Discurso de Lula da Silva (excerto)

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terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Ary dos Santos


A poesia do poeta

Poeta da Revolução, do Partido e do povo, Ary dos Santos deixou uma vasta obra reunida em livros, discos e nas mais de 600 canções que escreveu. Para além dos mais de 40 poemas declamados no CD que é possível adquirir com esta edição do Avante!, Ary dos Santos era uma presença assídua em comícios, festas e espectáculos promovidos pelo seu Partido – o PCP. Ficam aqui três poemas da sua autoria, com a consciência plena de que qualquer escolha, para além de discutível, é sempre redutora da obra do poeta. Mas não era possível falar do homem sem referir a obra.

Não Passam Mais

Em nome dos nosso braços
em nome das nossas mãos
em nome de quantos passos
deram os nossos irmãos.
Em nome das ferramentas
que nos magoaram os dedos
das torturas das tormentas
das sevícias dos degredos.
Em nome daquele nome
que herdámos dos nossos pais
em nome da sua fome
dizemos: não passam mais!

E em nome dos milénios
de prisão adicionada
em nome de tantos génios
com a voz amordaçada
em nome dos camponeses
com a terra confiscada
em nome dos Portugueses
com a carne estilhaçada
em nome daqueles nomes
escarrados nos tribunais
dizemos que há outros nomes
que não passam nunca mais!

Em nome do que nós temos
em nome do que nós fomos
revolução que fizemos
democracia que somos
em nome da unidade
linda flor da classe operária
em nome da liberdade
flor imensa e proletária
em nome desta vontade
de sermos todos iguais
vamos dizer a verdade
dizendo: não passam mais!

Em nome de quantos corpos
nossos filhos foram feitos.
Em nome de quantos mortos
vivem nos nossos direitos.
Em nome de quantos vivos
dão mais vida à nossa voz
não seremos cativos:
O trabalho somos nós.

Por isso tornos enxadas
canetas frezas dedais
são as nossas barricadas
que dizem: não passam mais!

E em nome das conquistas
vindas nos ventos de Abril
reforma agrária controlo
operário no meio fabril
empresas que são do Estado
porque o seu dono é o povo
em nome de lado a lado
termos feito um país novo.
Em nome da nossa frente
e dos nossos ideais
diante de toda a gente
dizemos: não passam mais!

Em nome do que passámos
não deixaremos passar
o patrão que ultrapassámos
e que nos quer trespassar.
E por onde a gente passa
nós passamos a palavra:
Cada rua cada praça
é o chão que o povo lavra.
Passaremos adiante
com passo firme e seguro.
O passado é já bastante
vamos passar ao futuro.

Poeta Castrado, Não!

Serei tudo o que disserem
por inveja ou negação:
cabeçudo dromedário
fogueira de exibição
teorema corolário
poema de mão em mão
lãzudo publicitário
malabarista cabrão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!

Os que entendem como eu
as linhas com que me escrevo
reconhecem o que é meu
em tudo quanto lhes devo:
ternura como já disse
sempre que faço um poema;
saudade que se partisse
me alagaria de pena;
e também uma alegria
uma coragem serena
em renegar a poesia
quando ela nos envenena.

Os que entendem como eu
a força que tem um verso
reconhecem o que é seu
quando lhes mostro o reverso:
Da fome já não se fala
é tão vulgar que nos cansa –
mas que dizer de uma bala
num esqueleto de criança?

Do frio não reza a história
a morte é branda e letal –
mas que dizer da memória
de uma bomba de napalm?

E o resto não pode ser
o poema dia a dia?
um bisturi a crescer
nas coxas de uma judia;
um filho que vai nascer
parido por afixia?
Ah não me venham dizer que é fonética a poesia!

Serei tudo o que disserem
por temor ou negação:
Demagogo mau profeta
falso médico ladrão
prostituta proxeneta
espoleta televisão.
Serei tudo o que disserem
Poeta castrado não!

Nona Sinfonia

É por dentro de um homem que se ouve
o tom mais alto que tiver a vida
a glória de cantar que tudo move
a força de viver enraivecida.

Num palácio de sons erguem-se as traves
que seguram o tecto da alegria
pedras que são ao mesmo tempo as aves
mais livres que voaram na poesia.

Para o alto se voltam as volutas
hieráticas sagradas impolutas
dos sons que surgem rangem e se somem.

Mas de baixo é que irrompem absolutas
as humanas palavras resolutas.
Por deus não basta. É mais preciso o Homem.
.
.in Avante
Nº 1834
22.Janeiro.2009
.
.

1 comentário:

De Amor e de Terra disse...

Inigualável em muitas coisas; Grande Mestre a juntar as letras e a dizer os seus Poemas.
Que bom relembrar!

Bj

Maria Mamede