Discurso de Lula da Silva (excerto)

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sexta-feira, 23 de maio de 2008

Cinema de Portugal

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Índice


Cinema de Portugal refere-se essencialmente a filmes realizados por autores portugueses. São em princípio considerados também portugueses alguns filmes de autores estrangeiros com participação financeira nacional.




HISTÓRIA


PRIMÓRDIOS


origens

O início do cinema português tem lugar com a exibição das primeiras curtas-metragens amadoras de um empresário da cidade do Porto, Aurélio Paz dos Reis (Saída do Pessoal Operário da Fábrica Confiança), em 1896, réplica do filme dos irmãos Lumière (1894 - 1895) La Sortie de l'usine Lumière à Lyon, considerado o primeiro filme, depois das descobertas do chamado «pré-cinema».
Paz dos Reis tem em mente explorar o seu cinematógrafo. Organiza alguns espectáculos que não obtêm os resultados esperados e tenta o Brasil. O Kinematógrafo Português seria apresentado no Teatro Lucinda do Rio de Janeiro, a 15 de Janeiro de 1897. Regressa desiludido, depois de captar algumas cenas na Avenida Rio Branco, nessa cidade, das primeiras imagens animadas filmadas no Brasil.
O interesse de Paz dos Reis pelo cinematógrafo provém do conhecimento de Edwin Rousby, enviado do inglês Robert William Paul, fabricante de máquinas de filmar e projectar, o mesmo a quem Georges Mélies, inventor do filme de ficção, comprou um projector que ele próprio transformou em máquina de filmar, aparelho híbrido que faria sucesso no seu já famoso Théatre Robert Houdin, em Paris. É por influência da mesma personagem que, entre outros, Manuel Maria da Costa Veiga, que se tornará exibidor de filmes em Lisboa, se mete no fabrico das imagens animadas. Será «O Segundo Caçador de Imagens português». Paz dos Reis e Costa Veiga fundam em Portugal essa tradição.
Saída do Pessoal da Fábrica Confiança
Saída do Pessoal da Fábrica Confiança

os primeiros géneros

A ficção cinematográfica portuguesa nasce em 1907, uns bons onze anos depois das primeiras obras do género terem sido criadas por Georges Méliès, em França. É uma curta-metragem filmada pelo fotógrafo lisboeta João Freire Correia e realizada por Lino Ferreira, O Rapto de uma Actriz. Com este filme, tem início o primeiro Ciclo de Lisboa. Fundada no Porto em 1912, a Invicta Film destacar-se-ia um pouco mais tarde na história do cinema em Portugal, estabelecendo um alternância entre Lisboa e o Porto na liderança da produção nacional, até ao surgimento do filme sonoro.
A Portugália Film, empresa lisboeta de João Freire Correia, equipa-se e começa a produzir em 1909. Dedica-se ao filme documentário e de actualidades, géneros que têm particular sucesso pela curiosidade que despertam. João Correia elege entretanto um motivo e investe na ficção: uma velha história dos bandidos de Lisboa. Os Crimes de Diogo Alves, de João Tavares - 1911, filme falado, com vozes por trás do écran, faz enorme sucesso. Temíveis, muito badalados na literatura de cordel, tais como o espanhol Diogo Alves, «boleeiro em algumas das melhores casas, com a alcunha de O Pancada», outros bandidos havia : o João Brandão, o José do Telhado, o Remexido. Instala-se a marginalidade como tema recorrente do cinema português.
Surge o filme histórico Raínha depois de morta (1910), de Carlos Santos e outro intitulado Guiomar Teixeira, A Filha de Tristão das Damas, de João Gomes: cristãos contra sarracenos no século XVI. João Tavares adapta uma obra de Camilo Castelo Branco (Carlota Ângela - Portugália Film, 1912). E Charlot entra em cena: duas imitações feitas por um cómico espanhol conhecido por Cardo, filmado por Ernesto de Albuquerque (Chegada de Cardo as Charlot a Lisboa e Uma Conquista de Cardo as Charlot no Jardim Zoológico de Lisboa - 1916). De Chalot faz-se ainda uma réplica lisboeta, de Emídio Pratas (Pratas, Conquistador - 1917), em que, depois de várias tropelias, o dandy alfacinha acaba por ficar com um olho negro. Fecha-se o ciclo de Lisboa.
Contratado pela Invicta Film, Georges Pallu – que se apaixona pelo cinematógrafo e desiste de ser secretário de ministro francês –, filmará em Portugal, até à extinção da empresa, em 1924, uma longa série de ficções de vários géneros. Começa com Frei Bonifácio 1918), filme desaparecido, e prossegue com a A Rosa do Adro (1919). Leitão de Barros inicia carreira com duas curtas metragens e uma proclamação do Presidente da República.

ANOS 20

o surgimento da indústria

A indústria de cinema em Portugal terá início em 1918, após a reestruturação da produtora Invicta Film, que reactiva o Ciclo do Porto, o segundo. Durante os anos vinte, a produção cinematográfica portuguesa dedica-se principalmente à transposição dos clássicos literários portugueses para a tela, entregando a direcção dos projectos a realizadores estrangeiros. Georges Pallu filma uma adapatação de Eça de Queirós, O Primo Basílio (filme) (1922). Roger Lion tenta o drama (A Sereia de Pedra - 1922), protagonizado por um jovem forcado, e filma uma história dramática vivida por pescadores da Nazaré (Os Olhos da Alma - 1923). Rino Lupo explora o drama rústico (Os Lobos1923) e a aventura (José do Telhado (1929), que será objecto de uma remake anos mais tarde.
Entretanto, em 1920, Raul de Caldevilla, abre a sua Caldevilla Film, na cidade do Porto, e depois compra um terreno para construir um estúdio na Quinta das Conchas, no Lumiar, em Lisboa, lugar onde surgirá, com o aparecimento do sonoro, a Tobis Portuguesa. É outro francês, Maurice Mariaud, quem ele contrata para realizar Os Faroleiros e As Pupilas do Senhor Reitor (1923), uma adaptação da obra homónima de Júlio Diniz. A companhia será sol de pouca dura, por questões de dinheiros e maus entendimentos entre sócios. Entre 1926 e 1927, Manuel Luís Vieira (A Calúnia), realizador, produtor e director de fotografia, e o ousado Repórter X, o jornalista Reinaldo Ferreira, (O Táxi nº 9297 - 1927), criam expectativas.

os primeiros filmes artísticos

Louis Feuillade, anti-academista francês, reagindo contra o cinema teatral do Film d'Art, revolucionou o ofício propondo-se mostrar «a vida tal e qual ela é». Fê-lo numa paisagem urbana servindo de décor a "fantasmas", à acção rocambolesca. Dando a ver a vida tal e qual ela é, Rino Lupo, que trabalhou com ele e que com ele se aperfeiçoou nas lides do cinema, mantém o propósito, mas tece o enredo com menos tropelias, com outro coração, preferindo outro enquadramento. Lupo inspira-se ainda no conceito que Feuillade desenvolvera sobre o Film Esthétique, a prática de um cinema mais «pictórico». Declarando ter veia de pintor, bucólico, Lupo propõe-se assim enquadrar a vida na paisagem. O francês Georges Pallu, homem de estúdio, mais academista, mais urbano, menos fascinado pela natureza, prefere servir-se da paisagem para enquadrar a vida como ela é, tout court, no campo ou na cidade. Com novas fantasias, a ficção explora a realidade.
Herdeiro desse estado das coisas e muito virado para o mar, o jovem Leitão de Barros vai seguir o exemplo, recorrendo a certos temas já explorados mas inovando, imprimindo nas suas imagens traços da nova estética do cinema soviético (Eisenstein), usando a forma para gerar outro sentido.
Em 1926, o golpe do 28 de Maio instala em Portugal a ditadura nacional que, durante quase meio século, com a mão férrea de António de Oliveira Salazar, condicionará drasticamente a vida econónima, social e cultural do país.
Em Nazaré, Praia de Pescadores (1929), Leitão de Barros utiliza como intérpretes pescadores e gente do povo, numa ousada incursão no documentário, inaugurando no cinema português a prática da antropologia visual. O muito jovem Jorge Brum do Canto (A Dança dos Paroxismos - 1929, filme que não teve saída comercial), inova a seu modo, numa obra experimental que dedica a Marcel L'Herbier, expoente do futurismo na sétima arte. Ambos sabem explorar a força da imagem, abrindo caminho para um cinema que, pretendendo mostrar a realidade ou fazer um retrato romântico do país, teria o seu público. [1].

ANOS 30

a indústria de cinema e o Estado

Leitão de Barros, no primeiro ano da década de trinta, começa com humor numa obra de regime (Lisboa, Crónica Anedótica - 1930) e explora o drama: (Maria do Mar - 1930), a primeira docuficção do cinema português e a segunda etnoficção mundial depois de Moana de Robert Flaherty. É ele ainda que, em Portugal, faz o primeiro filme sonoro: A Severa (1931).
Maria do Mar
Maria do Mar
Os estúdios da Tobis (Companhia Portuguesa de Filmes Sonoros Tobis Klangfilm) são construidos em Lisboa no ano seguinte, no Lumiar [2], e Lisboa inicia novo ciclo, sem retorno. Nessa década, com a falência do mudo, surge nova geração de cineastas, muitos deles jovens vindos do velho ofício.
Em 1935 é criado o Secretariado Nacional de Informação, que se dá conta do interesse que o cinema tem para o regime. Lopes Ribeiro torna-se a voz cinéfila da ditadura salazarista. A propaganda ideológica e política faz-se com fundos públicos e há que geri-los bem. Nos filmes, a que o público acorre, seduzido pelas imagens animadas que desvelam o país, tornam-se reis actores de revista: Beatriz Costa, António Silva, Maria Matos, Vasco Santana. É a época áurea da comédia, que, em questões de amor, se envolve com o musical.

o cinema sonoro

O filme sonoro implica mudanças radicais, que se fazem notar mais na forma que no sentido, mais nos estilos que nos conteúdos. Os equipamentos usados nessa época para o registo dos diálogos são pesados. Os processos de dobragem complicam as técnicas, tornando menos ágil a linguagem cinematográfica, dificultando a escolha de actores, o seu trabalho. É um período de transição que abrirá caminho a novos resultados, sendo o principal a notória atracção que o filme falado passará a exercer sobre as audiências. Mantem-se a ideologia. Também no cinema o bom uso da palavra é útil para defender a moral e servir de propaganda.
Temas prometedores aumentam o ruído, esvaiem-se subtilezas do mudo. É A Canção de Lisboa (1933), as cantigas da moda das raparigas bonitas de Cottinelli Telmo. É a eterna tourada: o Gado Bravo, de António Lopes Ribeiro (1934). É o romance ao vivo, as intrigas vistas e ouvidas, a literatura na tela, completa, com música de fundo. São As Pupilas do Senhor Reitor (1935), é Bocage (1936), o poeta boémio e a descuidada gazela, e é ainda a Maria Papoila (1937), a infeliz pastorinha das Beiras a servir em Lisboa (Leitão de Barros). É A Revolução de Maio (1937) : António Lopes Ribeiro. Entre outros ainda é, coisa nova, o Narciso Aviador e mais duas viagens triunfais do Presidente da República (1939), ano em que estreia A Aldeia da Roupa Branca, de Chianca de Garcia, obra ilustrativa da "pureza" rural.

ANOS 40

nova ficção e novo documentário

O Pai Tirano (1941) de António Lopes Ribeiro e O Pátio das Cantigas (1942) do seu irmão Francisco Ribeiro, o «Ribeirinho», são os primeiros da década de quarenta embarcados no mesmo rumo.
Aniki-Bobó (1942), de Manoel de Oliveira, neste contexto, é nota dissonante. Nesse mesmo ano, Leitão de Barros, volvendo ao tema marítimo, afirma-se com Ala-Arriba! na "contra-corrente" (Taça Volpi, Festival de Veneza), o último filme da sua trilogia sobre o mar e a segunda docuficção na história do cinema português. Com Robert Flaherty, pioneiro do documentário e seu contemporâneo, Leitão de Barros segue-lhe o exemplo explorando um domínio específico: o da etnoficção.
Na linha dos projectos de grande público, Arthur Duarte filma O Costa do Castelo (1943) e A Menina da Rádio (1944). Armando de Miranda repete a aventura de Lupo: José do Telhado (1945), saga (literatura) popular e êxito de bilheteira. Camões, filme que Salazar considera de interesse nacional, apresentado no Festival de Cannes de 1946, é o mais caro até então produzido em Portugal. Também nas artes do cinema faz o regime sentir a força da sua vontade.
Regressado dos Estados Unidos onde trabalhou como montador de actualidades da Paramount (Pathé News), Perdigão Queiroga explora a vertente populista: Fado, História de uma Cantadeira (1947), com Amália Rodrigues. Ainda nesse ano, explorando o mesmo público, Arthur Duarte obtém sucesso com O Leão da Estrela, que ironiza a doença da bola, e Armando de Miranda também o alcança com Capas Negras.
Em 1944 é entretanto criado o Secretariado Nacional de Informação, que tomaria o lugar do Serviço Nacional de Propaganda. Em 1948 é promulgada a lei nº 2027, que protege o cinema português e promove a produção artística, controlando-a.

ANOS 50

estagnação e mudanças

A década de cinquenta anuncia já certas roturas, sendo no entanto um período de estagnação. António Lopes Ribeiro prossegue o seu trabalho, moralizando (Frei Luís de Sousa1950), e Queiroga continua o seu, tentando excitar o imaginário pequeno-burguês (Sonhar é Fácil - 1951). Perdigão Queiroga passará a investir como produtor de documentários de actualidades e de filmes de propaganda que antecedem as projecções nas salas de cinema e que circulam por todo o país (Imagens de Portugal)
O primeiro sinal de mudança é dado por Manuel Guimarães que, com veia neo-realista (ver: neo-realismo), opta por dar a ver às pessoas o lado mais cru das coisas: Saltimbancos (1951), Nazaré (1952). Manuel Guimarães, assumindo-se na convergência da tradição realista, de Pallu a Barros, acentuará a nota vanguardista no seu assumido neo-realismo, que nunca o chegará verdadeiramente a ser, pelo menos tanto quanto ele desejava que tivesse sido. Nazaré foi um filme ferozmente censurado. Realismo sim, mas de boas maneiras. Marcas destas por certo teriam tido outro uso no cinema se o regime o tivesse permitido.
Alguns outros filmes da década :
Chaimite (1953), de Jorge Brum do Canto, a velha África nossa, O Dinheiro dos Pobres (1954), de Artur Semedo, censurado, Vidas sem Rumo (1956) de Manuel Guimarães, censurado, A Viagem Presidencial ao Brasil (1957), média metragem apoteótica de António Lopes Ribeiro, A Costureirinha da Sé (1958), de Manuel Guimarães, a bonitinha Aurora, o mar do Porto, a faina do Douro, a alta costura a cores, A Luz vem do Alto (1959), de Henrique Campos, a crença e a descrença em aceso confronto, e, desse mesmo ano, a média metragem de Manoel de Oliveira, O Pão nosso de cada dia. [3]

os novos agentes

A RTP (Rádio Televisão Portuguesa) é criada em 1955 e terá um papel importante na divulgação dos clássicos, na mudança dos hábitos de consumo de conteúdos fílmicos e, em especial, quando abre as suas portas à produção externa depois de 1974. Entretanto, o Estado, em precoce primavera marcelista, consente em financiar o cinema português e cria, em legislação desta e da década seguinte, o Fundo de Cinema. Os fundos são destinados tanto à produção de filmes como à Cinemateca Portuguesa (1948), que só tardiamente abre portas, em 1958. A sua primeira iniciativa é uma retrospectiva do cinema americano, com os films d'auteur descobertos pela Nouvelle Vague, evento que Alberto Seixas Santos e António Pedro Vasconcelos orgulhosamente consideram, na revista O Tempo e o Modo, como «o maior acontecimento cultural desde o aparecimento de Orfeu».

ANOS 60

continuidade e inovações

Os primeiros anos da década de sessenta são de continuidade. Queiroga persiste (As Pupilas do Senhor Reitor - 1960). Augusto Fraga excede-se no primeiro filme em cores de Portugal: (Raça - 1961). A primeira e grande rotura com o velho cinema dá-se com Dom Roberto (1962), personagem do teatro de fantoches, criado pelo vagabundo João Barbelas, que ganha a vida com espectáculos de rua, um filme de José Ernesto de Sousa. Teórico do neo-realismo mas também íntimo da Nova Vaga francesa, Ernesto de Sousa ousa agitar as águas, suscitando questões de consciência e sentimentos de revolta. O filme, que tem reminiscências de Os Saltimbancos, ganha um prémio no Festival de Cannes mas ele é preso pela PIDE, que o impede de lá ir. A rotura é dupla: é de género e estilo, no que toca a maneira de filmar e o modo de produção, e é política. Dom Roberto e o filme de Paulo Rocha, Os Verdes Anos (1963), imbuídos desse espírito e de uma vontade implicitamente denunciadora, marcam o início do chamado Novo Cinema.

a geração de sessenta

Fernando Lopes, também influenciado pelo realismo italiano e pela vanguarda francesa, filma Belarmino (1964), António de Macedo Domingo à Tarde (1965), ambos os filmes produzidos por António da Cunha Telles. Enquanto produtor, Cunha Telles teria um papel significativo na história do cinema português, ao tentar criar condições de auto-suficiência na produção de filmes e conciliar cinema de arte com cinema de grande público. Nessa linha, Sete Balas para Selma de António de Macedo - (1967), um policial, seria pretensão com consequências polémicas. Depois de graves precalços financeiros como produtor, António da Cunha Telles realiza O Cerco (1969). Ousado, o filme vai ao Festival de Cannes, obtém êxito comercial e alguns prémios oficiais.
Em 1969, com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian é criado o Centro Português de Cinema, que produzirá, em espírito cooperativo, uma parte significativa dos filmes da nova geração, inconformada com a situação social e política e admiradora das novas tendências de autores estrangeiros que os cine-clubes vão revelando.
Realismo e vanguarda são dados lançados. Co-habitando nalguns filmes, seriam em Portugal valores alternativos no futuro do cinema. [4].

ANOS 70

as inovações antes da revolução

Dessa geração, já nos anos setenta, seguem o movimento do Novo Cinema António de Macedo (Nojo aos Cães1969, estreado em 1970 – proibido pela censura), Fernando Lopes (Uma Abelha na Chuva – 1971): com O Cerco, são estes os «três filmes do desespero», produzidos com fundos pessoais, material emprestado, ajuda de amigos.
Já com outros meios de produção, alinham ainda no movimento José Fonseca e Costa (O Recado1971), António Pedro Vasconcelos (Perdido por Cem - 1972), Alfredo Tropa (Pedro Só - 1972), João César Monteiro (Fragmentos de um Filme Esmola - 1973), Fernando Matos Silva (O Mal Amado - 1973), Alberto Seixas Santos (Brandos Costumes1974). Macedo dá visibilidade internacional ao movimento: A Promessa (1972) é seleccionada para o Festival de Cannes em 1973, o primeiro filme português aceite neste festival.
O Estado marcelista, fragilizado, confrontado com sinais de rebelia, excede-se nos receios e aperta com a repressão e a censura. Artur Ramos seria entretanto seriamente atingido pelas armas do regime. [5]
Manoel de Oliveira reinicia uma longa carreira a partir de 1971 (O Passado e o Presente), o primeiro filme produzido pelo CPC (Centro Português de Cinema), que dará à luz uma boa parte das obras dos novos realizadores. Nesse ano, é promulgada a Lei nº7/71 que originará o Instituto Português de Cinema, em 1973 (ver ICA), destinado a gerir os financiamentos públicos para a produção de filmes nacionais. Nesse mesmo ano também é criada a Escola Piloto de Cinema, que será integrada, com a escola de teatro, no Conservatório Nacional.

as novas técnicas e o novo cinema

A década seria ainda marcada pelo amplo recurso a uma inovação técnica com origem nos anos sessenta: o uso de máquinas de filmar de 16 mm com capacidade de gravação de som sincronizado com a imagem. Estas câmaras revolucionariam não só as técnicas como também a própria linguagem cinematográfica, permitindo grande agilidade na filmagem e a possibilidade de reduzirem consideravelmente os custos de produção. A abordagem de temas que seria bem mais complexa com câmaras de 35 mm torna-se mais fácil. Isso contribui de um modo decisivo para que alguns cineastas portugueses optem pela prática do chamado cinema directo, explorando temas que até então tinham escapado ao olho da objectiva.

a vertente antropológica

Por longínqua inspiração de Leitão de Barros (Nazaré, Praia de Pescadores - 1929) e de Manoel de Oliveira (Douro, Faina Fluvial - 1931), com Oliveira entre eles (Acto da Primavera – 1962, a terceira docuficção portuguesa), no trilho já aberto pelas obras de Robert Flaherty ou de Jean Rouch, lançam-se no documentário alguns realizadores, criando obras cinematográficas associadas ao conceito de antropologia visual : António Campos (A Almadraba Atuneira - 1961, Vilarinho das Furnas - 1971, Falamos de Rio de Onor - 1974) e António Reis (Jaime - 1974, Trás-os-Montes - 1976). O primeiro cultiva um estilo que, submetendo-se aos imperativos da verdade, ao documentário puro, brilha pela sobriedade poética. O segundo, exaltando uma certa nobreza do real, da própria natureza, projecta-a no retrato humano com forte carga poética. Saído de uma revolução inesperada, que ele se mete a filmar logo às primeiras horas (Cravos de Abril - 1974/76), Ricardo Costa, com recursos escassos, segue-os, apressado (Avieiros - 1976). Participará nesse registo, urgente, de rostos, gestos, de modos de viver hoje desaparecidos -– todos eles marcados por essa mesma nobreza -–, correndo o seu país de uma ponta à outra, escrevendo no real , improvisando ao sabor dos eventos : mar, planície, montanha. Em todo o lado descobrirá um rosto idêntico.
São, cada obra em si, o modo de as fazer, o que elas revelam e ao que se propõem, aquilo que permite considerar as obras destes descobridores como a vanguarda do documentário, na vaga do Novo Cinema. O filme politico, o cinema militante, o filme etnográfico, a docuficção e a etnoficção são géneros que contaminam o cinema que se faz em Portugal nesta década e que nela se reinventam. O fascínio pela etnoficção acentua-se, marcando muitos filmes, mesmo aqueles que, como os de Manoel de Oliveira, são ficção pura.

o cinema depois da revolução

A Revolução dos Cravos (25 de Abril de 1974) seria decisiva para o futuro do cinema português, quer pelas liberdades que introduziria nas práticas sociais e culturais quer pelo papel que a RTP viria a desempenhar na produção e difusão de obras cinematográficas nacionais, em particular na área do documentário [6].
Como consequência directa da revolução são criadas no IPC (Instituto Português de Cinema) as Unidades de Produção, que, usando os meios técnicos de produção e pós-produção disponibilizados pelo IPC e funcionando com um espírito colectivista, têm como objectivo garantir a actividade dos profissionais de cinema, ilustrar as transformações radicais com que o país se confronta, fazê-las chegar a locais onde nunca chegaram, educar e agitar politicamente as consciências. Um dos exemplos representativos do movimento é o filme colectivo As Armas e o Povo, produção do Sindicato de Trabalhadores do Cinema e Televisão. O filme documentário e algumas ficções, tocados por esse espírito ou pelo simples desejo de renovação, marcam o início de uma nova época, marcada pelo gosto do cinema militante. O produtor e director de produção Henrique Espírito Santo terá papel importante nesse momento da história.
Surgem as cooperativas de cinema : a Cinequipe, a Cinequanon, o Grupo Zero e certos produtores independentes. Na prática do cinema militante empenham-se António de Macedo e Luís Galvão Teles (Cinequanon). Fernando Matos Silva e José Nascimento (Cinequipe), Alberto Seixas Santos (Grupo Zero). Rui Simões (cineasta), da Virver, um dos independentes mais activos, filma Deus, Pátria, Autoridade (1975), um dos marcos do filme político da época. Todos filmes de intervenção num mesmo sentido: intervir viabilizando o cumprimento de um desejo que ninguém tinha por utopia. Para serem irreversíveis as coisas, teriam certos filmes que ser feitos. Arma automática, a câmara era perfeita para ajudar a reviravolta. Retrato de uma época, ocupam estes filmes um lugar especial na história [6].
Além do papel que tiveram na renovação formal do cinema em Portugal, muito contribuíriam as cooperativas e alguns produtores independentes para a formação de técnicos de cinema, que, com qualidade, iriam depois servir outros patrões.

ANOS 80

efeitos da mudança

Os anos oitenta são na história do cinema português uma década reveladora. Anos de ouro, pelo volume de produções, pela novidade e diversidade nas formas e nos conteúdos, mas também por essas produções prefigurarem consequências das transformações ocorridas e do trabalho desenvolvido na década anterior, como resultado da Revolução dos Cravos.
A ficção, sujeita logo em 1980 a provas intensas, revela novos autores e novas tendências. Vindo do teatro, estreia-se no cinema Jorge Silva Melo com a sua Passagem ou A Meio Caminho. Cerromaior (filme), de Luís Filipe Rocha, expressão inovadora, seca e acutilante, do neo-realismo, objecto de consensos mas também de algum conservador despeito, obtém um Grande Prémio no Festival da Figueira da Foz e um Colón de Oro em Huelva. A Manhã Submersa (filme), de Lauro António, em que também se explora o rigor formal e a memória da repressão, obtém menções e prémios no estrangeiro. A Culpa, de António Vitorino de Almeida, sarcasmo, panfleto, espelho do sentimento nacional de culpa pela guerra colonial, satisfaz o público mas irrita a crítica (Colón de Oro, Huelva, 1981). Verde por Fora, Vermelho por Dentro de Ricardo Costa, filme insólito tanto pelo modo de produção (sem subsídios) como pelo seu jeito de caricatura surrealista (símbolos nacionais, personalidades delirantes em intrigas políticas), sujeita-se à flagelação crítica nacional mas faz-se notar com agrado em festivais internacionais. Estreado em 1981, (Oxalá), de António Pedro Vasconcelos – o primeiro filme que Paulo Branco produz –, explora também o retrato social, questionando a consciência de uma minoria : a do jovem intelectual refugiado em França para escapar à guerra colonial. Rui Simões (cineasta) questiona todo o país numa fase crítica, denunciando protagonismos, no documentário Bom Povo Português que, pela sua frontalidade política, suscita também controvérsia e será objecto de discriminação, como outros filmes incómodos, que teriam voz na imprensa e o seu público.

tradição e vanguardas

Os anos seguintes da década de oitenta caracterizam-se pelo prosseguimento de tendências como estas, pela intervenção de cineastas mais jovens e pela aposta feita por Paulo Branco e pelos agentes culturais em Manoel de Oliveira, que se torna cineasta oficial, filmando desde Amor de Perdição (1978) ao ritmo de cerca de um filme por ano.
Da gente nova, João Botelho, um dos primeiros frutos da escola oficial de cinema, ganha estatuto com a Conversa Acabada (1981), obtendo alguns prémios nacionais e internacionais. Nesse ano, Oliveira faz-se notar com Francisca e João César Monteiro com Silvestre (filme), que é selectionado para o Festival de Veneza e que obtém dois prémios noutros festivais internacionais. Com obras de invocação histórica e de registo teatral, terão um público atento. João Mário Grilo levará a sua segunda longa metragem, A Estrangeira (1982), ao Festival de Veneza - Prémio George Sadoul. José Álvaro Morais obtém o Leopardo de Ouro no Festival de Locarno de 1987 (O Bobo).
Todo um conjunto significativo de autores de várias tendências, tanto na ficção como no documentário, terão presença relevante durante esta década : António Reis, Paulo Rocha, António de Macedo, Fernando Lopes, José Fonseca e Costa, Lauro António, Luís Filipe Rocha, Jorge Silva Melo, Ricardo Costa, este bastante activo no documentário.
Na ficção ressalta um facto pouco notado. Manoel de Oliveira, do velho cinema, homem ousado mas de bons costumes, desvalorizando a opção realista, crente de outra religião, instala-se na vanguarda bem a seu modo, juntando na mise-en-scène arte do cinema e arte do teatro: criando modelos, representações picantemente oníricas de certas almas típicas da nação. O outro, António de Macedo, instala-se nela com um irrealismo radical. Explora labirintos. Representam as suas figuras esotéricas algum mistério por explicar. Ao contário de Oliveira, Macedo, menos poeta, mais seco na transgressão, mais hermético, mais empenhado no enigma, não interpreta: dá a interpretar. O agora avô terrível do cinema novo, seria o outsider, o enfant terrible que sempre foi.

arte e indústria

A década de oitenta assiste a sucessos de bilheteira. Um dos grandes é O Lugar do Morto (1984) de António Pedro Vasconcelos. A obra de José Fonseca e Costa (Kilas, o Mau da Fita - 1980 e A Mulher do Próximo - 1988) será marcante por essa mesma razão e, mais ainda, por ilustrar a opinião de certos cineastas que defendem a necessidade em Portugal de um cinema de grande público, visto por eles como indispensável para a simples existência ou sobrevivência de uma indústria nacional de cinema.
Em termos de reconhecimento internacional, são no entanto as obras de António Reis, de Manoel de Oliveira, de João César Monteiro, de José Álvaro Morais ou mesmo de João Botelho que mais se farão notar. Em 1985, é atribuido no Festival de Veneza um "Leão de Ouro" ex-aequo a Federico Fellini, a John Huston e a Manoel de Oliveira, com a exibição do seu longo filme O Sapato de Cetim. No ano de 1988 são produzidas em Portugal cerca de quinze longas-metragens, número excepcional na produção média. Em 1989 é a vez de João César Monteiro receber no mesmo festival o "Leão de Prata" (Recordações da Casa Amarela).
O modo de fazer cinema (fazer filmes de autor ou filmes que se vergam aos imperativos comerciais), radicalizando-se em posições extremas, tornar-se-ia, em vários aspectos, objecto de polémica cerrada, por vezes surda e discriminatória, proveniente de antigas querelas e da cisão, mais recente, entre representantes do Novo Cinema, dando origem a duas associações rivais de realizadores. O problema, que prevalece, centra-se nos critérios de apoio financeiro à produção de filmes nacionais, particularmente dependentes dos apoios do Estado.
Um dos oriundos da escola oficial de cinema, Joaquim Leitão, não subestima o grande público e, com outros, terá êxito comercial. Entretanto, o produtor Paulo Branco, afirmando-se como defensor radical da opção artística, tem um papel determinante na divulgação em França de autores e filmes portugueses, ajudado pela circunstância de ser também produtor e distribuidor nesse país.
De assinalar que, num enquadramento político, em particular no enquadramento das políticas audiovisuais, os meados da década revelam mudanças significativas. No cinema, dois factos ressaltam. É o início do fim das cooperativas e de alguns produtores independentes por quebra de laços com a RTP e é, em contraponto, a comparticipação financeira das televisões em projectos de filmes portugueses. O documentário sai de cena, a ficção entra nas luzes da ribalta. Ambas as coisas sugerem que algo de importante mudou e que isso teria consequências. Os factores históricos dessa mudança, que se prolonga nos anos, são complexos e nem sempre se mostram compatíveis com a arte do cinema.

ANOS 90

os velhos e os novos caminhos

A partir da década de noventa, com o aparecimento de uma nova geração de cineastas, em grande parte antigos alunos do Conservatório Nacional (Escola Superior de Teatro e Cinema) – que teve como professores António Reis ou Seixas Santos, um dos seus promotores –, geração favorecida pelos critérios de apoio oficiais a primeiras obras, o cinema portugues renova-se e sofre novo impulso : Pedro Costa, Teresa Villaverde, João Canijo, Manuel Mozos, Fernando Vendrell, Joaquim Sapinho, Margarida Cardoso, vindos da escola de cinema e outros, como Cláudia Tomaz, vindos de outros cursos. Alguns dos mais velhos, raros, como Manoel de Oliveira (Vale Abraão - 1993) ou João César Monteiro, (A Comédia de Deus - 1995) filmam com regularidade.
No ano de 1995 inicia-se uma alternância entre a presença de autores afectos a uma e outra das tendências, acompanhados por alguns de visibilidade mais rara. Adão e Eva, (1995) de Joaquim Leitão, terá o público que ele quer, A Comédia de Deus, um dos filmes de expressão auto-biográfica de João César Monteiro e O Convento, ensaio filosófico de Manoel de Oliveira, terão os seus espectadores, por cá e lá por fora. Dos novos, Joaquim Sapinho, aflorando questões típicas da juventude, tenta o seu jovem público (Corte de Cabelo). Luís Filipe Rocha, persistente no seu particular classicismo, tenta toda a gente (Sinais de Fogo (filme) e Adeus Pai - 1996). No ano de 1996, José Fonseca e Costa aposta na biografia de Álvaro Cunhal para tocar o coração dos portugueses (Cinco Dias, Cinco Noites). Party (Oliveira, com seus improvisos) e Le Bassin de John Wayne (Monteiro, com os seus meneios) preferem tocar o dos franceses. Mas fora alguns verdadeiros devotos, poucos mais corações no mundo se deixam tocar.
Em 1997 Joaquim Leitão, em terra hostil, esforça-se na Tentação, mas há pouca gente disposta a deixar-se tentar. A essa mesma conclusão chega Leonel Vieira que, por idênticas paragens, tenta impressionar com sombrias lembranças (A Sombra dos Abutres), aventurando-se por lugares onde por desgraça poucos portugueses ficam. Lugares semelhantes àqueles a que Oliveira nos leva, numa peculiar Viagem ao Princípio do Mundo: mostrando, desta vez de um modo bem cinematográfico, que nele não é muito habitual, que por tais paragens o bom povo há muito se confronta com o esquecimento. Dos novos, Fernando Vendrell, explorando outras paragens inóspitas onde o futebol é rei, também não consegue : Fintar o Destino (1997). Mantendo o seu público e o seu mérito, o cinema português continua a viajar pouco lá por fora.

alternâncias

No ano de 1998, prolífero em filmes, rodeado de ex-combatentes da guerra colonial que diante do perigo não hesitam em descarregar a metralhadora, Joaquim Leitão faz também a sua viagem a um lugar inquietante, a que chama Inferno (filme). Do grupo de cineastas mais exigentes, apostados na arte pura, Manoel de Oliveira volta ao passado mostrando, com considerações filosóficas, que já nesses tempos a melhor solução seria o suicídio (Inquietude). Paulo Rocha, que menos que Oliveira não pretende, bem tenta mostrar que na velha aldeia da Barquinha, no Douro, as coisas não são diferentes (O Rio de Ouro). Teresa Villaverde, da nova geração, que viaja por mais perto, nos ambientes marginais da cidade de Lisboa, acaba também por demonstrar que por ali não há lugar sem exílio nem gente sem dilacerado rosto: Os Mutantes. João Mário Grilo, «baseado em factos reais, ocorridos na Penitenciária de Lisboa», em ambientes similares, prefere ver coisas como essas bem Longe da Vista. Perante as duras realidades da vida, João Canijo não hesita, escolhe o Alentejo e, recorrendo a um assassino a soldo, mete-se em Sapatos Pretos.
No último ano do século, bem ciente do estado das coisas, agravado por problemas pessoais e quando tudo parece perdido, João César Monteiro volta a meter em cena o alter-ego. Nas tintas para o melodrama, a verdade não é verdadeira, não há nada como a festa. A pobre Joana está a afogar-se. O valente João atira-se à água, salva a inocente e, levando-a nos seus braços, mete-a no convento, e são As Bodas de Deus (1999).
Entretanto a Zona J (1998) de Leonel Vieira é sucesso de bilheteira ao abordar do lado de fora o mesmo tema que Pedro Costa aborda do lado de dentro: os bairros marginais de uma cidade como Lisboa. Depois de uma ficção pura sobre o tema, (Ossos - 1997), escolhe a docuficção para tornar o retrato mais fiel, introduzindo no documentário elementos de ficção, usando uma simples câmara digital mini-DV e uma antropologia mais crua. Pedro Costa fará o seu percurso na tradição dos anos sessenta e setenta, de António Campos a Ricardo Costa, que usavam câmaras ligeiras de 16 mm. Cultivará um cinema em que o olhar se fixa, se cristaliza numa lenta, pesada e exaustiva observação de personagens do universo suburbano – um bairro periférico de Lisboa – seguindo-as, no estar ali ou na mudança, esforçando-se por dar a ver que também nessa humilhada gente há fulgores de nobreza. Nessa fusão de géneros, entre real e ficcional, é cru o seu teatro da miséria. Serge Treffaut, em quem o olho antropológico se ajusta ao tempo, seguirá idêntico percurso, numa perspectiva mais crítica. Filmará em ambientes urbanos com outras etnias, cuja nobreza também não perderá de vista.
Com frequentes toques de melodrama, como nos velhos tempos, na ficção domina a tendência realista, sempre tocada pelas influências da ‘’Nouvelle Vague’’. Além de certas incursões em meios rurais, sobretudo do norte de Portugal, abundam nela retratos de sectores marginais da cidade de Lisboa.

SÉCULO XXI

irreverências, arrojos e inconsequências

O século tem entrada animada. O início é marcado por uma derradeira irreverência do João César Monteiro, que andava mal parado nos seus devaneios auto-biográficos, e pouco tempo depois pelo seu desaparecimento (Fevereiro de 2003). A Branca de Neve, que ele deixou sem imagem, ficaria a negro. Pelos caminhos de um negro imaginário, mas com imagem bem ao vivo, prosseguirá o cinema português – sempre muito fechado em casa, agora um bocadinho mais visto por fora – na tradição realista e no retrato social. Retrato de pessoas e de um país, no caso de José Álvaro Morais, de um país «que agarra as pessoas com tanta força ao mesmo tempo que lhes dá vontade de fugir» (Quaresma (filme), 2003) - Festival de Cannes, Quinzena dos Realizadores, 2003).
João Pedro Rodrigues, cineasta radical, cruel no que exibe (O Fantasma - 2000), provoca à sua maneira ao abordar a obsessão e o fetiche na homossexualidade masculina e o seu filme, em certos dos nossos meios e nalgumas salas lá de fora, torna-se objecto de culto. Influenciada por Pedro Costa, a jovem Cláudia Tomaz, explorando também o tema da marginalidade e da toxicodependência, «um filme só pele e osso», obtém com a sua primeira longa-metragem Noites (2000) o Prémio Melhor Filme da Semana da Crítica no Festival de Veneza. O começo do século é visto em film noir.
Na passagem de 2001 para 2002, a obra de Manoel de Oliveira é tema para uma retrospectiva no Centre Pompidou, em Paris, com a presença do realizador, de ilustres personalidades portuguesas e com particular pompa e circunstância, só quebradas pelo sempre juvenil atrevimento do velho Jean Rouch, cujos amores errantes lhe deixaram na alma imagens fortes de Portugal. Nessa errância, por amor também, dois anos volvidos, soltará ele de vez a sua alma em África, terra de cinema, que O Gotejar da Luz (Fernando Vendrell - 2001) levaria ao Festival de Berlim (2002). No caso do documentário casado com a ficção – tipo de aventura pela qual o irrequieto antropólogo gaulês se pelava –, Pedro Costa leva as coisas ao extremo (No Quarto da Vanda (2000), Festival de Cannes 2002). Em 2003, Ricardo Costa, arriscando por paragens menos urbanas, marca presença com uma docuficção nos Novos Territórios do Festival de Veneza (Brumas - 2001/3).
O grande público é agora mais escasso para o cinema português, não é o mesmo de há vinte anos. O sonho de distribuir filmes no Brasil esvai-se mal se percebe que por lá não seriam melhor as coisas. A Selva (2002) de Leonel Vieira não responde às expectativas. O Delfim de Fernando Lopes fica abaixo do esperado. Afoita-se outra vez Leonel Vieira e dá Um Tiro no Escuro (2005). O Fascínio (2003) de José Fonseca e Costa fica aquém do previsto. O mesmo sucederá em idênticas tentativas. Tipificando pelo lado do teatro como faz Oliveira, João Botelho tenta a comédia em estilo de revista. Rodeada de personagens típicas da nação, A Mulher que Acreditava ser Presidente dos Estados Unidos2003) também lá não chega.
São de 2003 duas viagens à infância, algures como a de Aniki-Bobó: Brumas, docuficção autobiográfica de Ricardo Costa e André Valente, ficção intimista de Catarina Ruivo, uma das excepções com boa presença em França. Desse mesmo ano é Odete, (João Pedro Rodrigues), uma jovem que também se debate com fantasmas. É de João César Monteiro, nesse ano também, a ilustração do seu fantomático ir sem regresso: Vai Vem. Marco Martins, cineasta gráfico, que vê as coisas mais pelo olho que pelo coração, noutro caso ainda em que a infância é fantasma (Alice - 2005), faz-se representar com uma primeira obra no Festival de Cannes e terá o seu público. Em pólo oposto, propenso ao folhetim e sempre teatral na paródia, ilustrando bem a seu modo a força do destino, João Botelho volta a ser visto no Festival de Veneza: O Fatalista (2005).

utopias e apologias

Entretanto, no ano em que, com Stanley Donen, Manoel de Oliveira é homenageado com um "Leão de Ouro" pela sua carreira (o segundo), também no Festival de Veneza (2004), onde foi exibido Um Filme Falado, por cá, mas noutro registo, dá que falar O Crime do Padre Amaro, de Carlos Coelho da Silva, que se apresenta em estilo de telenovela, bem temperada, versão cinematográfica de uma série da SIC. É filme pensado para entrar na guerra das audiências e nas salas de cinemas obtém grandes resultados. Sucede algo de parecido com o Filme da Treta (2006), um filme de José Sacramento, no humor rasteiro de Luís de Carvalho e Castro, montagem de sketches de uma série de televisão da SIC adaptada a cinema.
O ano de 2006 caracteriza-se pela manifestação de duas divergências entre convergências de colegas de escola. Fernando Lopes (98 Octanas) e José Fonseca e Costa (Viúva Rica Solteira não Fica) continuam convergindo no desejo de melhores audiências com temas apelativos. No retrato de grupos marginais – imigrantes russas votadas ao sub-mundo ou desenraisados de alma mestiça vindos de um bairro de lata – convergem Teresa Villaverde (Transe - 2006) e Pedro Costa (Juventude em Marcha) - 2006, ambos presentes no Festival de Cannes, o último dos quais terá forte apoio institucional (Instituto Camões, ICA, Cinemateca Portuguesa) visando a promoção do seu autor na América do Norte e Inglaterra.
Agora, mais com apoios oficiais que televisivos, prossegue a tradição experimental no documentário outro grupo de jovens, alguns deles já com algum currículo : Pedro Sena Nunes, Catarina Alves Costa, Catarina Mourão, Sílvia Firmino, Miguel Gonçalves Mendes, Luísa Homem, Susana Sousa Dias, Cristina Ferreira Gomes e outros. A árvore deixaria seus frutos.
Na área do filme experimental, utilizando o vídeo, artes plásticas e as tecnologias digitais como ferramenta, Edgar Pêra, vídeo-cineasta polémico, é um dos autores mais originais das novas gerações.

perspectivas

Despercebidamente misturam-se géneros e linguagens, o vídeo e a televisão entram em força no reino do cinema. A meio de uma década em crise vê-se o cinema português numa encruzilhada. Tem diante de si questões delicadas que ainda ninguém sabe lá muito bem como resolver.
A questão complica-se com o maniqueísmo de alguns críticos de cinema, bem instalados na comunicação social, que preferem esse modo de ser e que, como historiadores, optam com frequência pela prática da omissão. O mesmo sucede com alguns comentadores que do mesmo modo elegem o princípio do «bom gosto» e do consenso táctico em desfavor da análise informativa, de uma avaliação menos parcial e menos subjectiva, da critica sem elogio ou desprezo, dos filmes que vão saindo. O «público», que já se habituou a excumunhões e santificações no átrio da igreja, desconfia e não acredita em nada disso, preferindo, com o pouco que tem, deixar-se levar pelo alarde brejeiro que fazem as televisões que lhes condicionam o gosto.
A crise que o cinema português vai vivendo desde a passada década perante a concorrência do pequeno écran é de ordem conjuntural e cultural. É possível que, em coisas dessa ordem, com a explosão do digital, da aproximação do pequeno ao grande écran, com a banda-larga, com o progresso dos novos suportes áudio-visuais, alguma coisa mude.

Consulta

  1. O Cinema Mudo Português em Amor de Perdição (base de dados)
  2. 75 Anos em 2007 (Cronologia da Tobis na pág. da Tobis)
  3. Dos filmes sonoros ao cine-clubismo (1945-1962)
  4. Paulo Cunha Modernidade e tradição no discurso do novo cinema português (1955-74)
  5. Paulo Filipe Monteiro; Uma margem no centro: a arte e o poder do «novo cinema» in Luís Reis Torgal (coord.), O Cinema sob o Olhar de Salazar, Lisboa, Círculo de Leitores, 2000, pp. 306-338
  6. 6,0 6,1 José Filipe Costa; A revolução de 74 pela imagem: entre o cinema e a televisão; 2001

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