses e de piratas, mandou edificar em 1594, esta nova fortificação para reforçar a baía de Cascais.
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Georg Braun (1541-1622) detalhe de Olisipo, sive ut pervetustae lapidum indcriptiones habent, Ulysippo, vulgo Lisbona florentissimum Portugalliae emporiv.; ; Cascale et Batheleem opp[idula] ca 1572 gravura,34,50 x 48,20 cm, em folha de 38,50 x 51,70 cm BN Portugal
fortaleza de S. Julião da Barra, conhecida como Escudo do Reino, foi iniciada 1553, e constituía com a torre do Bugio e a fortaleza de Cascais o sistema defensivo da barra do Tejo.
Damião de Góis na Descrição da Cidade de Lisboa escreve  “Costeando dali para o interior, na direcção do norte, depara-se com a fortaleza de Cascais, onde os navios de carga, ancorados em porto amplo e abrigado, esperam a maré e a monção.
A pequena distância, continuando a subir o rio, forma-se uma baía em forma de cotovelo, em cuja extremidade está a Ermida de São JuliãoE mais a montante uma outra dedicada a Santa Catarina.”
Na Relaçam, em que se trata, e faz hüa breve descrição dos arredores mais chegados à Cidade de Lisboao autor anónimo escreve:
Na barra logo entrando,/tem muy grande fortaleza,/de São Gião, cujo sitio/he sò bastante defensa.//De torres, & baluartes/muy forte sobre maneira/com bombardas, bazaliscos,/canhões, colocrinas, esferas…
Defronte dentro no mar/ lhe fica cabeça seca/hum baluarte muy forte/sobre alicerces de arca,//Rodeado de estacada/vigas de grossa madeira,/por onde o mar se entulhou/de emmensidade de pedras.
Já Frei Nicolau de Oliveira no seu Livro das Grandezas de Lisboa escrevia:
“(…) a grande, & muy forte fortaleza, acõpanhada & cercada de fortíssimos baluartes, com muy grossas peças de artelharia, chamada São Julião, situada em terra firme no fim do Tejo, onde perdendo elle o nome, começa o mar Oceano, tres legoas abaixo da cidade, ou da porta do mar, onde se embarcão!”
E Manoel Severim de Faria, mostrando as vantagens de Lisboa:
“ Não he menor a fortaleza desta cidade, & a segurança com que nella pode estar dos assaltos dos inimigos, porq por mar ficã tres ou quatro legoas metida pelo rio dentro, o qual esta guardado com sete castellos fortíssimos (cousa q pode ser se não achará em outra cidade do müdo) que são o deCascaes, S. Antonio, Cabeça Seca, São Gião, Belem, a Torre velha, & o Castello da cidade…”

Em 1622, no ano seguinte a subir ao trono, Felipe IV de Espanha (III de Portugal), preocupado com a defesa da costa Ibérica,  encarregou um conjunto de cartógrafos de elaborar um atlas completo da costa de Espanha, desde os Pirenéus até à Catalunha, incluindo toda a costa portuguesa. 
Em 1634 Pedro Teixeira Albernaz, produz um Atlas manuscrito “La descripción de España y de las costas y puertos de sus reinos”, depositado numa biblioteca em Viena. Este atlas apresenta, para além da cartografia de Espanha, um mapa do conjunto de Portugal Continental e vinte outros da costa portuguesa, em falsa perspectiva e acompanhados de uma descrição textual. Este sistema defensivo ao longo da costa portuguesa (e nas colónias…) com a construção, reparação e 
remodelação das fortalezas irá servir a partir da Restauração de defesa do reino, inclusive dos ataques espanhóis!

(El Atlas del Rey Planeta. «La descripción de España y de las costas y puertos de sus reinos», de Pedro Texeira (1634).Editorial Nerea, Felipe Pereda y Fernando Marías editores, Madrid, 2002. Reproduzido em http://arkeotavira.com/)
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Detalhe do mapa de Portugal do Atlas del Rey Planetab703
Detalhe da barra de Lisboa do Atlas del Rey Planeta
São Gião ou S. Julião da Barra
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Leonardo de Ferrari (?-?) San Gian 1655 desenho 51 x 36 in Atlas del Marqués de Heliche Plantas de diferentes Plazas de España, Italia, Flandes y las Indias. Madrid 1655 Arquivo Militar de Estocolmo
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João Tomás Correia, ca 1667-? Planta da Praça de Saõ Giaõ da barra de Lisboa Folha 5 do Livro de varias plantas deste Reino e de Castela BNP
Numa gravura do século XVIII
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St. Iulien ou St. Gião Est une Forteresse considerable située a l’Embouchure de la Rivière du Tage a 3 Lieues au dessous et du même cóté que la Fameuse Ville de Lisbonne . 17?? gravura 12,40 x 17,50 cm http://purl.pt/BND Portugal
E numa imagem do século XIX
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SERRANO, F. A., fl. 1857-1869 Torre de S. Julião da Barra c. 1860 Lx.ª : Lith. de Lopes. BN Portugal
Seguindo com Tirso de Molina, Belém e o mosteiro dos Jerónimos.
“ Está de esta grande cidade,/pouco mais de meia légua,/Belém, convento do santo/conhecido pela pedra/e por o leão de guarda,/onde os reis e rainhas,/católicos e cristãos,/têm suas casas perpétuas.”
Está de esta gran ciudad,/poco más de media legua,/Belén, convento del santo/conocido por la piedra/y por el león de guarda,/donde los reyes y reinas,/católicos y cristianos,/tienen sus casas perpetuas.
São Jerónimo com a pedra e o leão.
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Mestre da Lourinhã    São Jerónimo 1510-1525 óleo sobre madeira 130 x 120 cm. Museu Nacional de Arte Antiga
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Georg Braun (1541-1622) detalhe de Olisipo, sive ut pervetustae lapidum indcriptiones habent, Ulysippo, vulgo Lisbona florentissimum Portugalliae emporiv.; ; Cascale et Batheleem opp[idula] ca 1572]. - 2 vistas, numa folha : gravura, p&b ; 34,50 x 48,20 cm, em folha de 38,50 x 51,70 cm BN Portugal
Damião de Góis, refere em 1554, na sua descrição da Cidade de Lisboa: “E aí se nos depara um templo grandioso consagrado à Santís­sima Virgem, juntamente com um cenóbio de monges que profes­sam a regra de São Jerónimo. É construção de incrível sumptuosidade e magnificência, que o próprio glorioso Rei D. Manuel, ainda em vida, destinou e mandou erguer para seu mausoléu; todavia foi D. João III, agora felizmente reinante, filho de D. Manuel, quem ordenou a ampliação do monumento, que ainda anda em obras.”
Frei Nicolau de Oliveira no Livro das Grandezas de Lisboa, refere-se assim aos Jerónimos:
“(…) se chega ao grande, & sumptuoso mosteiro de Belë, que pella formozura de seu edificio, & vizinhãça do mar, & terra firme, que lhe fica defronte, faz o sitio, & caminho muy deleitoso, sendo hum seco areal, que poderá ter cem passos do mar té o mesmo mosteiro.”
E João Baptista Lavanha, quando Felipe III de Espanha visita Belém em 1619:
“…He hü dos grandes,& magníficos edifícios de Europa, fundado por el Rei D. Manoel de gloriosa memoria, para sua sepultura, & da Rainha D. Maria sua segunda mulher, no surgiouro de Rastelo hüa legoa dos muros de Lisboa toda povoa da de nobres Tëplos, & casas, onde o Infãte D. Enriq filho del Rei D. Ioão I que deu principio aos descobrimentos de novo Mares & Terras, levantou hüa casa de oração dedicada a Virgë & Mai de Deos da invocação de Bellem, na qual os Freires da ordem de Christo de q o Infãte era Governador & Administrador, para que os Sacerdotes que alli residissem administrassem os Sacramentos da Igreja aos navegantes que partão da quele lugar aos novos descobrimentos.”
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Filipe Lobo (activo entre 1650 e 1673)Vista Panorâmica do Mosteiro e Praia de Belém,1657 óleo sobre tela séc. XVII 112,5 x 184,5 cm. Museu Nacional de Arte Antiga Lisboa
No primeiro plano o Chafariz da Bolab652a
O Mosteiro nem 1662
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Dirk Stoop (1610 - c.1686) O Convento de Sto. Hieronimo 1662 gravura 14,5 x 22,9 cm. The British Museum
O mosteiro no século XIX
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BATTY, Robert, 1789-1848  S. t Geronymo, Belem / painted by Lieut. Coll. Batty ; engraved by H. le Keux. - London : by Moon Boys & Graves, 1830. - 1 gravura : água-forte, p&b + fol. com legenda numerada BND Portugal
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A mesma gravura numa versão colorida
O autor anónimo da Relaçam, em que se trata, e faz hüa breve descrição dos arredores mais chegados à Cidade de Lisboarefere o Mosteiro dos Jerónimos:
“Logo junto della está/hüa obra real imensa/hüa machina do mundo/de muy notável grandeza.//O mosteiro de Belem/de tão fermosa presença/que pode ser maravilha/anteposta a de Caldea//Neste mosteiro Real/de notáveis excelências/polla rara architectura/de seu cruzeiro, & capellas/Estão fermosos sepulchros/de obra mais que Mausolea/de alguns Reys de Portugal/em vários jasoes, & pedras.”
E Monsieur de Monconys já em 1645, na versão Voyage au Portugal
“…l’apresdiné je me fus promener au Monastere Royal de Belen, des Frères de Saint Ierôme. L’ Eglise, le dortoir, & le cloître, sont de pierres de taille ouvragées. LÉglise est presque aussi large dans la Nef, que dans la croisée; qui est cause que la voûte de la croisée paroit une piece fort hardie, ayant 42 pas de long; sçavoir plus que l’Eglise n’est large, & 28 pas de largeur, dépuis la separation de la Nef (par une grande balustrade de bois garnie de bronze) iusques à la Chapelle du grand Autel, autrement le fond de l’Eglise.”
“…depois do jantar fui visitar o Real Mosteiro de Belém, dos frades de São Jerónimo. A Igreja, o dormitório, e o claustro, são em pedra trabalhada. A igreja é quase tão larga na Nave como no cruzeiro;o que faz com que a abóbada do cruzeiro pareça muito ousada, tendo 42 passos de comprimento; saber ainda que a Igreja não é larga, 28 passos de largura, desde a separação da Nave (por uma grande balaustrada de madeira guarnecida de bronze) até à Capela do Altar mor, ou seja até ao fundo da Igreja.”
A Torre de Belém (*****)
(*****) Ver de Rafael Moreira A Torre de Belém no O Livro de Lisboa.
A Torre não é referida na maior parte dos textos da época. Damião de Góis, na sua Descrição da cidade de Lisboa, faz contudo uma referência detalhada:
“Em frente deste templo ergue-se uma Torre de quatro pisos, construída em pedra de cantaria. Foi também o já mencionado Rei D. Manuel que empreendeu a sua edificação sobre rochas lançadas no mar, de forma que, ficando cercada de água por todos os lados, se tornasse bem segura contra qualquer inesperada vio­lência ou ataque dos inimigos; e, devido à estreiteza da passagem, tornasse impossível a quaisquer navios conseguirem aproximar-se da cidade, sem o consentimento dos que estavam de guarda à torre.
E o autor anónimo da Relaçam, em que se trata, e faz hüa breve descrição dos arredores mais chegados à Cidade de Lisboarefere a Torre de Belém: “Não muito longe Belem,/onde hãa torre soberba/com tiros, & baluartes,/faz mostra espãtosa, & horrëda.//Metida dentro no Mar/de quadrada bombardeiras/num fortíssimo cubello/com varias fortes de peças.”
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Planta e perspectiva da Torre de Belém c. 1607, 1617 Torre do Tombo
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John Thomas Serres(1759–1825) Torre de Belém em dia de tempestade 1811 óleo s/ tela 137 x 167 cm. Museu da Cidade Lisboa
O quadro de Serres mostra a funcionalidade da Torre de Belém semelhante a  um assustador navio, mas de facto uma fortaleza para a defesa do acesso ao porto de Lisboa.
________________________________
Voltemos a Tirso de Molina
Logo esta máquina insigne,/ desde Alcântara começa/ uma grande língua que se estende/até aoconvento de Lobregas.(Xabregas)
Luego esta máquina insigne,/desde Alcántara comienza/una gran legua a tenderse/al convento de Lobregas.


O anónimo da Relaçam, em que se trata, e faz hüa breve descrição dos arredores mais chegados à Cidade de Lisboa… de 1626, refere também Alcântara, como o limite poente da cidade de Lisboa:
“Segese a ponte de Alcantara,/sobre hüa fresca Ribeira,/cujas cristalinas aguas/por entre montes, & serras.//Vë correndo brandamente/como escutando de veras/ as cantigas que ali cantão/as rusticas lavandeiras.”
O Vale de Alcântara na Grande Vista de Lisboa, notando-se à esquerda a Ponte, ao centro o Forte de Alcântara e o Palácio dos Condes de Asseca. No plano do fundo os conventos de Nossa Senhora do Livramento, o Hospital das Necessidades e o Convento de São Francisco de Paula.
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Detalhe de Grande Vista de Lisboa 1700-1725 azulejo azul e branco 1,15 x 22,47 m Museu Nacional do Azulejo
E o anónimo refere o convento da Madre de Deus de Xabregas no limite ocidental da cidade de Lisboa.
“Este he da Madre de Deos, /de tal concurso, & frequencia/de gente que mui bem mostra/ter santidade suprema.//De grande recolhimento,/& tal, que muy bem pudera/ser se santo envejado,/se nos santos cabe enveja.”
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Gregório Lopes (activo desde 1513, morreu em 1550) Mestre do Retábulo de Santa Auta Chegada das relíquias de Santa Auta à Madre de Deus, reverso pormenor da rainha D.Leonor c. 1522, Óleo sobre madeira de carvalho 69 x 74,5 cm Museu Nacional de Arte Antiga
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Dirk Stoop (1610 - c.1686) Vista de Convento da Madre de Deus 1662 gravura 18,3 x 25,4 cm. The British Museum
O Mosteiro da Madre de Deus e o Mosteiro de Santa Maria de Jesus de Xabregas na Grande Vista de Lisboa
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Detalhes de Grande Vista de Lisboa 1700-1725 azulejo azul e branco 1,15 x 22,47 m Museu Nacional do Azulejo
E continua a personagem de Tirso de Molina descrevendo Lisboa:
No meio está o vale formoso/coroado de três encostas,/que não poderia Apeles/quando as quisesse pintar,/porque olhadas de longe/parecem cachos de pérolas,/que pendem do céu,/ em cuja imensa grandeza/se vêm dez Romas no número/de conventos e igrejas,/em edifícios e ruas,/ em solares e encomendas,/ em letras e armas/na justiça tão recta/ e numa Misericórdia,/que está honrando a sua Ribeira/ e poderia honrar a Espanha/ e ainda ensinar a tê-la.
En medio está el valle hermoso/coronado de tres cuestas,/que quedara corto Apeles/cuando pintarlas quisiera,/porque miradas de lejos /parecen piñas de perlas, /que están pendientes del cielo, /en cuya grandeza inmensa /se ven diez Romas cifradas /en conventos y en iglesias, /en edificios y calles, /en solares y encomiendas, /en las letras y en las armas, /en la justicia tan recta, /y en una Misericordia, /que está honrando su ribera, /y pudiera honrar a España, /y aun enseñar a tenerla.
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Portal manuelino da igreja da Conceição que restou do Terramoto AFML
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A Igreja da Misericórdia detalhe de Lissabon in Civitates Orbis Terrarum
Na Descrição da Cidade de Lisboa, Damião de Góis nos sete edifícios notáveis de Lisboa inclui a Igreja da Misericórdia: “De entre estes, o primeiro, para começarmos pela religião, é a Igreja da Misericórdia,toda ela elegantemente construída com cantaria aparelhada. Mantém-se, não por avultada renda de pré­dios, nem por inesgotáveis rendimentos anuais, como sucede com a maior parte das instituições reais dos nossos dias: mas apenas pela generosidade de homens nobres e pessoas piedosas; mas de tal maneira que mal se pode crer quão grande é a quantidade de dinheiro gasto cada ano com os pobres, recolhido assim por con­tribuição espontânea.”
Já no Livro das Grandezas, de 1620, Frei Nicolau de Oliveira faz uma detalhada descrição do interior da igreja:
Da Casa da Misericordia, & sua Irmandade
“Da parte da terra do quadro deste sumptuoso edificio està a muy nobre, & sumptuosa Igreja da Misericordia, a qual el Rey Dom Manuel mandou edificar toda de pedra de cantaria com hüa altissima abobeda da mesma pedra, fundada sobre vinte columnas postas em sus divida correspondencia mas muy apartadas hüa das outras, das quais ficão seis inteiras no meo da Igreja, que fazem divisão de tre naves, que nella ha, & as quatorze são meas columnas por estarem meas embebidas nas paredes, sobre as quais se fecha a abobeda. A cujo lado esta hum hospital de maravilhosa obra, & culto, por ser todo de finissima pedra , & polido lavor, neste hospital se curão molheres nobres de doença incuraveis, & são em numero de trinta & duas, em dous lanços da enfermaria, porque fica hüa sobre a outra por não sofrer mais a estreiteza do sitio.”
O autor anónimo da Relaçam, em que se trata, e faz hüa breve descrição dos arredores mais chegados à Cidade de Lisboa
“Casa da Misericordia,/cujo gasto,& cujas rendas;/a tanto milhão de pobres/da mui ordenada despesa.//Onde se diz tanta Missa,/que desde antes q amanheça,/até meio dia dado;/as ouve quem quer que chega.”b714a
Detalhe de Grande Vista de Lisboa 1700-1725 azulejo azul e branco 1,15 x 22,47 m Museu Nacional do Azulejo
A Igreja da Conceição foi praticamente arrasada no Terramoto de 1755, restando apenas o portal voltado para o Tejo. Em 1976 o arquitecto Jorge Segurado (1898-1980), o conhecido autor da Casa da Moeda (1933) apresentou na Academia Nacional de Belas-Artes, uma comunicação intitulada Da Igreja Manuelina da Misericórdia de Lisboa “Conceição-Velha”, em que relata a história da igreja e apresenta uma planta da possível igreja antes do Terramoto. (Comparar com a descrição de Frei Nicolau de Oliveira)
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Jorge Segurado Esquiço Hipótese da Traça da Igreja Manuelina de Nossa Senhora da Conceição ou da Misericórdia em Lisboa 1976
Continuando com a descrição de Tirso de Molina
E o que eu mais louvo/desta maquina soberba,/é que do próprio castelo,/na distância de seis léguas,/ se vêm sessenta lugares/ onde o mar chega às suas portas,/um dos quais é /o Convento de Odivelas,/no qual vi com os meus olhos/seiscentas e trinta celas,/e entre freiras e beatas/ são mais de mil e duzentas.
Y en lo que yo más alabo/de esta máquina soberbia, /es que del mismo castillo, /en distancia de seis leguas, /se ven sesenta lugares /que llega el mar a sus puertas, /uno de los cuales es /el Convento de Odivelas, /en el cual vi por mis ojos /seiscientas y treinta celdas, /y entre monjas y beatas, /pasan de mil y doscientas.
O Castelo na vista de Domingos Serrão do livro de Lavanha e na pintura da igreja de S. Luís dos Franceses, e no desenho de Pier Maria Baldi na Viaje de Cosme de Médicis por España y Portugal (1668-1669) Baldi.
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Pier Maria Baldi detalhe da Vista de Lisboa na Viaje de Cosme de Médicis por España y Portugal (1668-1669) ver no final (2)
O Convento de Odivelas
Também referido pelo autor da Relaçam…
“São Domingos de Benfica,/que a mesma distancia chega,/da sorte que pellos Anjos/o Mosteiro de Odivellas.”
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Tirso de Molina aponta então a estrutura da periferia de Lisboa, que como noutras cidades, está rodeada de quintaspropriedades da aristocracia cortesã ou da igreja, (algumas acumulando ambas as condições), normalmente com casas e jardins.
Tem desde ali Lisboa,/a uma pequena distância,/mil cento e trinta quintas,/que na nossa província Bética/ chamam cortijos, e todas/com as suas hortas e alamedas.
Tiene desde allí a Lisboa, /en distancia muy pequeña, /mil y ciento y treinta quintas, /que en nuestra provincia Bética /llaman cortijos, y todas /con sus huertos y alamedas.
As quintas são também referidas pelo autor da Relaçam…
“As quintas que tem por fora/Villas, lugares, & aldeas/por ser numero infinito/he bem que cale, & suspenda.”
E antes no século XVI, Damião de Góis também já notava que o “…território da cidade, para qualquer direcção que se deite a vista, está polvilhado por toda a parte de casas de recreio subur­banas e de quintas rústicas, com edifícios magníficos, devido à fecundidade dos campos e à grande densidade de habitantes. E até há muitas pessoas que já desejam morar no campo, de preferência a habitar na cidade, porque além de tudo correr prosperamente vive-se desde longa data em duradoira paz com os vizinhos.”
Como exemplo a Quinta dos Condes de Aveiro (hoje Palácio de Belém) à esquerda e a Quinta das Águias da condessa de Junqueira.
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Detalhe de Grande Vista de Lisboa 1700-1725 azulejo azul e branco 1,15 x 22,47 m Museu Nacional do Azulejo


Continuando a sua descrição de Lisboa a personagem do dramaturgo espanhol, refere então o Rossio.
No meio da cidade/há uma praça soberba,/que se chama do Rossio,/grande, formosa e bem arranjada,/que há cem anos ou ou ainda mais/ o mar banhava a sua areia,/e agora dela até ao mar,/há trinta mil casas feitas,/que perdendo o mar o seu curso,/ se desviou para outros lados.
En medio de la ciudad /hay una plaza soberbia, /que se llama del Ruzío, /grande, hermosa, y bien dispuesta, /que habrá cien años y aun más /que el mar bañaba su arena, /y agora de ella a la mar, /hay treinta mil casas hechas,/que, perdiendo el mar su curso, /se tendió a partes diversas.
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O Rossio nas vistas de Lisboa de  Braun e Hogenberg no Civitates Orbis Terrarum de 1572 e 1598
O Hospital de Todos-os-Santos
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O Hospital de Todos-os-Santos na Panorâmica de Lisboa desenhos s/ papel Séc. XVI Biblioteca de Leyde
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Painel de azulejos do início do século XVIII Museu da Cidade de Lisboa
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Vista do Rossio, antes do Terramoto de 1755 e do hospital de Todos-os-Santos, em dia de mercado. Desenho à pena, aguarelado a nanquim. Ass. Zuzarte,1787. Na margem inferior as armas do Santo Ofício de Lisboa. Fotografia, Estúdio Horácio Novais Museu da Cidade. in http://comjeitoearte.blogspot.com/
Jaime Martins Barata (1899 –1970) reconstituição de o Hospital de Todos-os-Santos Museu da Cidade de Lisboa
Damião de Góis escreve:

“Em segundo lugar, segue-se um outro exemplo de misericórdia e humanidade, ou seja, um sanatório público de pobres e doentes, chamado Hospital de Todos-os-Santos. Em nada fica atrás do edifício anteriormente referido, nem quanto à magnificência das instalações, nem quanto à soma das despesas, nem sequer quanto à forma carinhosa com que tratam os pobres acabrunhados por doenças corporais diversas, ou com 

que tomam conta das crianças expostas, que procuram alimentar e educar.
Está o edifício dividido em quatro claustros com jardins muito aprazíveis; tem trinta e quatro arcadas para as quais, em toda a volta, dão habitações magníficas ocupadas com refeitórios e dormitórios, providos convenientemente de camas e roupas limpíssimas. …

Junto ao hospital estão umas casas, ou dependências, para 

diversas categorias de empregados: tesoureiros, procuradores, médi­cos, farmacêuticos, e outros funcionários; assim, em qualquer emergência ou necessidade, estão sempre disponíveis e poderão 
prestar serviço aos doentes, de dia ou de noite, com diligência e 
rapidez.

Em frente do portal de entrada deste hospital estende-se uma vasta esplanada, ou campo [Rossio], rodeada por uma série qua­drada de belos edifícios, donde partem os vales de Santo Antão e da Mouraria, a que já fizemos referência: esses vales tomam a figura da letra "delta" e espraiam-se em direcção ao mar, desdo­brando-se em diversos terreiros com o aspecto de uma pele de boi sem cauda.
Ao lado direito do hospital, do norte para o poente, está situada a Igreja de São Domingos, e um colégio de grande fama.”
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A Igreja de S. Domingos, detalhe de Vista do Rossio, antes do Terramoto de 1755 e do hospital de Todos-os-Santos, em dia de mercado de  Zuzarte, 1787.
Vejamos a descrição do Rossio feita por Frei Nicolau de Oliveira no Livro das Grandezas de Lisboa,destacando dois elementos essenciais da praça seiscentista: a feira e o chafariz.
“Da parte do Norte se entra nesta Cidade por dous valles, que como acima fica ditto estão povoados de hüa parte de muy nobres cazas, & da outra de muy grandes, & frescas hortas & por estes dous valles se vem a dar em hü muy grande recio, chamado assi per excellencia se sua grandeza & formusura em o qual se faz cada semana às terças feiras hüa muy grande feira, & abundante de todas as couzas pertencentes ao uzo da vida humana, & tendo no principio hum famosissimo chafariz, …”
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A Fonte Velha do Rossio, detalhe de Vista do Rossio, antes do Terramoto de 1755 e do hospital de Todos-os-Santos, em dia de mercado de Francisco Zuzarte, 1787.
D. Francisco Manuel de Melo, em 1657 já no período da Restauração escreve um dos seus Apólogos Dialogais intitulado Visita das Fontes em que esta Fonte Velha (do Rossio) visita a Fonte Nova (do Terreiro do Paço), e dialoga com ela, com o Apolo que a encima e ainda com a Sentinela, que em todas as principais fontes evitavam brigas. Deste Diálogo é a conhecida passagem sobre Lisboa e o Rossio:
(…) Fonte Nova – E como sabia ele isso, se o mundo é tão grande?
Fonte Velha – Dizia assi: “A melhor parte do mundo é Europa; a melhor parte de Europa, Espanha; a melhor parte de Espanha, Portugal; a melhor parte de Portugal, Lisboa; a melhor parte de Lisboa, o Rossio; a melhor parte do Rossio, as casas de meu pai, que estão no meio e vêem os touros da banda da sombra.”
Apolo – Ou pouco viu ou amava muito, esse português. (…)
in Visita das Fontes, Apologo Dialogal Terceyro que ao Doutor Chritovam Soares de Abreu Escreve, & Offerece D. Francisco Manoel de Mello Fazem Interlocuçam: A Fonte velha do Roxio; a Fonte nova do Terreyro do Paço; a Estatua de Apollo que esta nella, &a Centinella, que guarda a Fonte. He Scena o Terreyro do Paço de Lisboa. QUARE? Anno de 1657
O Palácio dos Estaus
Damião de Góis refere na descrição da Cidade de Lisboa o Paço dos Estaus, e a sua origem.
“Na frontaria oposta, atravessando o Rossio para o ocidente, surge o terceiro monumento: [o Paço dos Estaus] edifício deveras grandioso, digno de ser visto pela sua admirável arquitectura, que o Infante D. Pedro, filho do Rei D. João I, mandou construir à custa da nação, enquanto foi Regente do Reino em nome de D. Afonso V, seu sobrinho por parte do pai. A sua intenção, ao mandar edificá-lo ali, era apenas para oferecer hospedagem aos embaixadores das nações e dos reis estrangeiros, que ali eram recebidos com todas as honras e grandezas, por conta da fazenda pública.”
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Postal fotográfico de Bárcia com o pormenor da perspectiva de Braun in O Rossio Guias de Lisboa dir. Marina Tavares Dias, Ibis Editores, Lda. 1990
Frei Nicolau de Oliveira no Livro das Grandezas de Lisboa do mesmo modo refere a parte norte do Rossio, salientando o Palácio dos Estaus, onde está alojada a Inquisição, e contando a sua história.
“…está cercado da parte do Norte com duas muy grãdes, & nobres moradas de cazas, & cõ as do Sancto Officio, edificios muy sumptuosos, & vistosos, porque deixando as cazas, que são de dous fidalgos, que pera sua morada as mandarão fazer, a obra das cazas do Sancto Officio foy feita de principio pello Iffante Dom Pedro irmão d’el Rey Dõ Duarte sendo Regedor, e governador do Reino por el Rey Dom Afonço seu sobrinho, que ficou de idade de seis annos, quãdo falleceo seu Pay el Rey Dom Duarte, & se deputou despois pera gazalhado dos Embaixadores, & ao fim o deu el Rey Dõ Ioão o terceiro pera gazalhado dos officiais do sancto Officio, & tendo Dõ Pedro de Castilho Inquisidor mor o acrescentou, & fez como agora está.”
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Postal ilustrado de Bárcia com o Palácio de Estaus desenhado por Júlio de Castilho in O Rossio Guias de Lisboa dir. Marina Tavares Dias, Ibis Editores, Lda. 1990
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Livro das Plantas da Inquisição, 1634  Torre do Tombo
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Juan Alvarez de Colmenar (possível pseudónimo de Pieter van der Aa 1659-1733), Procession de l’ Auto da Fé in Les Délices de l’Espagne & du Portugal 1707
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Juan Alvarez de Colmenar (possível pseudónimo de Pieter van der Aa 1659-1733), Procissão de um Auto de Fé saindo do paço dos Estaus, c.1715
E continua a sua descrição do Rossio:
Da parte do Occidente, & do Meodia está todo cercado de cazas muy grandes, & tëdo de comprido mais de quinhentos passos, & de largo mais de duzentos, está cercado da parte do Nacente com hum lanço de dormitorio do mosteiro de São Domingos, q na entrada deste recio está, & tomarà hum terço de seu comprimento, & assi este dormitorio, como o muy famoso edificio do hospital de todos os Sãctos está fundado à face do recio sobre trinta & sinco arcos de fortissima pedraria, entre os quais, & a parede interior corre hum largo corredor, que terá largo trinta pees, & serve não só de passagë pera defensão do sol, & chuva, mas pera serventia do hospital de nossa Senhora do Emparo, & de officiais do hospital de todos os Sanctos, como são fizicos, & çurgião, & juntamente se vendem aquy em as terças feiras toda a sorte de pano de linho, canequim, cassa, & olanda, & outros pannos, linhas, rendas, tranças, frajas, & outras couzas semelhantes, alem de muita couza de calçado, linho, & estopa pera fiar.”
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Detalhe de Vista do Rossio, antes do Terramoto de 1755 e do hospital de Todos-os-Santos, em dia de mercado de Francisco Zuzarte, 1787
Segue-se a descrição pormenorizada do Hospital de Todos os Santos, por Nicolau de Oliveira, nos aspectos de funcionamento, pessoal, e gestão (despesas e receitas).
A Rua Nova
Deixando o Rossio, Tirso de Molina refere então o principal arruamento comercial de Lisboa a Rua Nova.
Tem uma rua que chamam/Rua Nova, o calle nueva,/onde os ganhos do oriente/em grandezas e riquezas,/tantas que o rei me contou/que há aí um mercador,/que por não as poder contara todas,/mede o dinheiro a alqueires.
Tiene una calle que llaman /Rua Nova, o calle nueva, /donde se cifra el oriente /en grandezas y riquezas,/tanto que el rey me contó /que hay un mercader en ella, /que por no poder contarlo, /mide el dinero a fanegas.
São duas as ruas com o nome de Nova: a  rua Nova d’El Rei, ligando o Rossio à cidade ribeirinha, e que se passou a chamar rua dos Ourives e a rua Nova dos Ferros ou dos Mercadores, mais antiga e paralela ao rio.
Damião de Gois, em 1554 já as refere na sua Urbis Olisiponensis Descriptio:  “
Passamos pela Rua Nova d'El-Rei, repleta de gravadores, joa­lheiros, lapidários, ourives de prata, ourives de ouro, douradores, cambiadores; e, cortando sempre à esquerda, chega-se a uma outra rua, também chamada nova, a Rua Nova dos Mercadores, muito mais ampla que as outras ruas, ornada de ambos os lados com belíssimos edifícios. Aqui se juntam, à compita, todos os dias, comerciantes de quase todas as partes e povos do mundo, com extraordinária concorrência de gente, por causa das facilidades que o comércio e o porto oferecem.

A Rua Nova numa iluminura do tempo de D. Manuel
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Atribuído a António de Holanda (1480-1557), pai de Francisco de Holanda, Ofício de Defuntos no Livro de Horas de D. Manuel Ic. 1517 - c. 1538 Têmpera e ouro sobre pergaminho 14, 2 x 10, 8 Museu Nacional de Arte Antiga Lisboa
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Anónimo flamengo, rua Nova dos Mercadores 1570-1590. Sociedade de Antiquários de Londres.Foto Ruth E. Bubb in Velaturas http://www.velaturas.com/
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Alfredo Roque Gameiro (1864-1935)  Reconstituição da Rua Nova dos Mercadores a partir do Livro de Horas de D. Manuel in A Ilustração:História da Colonização Portuguesa do Brasil 1921
Da Rua Nova, a personagem de Tirso de Molina passa para o Terreiro do Paço:
O terreiro onde tem /Portugal a sua casa real/tem infinitos navios,/varados sempre em terra,/de só cevada e trigo,/de França e Inglaterra.
El terrero, donde tiene /Portugal su casa regia /tiene infinitos navíos, /varados siempre en la tierra, /de sólo cebada y trigo, /de Francia y Ingalaterra.
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Detalhe da planta de J. N. Tinoco 1650
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Pormenor de Vista de Lisboa de  Pier Maria Baldi, 1668/69
O autor da Relaçam… descreve assim o Terreiro do Paço
“Logo o terreiro do Paço/cuja fermosa largueza/bem terá de comprimento/duas mui largas carreira./Na largura em proporção/ tambem parece da mesma,/que de figura quadrada/fica fazendo aparencia.”
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Autor desconhecido segunda metade do século XVII 110 x 149,5 cm Museu da Cidade de Lisboa
Depois, o Palácio Real./e o que desta cidade/te conto como excelente,/é que estando os seu moradores/comendo, às mesas vem os cestos de pescado/que junto às suas portas pescam/e que, mexendo nas redes,/vem a entrar por elas.

Pues, el palacio real, /Y lo que de esta ciudad /te cuento por excelencia, /es, que estando sus vecinos /comiendo, desde las mesas, /ven los copos del pescado /que junto a sus puertas pescan /que, bullendo entre las redes, /vienen a entrarse por ellas.
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Dirk Stoop (1610/18-1681/86) Cour du Palais Royal de Lisbonne água-forte 13,6 x 22, 6 cm. musée du Louvre

Do outro lado do Terreiro do Paço situa-se a Alfândega Nova, iniciada em 1517,  e referida por Damião de Góis:
“Nas costas desse edifício,(o Celeiro Público) e a ele encostado, encontra-se a Alfândega Nova, que se estende até à beirinha do mar. É uma mole imensa de pedra, escorada com grandes estacas muito juntas, espetadas a maço no mar, e construída por ordem e a expensas do mesmo rei. Atendendo à grandiosidade das edificações e à beleza da construção, com razão me julguei obrigado a atribuir-lhe o quinto lugar nesta série.”
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Panorâmica de Lisboa, desenhos s/ papel, século XVI, Biblioteca de Leyde
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E Monconys, na edição de 1645, relata uma visita que fez ao edifício: “No dia 5 fui passear na Alfândega, que é a , de onde o Rei extrai o principal dos seus rendimentos. É um enorme espaço. De um lado da praça do Palácio e vis à vis, há diversos escritórios da jurisdição da dita Alfândega.”

“ Le 5 je fus me promener à l’Alfandega, qui est la Doanne, dont le Roy tire son principal revenu. C’est un tres grand lieu. Dún costé de la place du Palais & vis à vis, il y a plusieurs bureaux des juriditions de la dite Doanne. Le magazins sont tous voûtez.”
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Pormenor de Nossa Senhora de Porto Seguro Roga a seu Precioso Filho por esta Cidade e sua Navegação de Lisboa, c. 1620
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Detalhe de Grande Vista de Lisboa 1700-1725 azulejo azul e branco 1,15 x 22,47 m Museu Nacional do Azulejo
Tirso de Molina refere então o comércio e o abastecimento de Lisboa, salientando a sus dimensão e opulência.
E sobretudo o chegar/em cada tarde à sua ribeira/mais de mil barcos carregados/ de mercadorias diversas,/ e de sustento ordinário,/pão, azeite, vinho e lenha,/uma infinidade de frutas/neve da serra da Estrela,/que pelas ruas aos gritos/trazendo à cabeça, vendem; mas porque me canso?/já que é contar as estrelas,/querer contar uma parte/ da cidade opulenta.
Y sobre todo el llegar /cada tarde a su ribera /más de mil barcos cargados /de mercancías diversas, /y de sustento ordinario, /pan, aceite, vino y leña, /frutas de infinita suerte, /nieve de sierra de Estrella, /que por las calles a gritos, /puesta sobre las cabezas, la venden; mas, qué me canso?, /porque es contar las estrellas, /querer contar una parte /de la ciudad opulenta.
A personagem de Tirso de Molina não esquece a referência à população, à história mítica de Lisboa e ao significado da sua pedra de armas.
Cento e trinta mil habitantes/tem, grande senhor, por conta,/e para não o cansar mais,/ um rei que as tuas mãos beija o Tejo que as suas mãos beija,/é uma edificação de Ulisses,/quanto baste para a sua grandeza,/de quem toma a cidade/nome na língua latina/chamando-se Ulisibona,/cujas armas são a esfera,/por pedestal das chagas,/que, na batalha sangrenta,/ao rei Dom Afonso Henriques/deu a imensa majestade.”
Ciento y treinta mil vecinos /tiene, gran señor, por cuenta, /y por no cansarte más, /un rey que tus manos besa/que el Tajo sus manos besa, /es edificio de Ulises, /que basta para grandeza, /de quien toma la ciudad /nombre en la latina lengua, /llamándose Ulisibona, /cuyas armas son la esfera, /por pedestal de las llagas, /que, en la batalla sangrienta, /al rey don Alfonso Enríquez /dio la majestad inmensa.
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Os brasões do Rei de Portugal e da Cidade de Lisboa na Lissabon do Civitates Orbis Terrarum 1598 de Georg Braun (1542-1622) e Franz Hogenberg (1535-1590).
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As armas de D. Manuel no Foral Manuelino de Lisboa
Tirso de Molina refere então as Tercenas de Lisboa:
Tem nas suas grandes Tercenas/diversas naves, e entre elas/os navios da conquista,/tão grandes, que vistas de terra/julgam os homens/que chegam a tocar as estrelas.”
Tiene en su gran Tarazana (*****)/diversas naves, y entre ellas /las naves de la conquista, /tan grandes que, de la tierra /miradas, juzgan los hombres /que tocan en las estrellas.
(*****) Tarazana :Taracenas ou Tercenas estaleiro naval e armazéns associados bem como o local de varadouro das naves. Em Lisboa a Ribeira das Naus.
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(atribuído) a António de Holanda Vista da Ribeira das Naus, dos Arsenais e da Casa da Índia no Livro de Horas de D. Manuel IEvangelho de São João Século XVI [1517-1551] 14 x 10,8 cm Museu Nacional de Arte Antiga
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Domingos Vieira (1600-1678) A Ribeira das Naus detalhe da estampa inserta na obra de Lavanha, Viagem da Católica Real Magestade del rey Felipe II N.S. ao Reyno de Portugal, Madrid.1622
Alfredo Roque Gameiro(1864-1935) e Jaime Martins Barata (1899-1970) interpretam nas sua reconstituições os versos de Tirso de Molina:
“…diversas naves, e entre elas/as naves da conquista/tão grandes que, vistas de terra,/ julgam os homens / que chegam a tocar as estrelas.”
“…diversas naves, y entre ellas /las naves de la conquista, /tan grandes que, de la tierra /miradas, juzgan los hombres /que tocan en las estrellas.”
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Alfredo Roque Gameiro, Ribeira das Naus desenho de in A Ilustração:História da Colonização Portuguesa do Brasil 1921
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Jaime Martins Barata (1899 –1970) Ribeira das Naus Museu da Cidade de Lisboa
O autor da Relaçam… também refere a Ribeira das Naus e a sua actividade de estaleiro naval.
“Logo a Ribeira das Naos/onde a machina stupenda/das que vão pera Oriente,/chamadas Naos da carreira.//Com notáveis artifícios/pregarias, & madeiras,/carpinteiros, calafates/faz excessivas despezas.”
M. de Monconys na sua visita em 1628 à Ribeira das Naus, também mostra o seu espanto perante a dimensão de um Galeão das Índias.
“Neste porto apenas estava um desses navios que chamam de Naos das Indias: fomos vê-lo. & quando entramos nele ficamos pasmados de admiração: tem seis pisos com uma meia pique (*****) de altura, & o ultimo tem a mesma altura; o seu comprimento é de cento e oitenta passos de comprido, e a largura de quarenta;transportou des Indias para Lisboa quinhentas famílias inteiras, cada uma com toda a mobília, criados, & filhos, durante cinco ou seis meses de viagem; os passageiros não se conheciam uns aos outros, apenas está equipado normalmente com quarenta canhões, mas podia ser equipado com mais pensando que já tinha visto tudo vendo o Galeão de Malta como o mais belo navio que andava no Mar, mas ele não passava de um escaler d’esta nau portuguesa.”
(*****) Pique: antiga medida de comprimento equivalente a 1,188 m. em Paris.
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João Nunes Tinoco (c. 1610 –1689) detalhe da Planta da cidade de Lxa em q se mostrão os muros de vermelho com todas as ruas e praças da cidade dos muros a dentro... BNP
Tirso de Molina não refere
A Ribeira das Naus era limitada a nascente pela Casa da Índia que se situava por baixo do Palácio Real, já referida por Damião de Góis na Descrição da Cidade de Lisboa:
“Por ali se tratarem os negócios da índia, o nosso povo dá-lhe o nome de Casa da índia. Na minha opinião, deveria antes chamar--se-lhe empório copiosíssimo dos aromas, pérolas, rubis, esmeral­das e de outras pedras preciosas que nos são trazidas da índia ano após ano; ou então vastíssimo armazém de oiro e de prata, quer trabalhado quer em barra. Ali estão patentes, para quem os quiser admirar, inúmeros compartimentos, distribuídos com engenhosa arte e ordem, abarrotados com tão grande abundância daquelas preciosidades que palavra de honra! ultrapassaria a facul­dade de acreditar, se não saltassem aos olhos de todos e as não pudéssemos tocar com as próprias mãos.”
O autor da Relaçam… também refere a grande Casa da Índia
Logo junto hum grãde pateo,/todo lageado de pedras/figura quasi quadrada,/mas não da quadra perfeita./A grande casa da Índia/officinas, & despensas/casas adonde se aloja/tanto fardo de canella./Tantas drogas Orientais/tantos quintaes de pimenta,/tanta maça, tanto cravo,/ & tam preciosas pedras.
E Balthasar de Moncounys, em 1628 também a refere
“Junto ao Palácio há uma casa muito grande construída para a Alfândega, onde se descarregam as mercadorias que vêm das Índias: a grande praça em frente é quadrada & rodeada pela galeria do Palácio, & por uma quantidade de belas casas.”
O Palácio dos Corte-Real (Castelo Rodrigo)
E limitando a Ribeira das Naus a poente o Palácio dos Corte-Real, iniciado nos finais do século XVI e mais tarde ocupado por D. Pedro II, até ser destronado o irmão D. Afonso VI.
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O Palácio dos Corte-Real, a Ribeira das Naus e o Torreão Terzi  Detalhe da panorâmica de Lisboa com a partida de S. Francisco Xavier para a Índia Século XVIII [c.1715-65) atribuído a  José Pinhão de Matos  óleo sobre tela. 131 x 431 cm Lisboa, Museu Nacional de Arte Antiga
O autor da Relaçam… escreve
“Junto della logo as casas/ de architectura soberba/de Mouras Corterreays,/de bem Rela aparencia./E a milhares de fragatas/na praya aqui junto dellas,/em que por pouco dinheiro/quem quer no mar se recreya.”
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Monconys, em 1628 escreve no seu diário:
A residência do Marquês de Castel Rodrigo situada à beira-mar, é das mais magníficas, e possui quatro corpos, com belas Torres com galerias on de se pode passear & que se voltam para o Mar.
“Celle du Marquis de Castel Rodrigo au bord de la Mer, est des plus magnifiques, il y a quatre beaux corps de logis, ornez de belles Tours avec de galeries où l’on se promene $ qui regardent sur la Mer.
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"O Palacio do Infante Dom Pedro. Em o Corpus Sancto Em Lixboa" 1662 gravura 14,3 x 22,8 cm.  The British Museum
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Palácio dos Corte Real que foi residência de D. Pedro II Vue de la Maison du Duc Aveiro de Lisbonne [Visual gráfico. - Á Londres : chés Wichnyther ;. - Á Paris : chez J. Chercau, 1766. - 1 gravura : água-forte, aguarelada BND
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A view of the palace of the King of Portugal at Lisbone [Visual gráfico = vüe de palais Roi de Portugal à Lisbon. - AParis : chez Maillet, [ca. 1750]. - 1 gravura : água-forte, aguarelada invertida
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Detalhe de Grande Vista de Lisboa 1700-1725 azulejo azul e branco 1,15 x 22,47 m Museu Nacional do Azulejo
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Detalhe de Grande Vista de Lisboa 1700-1725 azulejo azul e branco 1,15 x 22,47 m Museu Nacional do Azulejo
E o texto de Tirso de Molina termina:
Cento e trinta mil habitantes/tem grande senhor ao todo/e para não te cansar mais/um rei que as tuas mãos beija.
Rei: Mais estimo Dom Gonzalo/ ouvir na vossa língua/essa relação sucinta/do que ter visto a sua grandeza.

Ciento y treinta mil vecinos/tiene, gran señor, por cuenta,/y por no cansarte más,/un rey que tus manos besa. 

REY: Más estimo, don Gonzalo,/escuchar de vuestra lengua 
esa relación sucinta,/que haber visto su grandeza.

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1 Gérard Jean-Baptiste (1671-1716), Ville de Lisbonne et Flote des Indes, na Histoire des découvertes et conquestes des Portugais dans le Nouveau Monde de Joseph-François Lafiteau,(1681-1746). Paris 1734 BnF
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2 A Vista de Lisboa de Pier Maria Baldi do Álbum com as vistas de Espanha e Portugal na Biblioteca Nacional Digital
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MAGALOTTI, Lorenzo, 1637-1712 Viaje de Cosme de Médicis por España y Portugal (1668-1669) / edicion y notas por Angel Sánchez Rivero y Angela Mariutti de Sánchez Rivero. - Madrid : Sucesores de Rivadeneyra, [1933]. - XXVI, 347 p. + 1 pasta (3 f., 71 estampas) ; 25 cm, 51x67 cm

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3 O excerto da peça de Tirso de Molina sobre Lisboa
Escena XI
Salen DON GONZALO DE ULLOA y el Rey DON ALONSO de Castilla

REY: Es buena tierra Lisboa? 

GONZALO: La mayor ciudad de España. 
Y si mandas que diga lo que he visto 
de lo exterior y célebre, en un punto 
en tu presencia te podré un retrato. 
REY: Gustaré de oírlo. Dadme silla. 
GONZALO: Es Lisboa una octava maravilla. 
De las entrañas de España, 
que son las tierras de Cuenca, 
nace el caudaloso Tajo, 
que media España atraviesa. 
Entra en el mar Oceano, 
en las sagradas riberas 
de esta ciudad por la parte 
del sur; mas antes que pierda 
su curso y su claro nombre 
hace un cuarto entre dos sierras 
donde están de todo el orbe 
barcas, naves, caravelas. 
Hay galeras y saetías, 
tantas que desde la tierra 
para una gran ciudad 
adonde Neptuno reina. 
A la parte del poniente, 
guardan del puerto dos fuerzas, 
de Cascaes y Sangián, 
las más fuertes de la tierra. 
Está de esta gran ciudad, 
poco más de media legua, 
Belén, convento del santo 
conocido por la piedra 
y por el león de guarda, 
donde los reyes y reinas, 
católicos y cristianos, 
tienen sus casas perpetuas. 
Luego esta máquina insigne, 
desde Alcántara comienza 
una gran legua a tenderse 
al convento de Lobregas. 
En medio está el valle hermoso 
coronado de tres cuestas, 
que quedara corto Apeles 
cuando pintarlas quisiera, 
porque miradas de lejos 
parecen piñas de perlas, 
que están pendientes del cielo, 
en cuya grandeza inmensa 
se ven diez Romas cifradas 
en conventos y en iglesias, 
en edificios y calles, 
en solares y encomiendas, 
en las letras y en las armas, 
en la justicia tan recta, 
y en una Misericordia, 
que está honrando su ribera, 
y pudiera honrar a España, 
y aun enseñar a tenerla. 
Y en lo que yo más alabo 
de esta máquina soberbia, 
es que del mismo castillo, 
en distancia de seis leguas, 
se ven sesenta lugares 
que llega el mar a sus puertas, 
uno de los cuales es 
el Convento de Odivelas, 
en el cual vi por mis ojos 
seiscientas y treinta celdas, 
y entre monjas y beatas, 
pasan de mil y doscientas. 
Tiene desde allí a Lisboa, 
en distancia muy pequeña, 
mil y ciento y treinta quintas, 
que en nuestra provincia Bética 
llaman cortijos, y todas 
con sus huertos y alamedas. 
En medio de la ciudad 
hay una plaza soberbia, 
que se llama del Ruzío, 
grande, hermosa, y bien dispuesta, 
que habrá cien años y aun más 
que el mar bañaba su arena, 
y agora de ella a la mar, 
hay treinta mil casas hechas, 
que, perdiendo el mar su curso, 
se tendió a partes diversas. 
Tiene una calle que llaman 
Rúa Nova, o calle nueva, 
donde se cifra el oriente 
en grandezas y riquezas,                                                                                    tanto que el rey me contó 
que hay un mercader en ella, 
que por no poder contarlo, 
mide el dinero a fanegas. 
El terrero, donde tiene 
Portugal su casa regia 
tiene infinitos navíos, 
varados siempre en la tierra, 
de sólo cebada y trigo, 
de Francia y Ingalaterra. 
Pues, el palacio real, 
que el Tajo sus manos besa, 
es edificio de Ulises, 
que basta para grandeza, 
de quien toma la ciudad 
nombre en la latina lengua, 
llamándose Ulisibona, 
cuyas armas son la esfera, 
por pedestal de las llagas, 
que, en la batalla sangrienta, 
al rey don Alfonso Enríquez 
dio la majestad inmensa. 
Tiene en su gran Tarazana 
diversas naves, y entre ellas 
las naves de la conquista, 
tan grandes que, de la tierra 
miradas, juzgan los hombres 
que tocan en las estrellas. 
Y lo que de esta ciudad 
te cuento por excelencia, 
es, que estando sus vecinos 
comiendo, desde las mesas, 
ven los copos del pescado 
que junto a sus puertas pescan 
que, bullendo entre las redes, 
vienen a entrarse por ellas. 
Y sobre todo el llegar 
cada tarde a su ribera 
más de mil barcos cargados 
de mercancías diversas, 
y de sustento ordinario, 
pan, aceite, vino y leña, 
frutas de infinita suerte, 
nieve de sierra de Estrella, 
que por las calles a gritos, 
puesta sobre las cabezas, 
la venden; mas, qué me canso?, 
porque es contar las estrellas, 
querer contar una parte 
de la ciudad opulenta. 
Ciento y treinta mil vecinos 
tiene, gran señor, por cuenta, 
y por no cansarte más, 
un rey que tus manos besa. 
REY: Más estimo, don Gonzalo, 
escuchar de vuestra lengua 
esa relación sucinta, 
que haber visto su grandeza.