Colectânea de cartas a editar em Outubro revela dificuldades nos bastidores de um dos mais importantes musicais de sempre. Espelha ainda as diferentes facetas da personalidade do compositor
Um dos mais celebrados e reencenados musicais de sempre podia não ter existido ou, pelo menos, não ter soado como os nossos ouvidos o reconhecem até hoje. Sem Maria, Tonight ou America, podia ter havido um West Side Story sem Leonard Bernstein? Durante a pré-produção do espectáculo a relação do compositor com o escritor e dramaturgo Arthur Laurents deteriorou-se ao ponto de Berstein ponderar abandonar o projecto, revelam cartas inéditas de Berstein a editar em livro em Outubro.
A Yale University Press publicará uma compilação da correspondência do compositor norte-americano que colaborou com Laurents, Stephen Sondheim (letras) e com o coreógrafo Jerome Robbins na feitura de West Side Story, uma visão do clássico shakesperiano Romeu e Julieta passado na Manhattan dos anos 1950. Os seus imigrantes porto-riquenhos, os trabalhadores de ascendência polaca, os gangues rivais e os respectivos códigos de fidelidade com cor e sonoridade única chegaram aos palcos em 1957 – aliás, a estreia de Sondheim na Broadway. Depois, em 1961,West Side Story chegou ao cinema através dos realizadores Robert Wise e Jerome Robbins e dos protagonistas Natalie Wood, Rita Moreno e Richard Beymer, tornando-se num êxito que tocaria várias gerações
Tudo isto podia soar diferente ou mesmo não existir se a “hostilidade” entre o compositor e o dramaturgo tivesse mesmo feito com que Bernstein desistisse do projecto. Na colectânea de cartas, escreve este sábado o Guardian, está incluída uma missiva de 1949 (dois anos depois de o coreógrafo Jerome Robbins ter tido a ideia para a peça) endereçada pelo dramaturgo ao compositor em que é referida uma conversa anterior entre os dois sobre a vontade de Bernstein abandonar o projecto. “Lamento que tenha decidido não fazer o espectáculo”, escreve Laurents.
Note-se que a data da carta precede em muito a estreia da peça na Broadway, dando a entender que o tema foi alvo de querela durante algum tempo. Como escreve agora o diário britânico, foram os amigos de Bernstein que convenceram o músico a regressar àquele que se tornaria um marco na história do teatro musical. As cartas mostram que em 1955 Bernstein estava de novo a bordo.
As divergências entre Bernstein e Laurents terão surgido logo no primeiro esboço para a peça, então chamada East Side Story (o West Side e o East Side referem-se aos bairros da ilha de Manhattan), com o compositor a criticar alguns elementos da escrita e guião do dramaturgo e com diferentes opiniões sobre a abordagem musical à história (se deveria ser uma opereta ou uma peça lírica), por exemplo.
A colectânea de correspondência editada pelo musicólogo britânico Nigel Simeone, lançada no final de Outubro em inglês, contém 650 cartas que revelarão, como escreve o seu editor, a personalidade complexa de Bernstein, ora assertivo ora profundamente inseguro, as suas relações afectivas e problemas políticos. São cartas trocadas com os seus amigos compositores e colegas de trabalho, mas também com figuras como Jacqueline Kennedy, Bette Davis ou Boris Pasternak.
Das cartas emergem as suas relações com homens, nomeadamente com o compositor Aaron Copland, e o conhecimento que disso tinha a sua mulher e mãe dos seus filhos. Sabe-se agora também que foi vigiado pelo FBI e teve dificuldades em manter a cidadania norte-americana, tema sobre o qual escreveu ao seu irmão e ao compositor David Diamond. É ainda revelada a vontade que tinha de fazer um musical sobre Eva Perón, manifestada numa carta de 1952.
Após a sua morte em 1990, os arquivos de Bernstein estavam interditados ao acesso público por ordem da família. Mas quando o seu espólio transitou para a Biblioteca do Congresso norte-americano, há três anos, tornaram-se possíveis novos vislumbres sobre a vida pessoal do compositor.
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