Discurso de Lula da Silva (excerto)

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quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

D. António Barroso, Réu da República


Leitura
D. António Barroso, Réu da República
Raras figuras da nossa história religiosa catalisam, como D. António Barroso, a densidade das características do seu tempo, permitindo no percurso da sua vida (1854-1918) reunir os grandes debates de um arco de tempo significativo. Situamo-nos, realmente, na emergência da acção missionária nos territórios coloniais portugueses, na mudança de regime de Monarquia para a República e na intensificação da vida pastoral das dioceses, prosseguindo caminho aberto desde os anos 70 do século XIX.

Há vários anos que se planeava uma biografia do notável missionário e destemido Bispo do Porto. Sai agora, a duas mãos, enriquecida com factos e leituras dessas duas dimensões de uma vida integralmente pautada pelo serviço do evangelho.

Os anteriores intentos de relatos biográficos foram recolhendo materiais, que no final desta obra se elencam, mas não havia ainda uma visão abrangente da vida do já servo de Deus D. António Barroso. A introdução do processo de beatificação e canonização em 1992 veio despertar o interesse pela sua figura, que para muitos nunca deixou de estar vivo. A acção incansável do Dr. José Ferreira Gomes impulsionou muitas iniciativas e galvanizou muitas vontades. Muito ansiou por uma obra do género da agora publicada.

Como missionário e missiólogo, António Barroso situa-se entre os mais notáveis da história portuguesa, seja nas primeiras e determinantes aventuras do Congo (1880), seja como incansável Prelado de Moçambique, seja como resistente construtor da comunhão em Meliapor (Índia). Com toda esta experiência evangelizadora de autêntico herói da Pátria, que muito amava, é escolhido para Bispo do Porto (1899). A bondade fraternal e a firmeza militante da sua condução pastoral conquistaram os portuenses. Quando se vê na necessidade de enfrentar o prepotente Afonso Costa, como ditador e perseguidor da Igreja, mostra a nobreza de carácter e a dignidade ponderada. A corajosa frontalidade não se situa na recusa do novo regime republicano, aliás acolhido como legítima autoridade. A mover a reacção plena de dignidade do Bispo do Porto estão critérios de injustiça praticada para com a Igreja. Combate pela liberdade religiosa, com a grandeza de coração norteadora das suas atitudes solícitas pelo bem das comunidades.

Ao atribuir a este volume o título de «Réu da República» pretendemos valorizar, nesta proximidade do Centenário da implantação republicana, a serena consciência de quem se viu julgado e destituído, preso e exilado por medidas injustas. Com esse título, não se reduz o fascinante itinerário de António Barroso desde a sua terra natal, Remelhe (Barcelos), até aos dias de hoje. Como se concluirá desta biografia, é muito mais abrangente a sua intervenção pastoral, a ponto de a atracção da sua bondade permanecer viva.

No final da biografia, recolhem-se diversificados testemunhos, como identificadores mais salientes no apreço geral granjeado. Desde os seus contemporâneos, é considerado como santo. As qualidades evangélicas vincadas justificam que ao longo dos tempos se mantivesse esta fama de santidade. O seu Processo de Beatificação e Canonização, que já terminou a instrução em Roma, com a redacção da Positio, aguarda a exigência romana de um «milagre».
Dar a conhecer o perfil deste notável português - e porventura suscitar outras leituras - será o principal objectivo deste trabalho. (in Abertura da obra)

Excerto: "Regresso à Diocese (3-4-1914 – 7-8-1917)"
Decorridos três anos de exílio, surgiu no Parlamento a proposta de levantar a proibição de D. António Barroso viver na sua diocese. Como deputado, o Dr. António Augusto Castro Meireles recrimina a violência da condenação ao exílio de um herói da Pátria, apelando para o carácter ilimitado da pena, proibida pela Constituição em vigor. Seria outro padre parlamentar, Rodrigo Pontinha, a apresentar a proposta em 14 de Março de 1914. Assim, devido a diversas intervenções, pôde voltar ao Porto, ao cair da tarde do dia 3 de Abril de 1914. No dia seguinte realizou-se um Te Deum de acção de graças, na Catedral, engalanada pelo armador Alberto Pereira. Muitos choravam de alegria ao ouvir de novo a voz do Pastor a quem amavam. O bispo agradeceu a recepção tão afectuosa e defendeu a urgência de radicar em todos a harmonia e a paz. Manifestou reconhecimento pelas visitas a Remelhe, pela dedicação de todos no serviço obediente, durante a sua ausência.

Evitou, contudo, qualquer manifestação com esta entrada quase furtiva. Mas mal o povo conheceu este regresso ansiado fez romaria à volta do palacete de Sacais, preparado para residência episcopal. Os jornais do Porto, como A Ordem, que classificava a recepção como «espectáculo deslumbrante e verdadeiramente esmagador», e O Primeiro de Janeiro, noticiaram estes gestos festivos de todos os grupos sociais e organismos católicos, sublinhando o clima de festa e euforia. OComércio do Porto, ao longo de vários dias, manteve a crónica das filas de gente que queria cumprimentar o seu bispo.

Na recepção oferecida na nova residência usou da palavra o Vigário, Cónego António Joaquim Pereira. O Cónego Teófilo Salomão, em nome do Cabido, dos empregados da Câmara eclesiástica e do Seminário, pôs nas mãos do bispo um rico cordão de ouro, com a respectiva cruz peitoral. Os párocos da cidade do Porto brindaram o bispo com um báculo de prata, cópia do mais precioso que existia no tesouro da Sé. Uma Comissão de senhoras ofereceu um faldistório de prata, com panos e almofadas de seda e damasco, com bordados a fio metálico dourado. Perante tantas provas de dedicação e expressões extremamente afectuosas, D. António sentiu a necessidade de escrever ao Núncio, em 15 de Maio de 1914, para relatar a impressão que lhe causaram tantas provas de fidelidade dos diocesanos. Mas não interpreta a seu favor toda esta simpatia. E anota: «foi outro, porém, segundo penso, o calor que animou e deu vulto ao entusiasmo com que fui recebido [...] o calor da sua fé religiosa, que explode em assomos de vitalidade perante o despotismo que se pretende exercer na consciência católica».
Entre as muitas saudações pelo regresso pode assinalar-se a da revista Lusitânia, dirigida pelo Dr. Francisco de Sousa Gomes Vellozo, do Porto. A 1 de Junho de 1914 assim se expressava:
«Ei-lo que volta para alegria da caridade e bom ânimo dos soldados! Traz do exílio mais brancos os cabellos, e sente-se que não foi debalde que o látego violento da perseguição odiosíssima silvou no ar sobre a sua cabeça altiva de Bispo portuguez!

Há todavia na sua face o mesmo sorriso afável e bom que atrahe os corações e na luz dos seus olhos vibra ainda a scentelha fina do brilhantíssimo espírito que o tom firme da voz também revela...»

O venerando bispo, de 60 anos, estava muito envelhecido pela amargura do desterro. Mesmo assim não esmoreceu na sua actividade pastoral.

Por entre as múltiplas tarefas pastorais imediatas ainda encontra tempo para escrever uma carta-prefácio, datada de Setembro de 1914, à obra de Mons. José Augusto Ferreira, “Manual de História das Religiões”.

Nos primeiros meses de 1916 esteve gravemente doente e só para finais de Janeiro melhora. No início de Fevereiro está em Remelhe, em convalescença. Escreve já de seu punho, ao Encarregado de Negócios da Santa Sé, Mons. Aloisi Masella, uma carta, a 5 de Março de 1916, respondendo com manifesta clareza:

«Sou de opinião que se deve protestar com energia contra as violentas intromissões de um Governo que, não tendo religião alguma, se arroga o direito de se intrometer nos domínios espirituais da Igreja católica para a oprimir.

Pela circular, que só conheço pelas referências dos jornais, se conclue que o Governo, não só faz violências às consciências dos católicos, mas também afronta a autoridade do Sumo Pontífice.

É, pois, conveniente que o Senhor Patriarca proteste em nome de todos nós, os Bispos Portugueses, ao menos para que lá fora não pareça que consentimos, com o nosso silêncio, todas as violências e extorsões levadas a cabo contra a Igreja católica e o seu Chefe Supremo.»
Em carta para Luís de Almeida Braga (13-4-1916) elogia a coragem da sua conferência pronunciada na Associação Católica do Porto, com alegria de ver um novo defender com assombro o que «muitos guardam recatadamente no seu foro íntimo, mas sem coragem de os exteriorizar». Por isso olha com esperança para o futuro apesar do quadro negro com que depara: «nem tudo são tristezas nesta babélica anarquia intelectual e moral que agita e desorienta os espíritos nas sociedades hodiernas e designadamente na portuguesa»
.
O jubileu episcopal, ocorrido a 5 de Julho de 1916, foi motivação para diversas homenagens. D. António soube endereçar as vantagens da generosidade a favor dos padres pobres e de causas sociais (...). Recebeu do Papa Bento XV uma carta autografada, onde refere a prova de estima recebida através do «Dinheiro de São Pedro».

O bispo missionário continua a aconselhar a Santa Sé em matéria de assuntos africanos. Responde a uma consulta feita pelo Encarregado dos Negócios em Lisboa, relativamente ao governo eclesiástico de Angola. Considera que «aquilo que mais convém aos interesses das almas e da civilização cristã é dividir a actual diocese em dois vicariatos apostólicos, um ao norte, com sede na cidade de Luanda, e outro ao sul com sede na Huila».

Aponta a Congregação dos Espiritanos como a mais experimentada para assumir essa tarefa. Prevê críticas e antecipadamente clarifica: «Se alguém quiser ver nesta minha maneira de encarar o assunto menos amor ao meu país, a esses responderei que acima dos interesses morais ou materiais da minha Pátria, coloco os espirituais da Igreja, de quem sou filho e ministro, e estou convencido de que é esta a solução que mais se coaduna com esses interesses.» É muito interessante esta afirmação porque evidencia a razão profunda das opções pastorais do Bispo: os interesses do bem e não os do Estado português no imediato.

A 4 de Setembro de 1916 volta a dar à nunciatura conselho sobre questões relativas aos problemas das missões no Ultramar, mas a letra não é do seu punho, porque entrou de novo em período de agravamento de saúde. A 11 de Dezembro é o fiel amigo de D. António Barroso, o Cónego António Joaquim Pereira, que informa o Encarregado de Negócios da Santa Sé das preocupações que ultimamente tem merecido a saúde do Prelado. O mal-estar prolongou-se por Janeiro e o Bispo sente que as forças se vão esgotando e decide mandar chamar o tabelião. De facto, a 19 de Fevereiro de 1917, António Barroso redige o seu testamento. Aí testemunha com evidência a sua pobreza evangélica: «Nasci pobre, rico não vivi e pobre quero morrer, em obediência e acatamento às sábias leis da Santa Igreja católica. Por isso, e salva a liturgia, quero que o meu funeral seja o mais pobre possível.»


Amadeu Gomes de Araújo, Carlos A. Moreira Azevedo
25.01.10 
Capa
Autores
Amadeu Gomes de Araújo
Carlos A. Moreira Azevedo
EditoraAlêtheia
Ano2009
Páginas348
Preço22,00 €
ISBN978-989-622-204-8
























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