| A poesia do poeta
| Poeta da Revolução, do Partido e do povo, Ary dos Santos deixou uma vasta obra reunida em livros, discos e nas mais de 600 canções que escreveu. Para além dos mais de 40 poemas declamados no CD que é possível adquirir com esta edição do Avante!, Ary dos Santos era uma presença assídua em comícios, festas e espectáculos promovidos pelo seu Partido – o PCP. Ficam aqui três poemas da sua autoria, com a consciência plena de que qualquer escolha, para além de discutível, é sempre redutora da obra do poeta. Mas não era possível falar do homem sem referir a obra.
Não Passam Mais
Em nome dos nosso braços em nome das nossas mãos em nome de quantos passos deram os nossos irmãos. Em nome das ferramentas que nos magoaram os dedos das torturas das tormentas das sevícias dos degredos. Em nome daquele nome que herdámos dos nossos pais em nome da sua fome dizemos: não passam mais!
E em nome dos milénios de prisão adicionada em nome de tantos génios com a voz amordaçada em nome dos camponeses com a terra confiscada em nome dos Portugueses com a carne estilhaçada em nome daqueles nomes escarrados nos tribunais dizemos que há outros nomes que não passam nunca mais!
Em nome do que nós temos em nome do que nós fomos revolução que fizemos democracia que somos em nome da unidade linda flor da classe operária em nome da liberdade flor imensa e proletária em nome desta vontade de sermos todos iguais vamos dizer a verdade dizendo: não passam mais!
Em nome de quantos corpos nossos filhos foram feitos. Em nome de quantos mortos vivem nos nossos direitos. Em nome de quantos vivos dão mais vida à nossa voz não seremos cativos: O trabalho somos nós.
Por isso tornos enxadas canetas frezas dedais são as nossas barricadas que dizem: não passam mais!
E em nome das conquistas vindas nos ventos de Abril reforma agrária controlo operário no meio fabril empresas que são do Estado porque o seu dono é o povo em nome de lado a lado termos feito um país novo. Em nome da nossa frente e dos nossos ideais diante de toda a gente dizemos: não passam mais!
Em nome do que passámos não deixaremos passar o patrão que ultrapassámos e que nos quer trespassar. E por onde a gente passa nós passamos a palavra: Cada rua cada praça é o chão que o povo lavra. Passaremos adiante com passo firme e seguro. O passado é já bastante vamos passar ao futuro.
Poeta Castrado, Não!
Serei tudo o que disserem por inveja ou negação: cabeçudo dromedário fogueira de exibição teorema corolário poema de mão em mão lãzudo publicitário malabarista cabrão. Serei tudo o que disserem: Poeta castrado não!
Os que entendem como eu as linhas com que me escrevo reconhecem o que é meu em tudo quanto lhes devo: ternura como já disse sempre que faço um poema; saudade que se partisse me alagaria de pena; e também uma alegria uma coragem serena em renegar a poesia quando ela nos envenena.
Os que entendem como eu a força que tem um verso reconhecem o que é seu quando lhes mostro o reverso: Da fome já não se fala é tão vulgar que nos cansa – mas que dizer de uma bala num esqueleto de criança?
Do frio não reza a história a morte é branda e letal – mas que dizer da memória de uma bomba de napalm?
E o resto não pode ser o poema dia a dia? um bisturi a crescer nas coxas de uma judia; um filho que vai nascer parido por afixia? Ah não me venham dizer que é fonética a poesia!
Serei tudo o que disserem por temor ou negação: Demagogo mau profeta falso médico ladrão prostituta proxeneta espoleta televisão. Serei tudo o que disserem Poeta castrado não!
Nona Sinfonia
É por dentro de um homem que se ouve o tom mais alto que tiver a vida a glória de cantar que tudo move a força de viver enraivecida.
Num palácio de sons erguem-se as traves que seguram o tecto da alegria pedras que são ao mesmo tempo as aves mais livres que voaram na poesia.
Para o alto se voltam as volutas hieráticas sagradas impolutas dos sons que surgem rangem e se somem.
Mas de baixo é que irrompem absolutas as humanas palavras resolutas. Por deus não basta. É mais preciso o Homem. . .in Avante Nº 1834 22.Janeiro.2009 . .
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1 comentário:
Inigualável em muitas coisas; Grande Mestre a juntar as letras e a dizer os seus Poemas.
Que bom relembrar!
Bj
Maria Mamede
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