Aprender, Aprender Sempre ! (Lenine) ..... Olá, Diga Bom Dia com Alegria, Boa Tarde, sem Alarde, Boa Noite, sem Açoite ! E Viva a Vida, com Alegria e Fantasia (Victor Nogueira) ..... Nada do que é humano me é estranho (Terêncio)
Presidente da Câmara de Santa Comba Dão considera "ridículos" os fundamentos para a recusa do registo da marca que pretendia usar para comercializar vinhos e outros produtos regionais.
O Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) chumbou a marca Memórias de Salazar, alegando que a mesma continha “elementos susceptíveis de pôr em causa a ordem pública”.
“Toda a argumentação é ridícula e demonstrativa da falta de maturidade democrática”, reagiu esta quarta-feira o presidente da Câmara de Santa Comba Dão, João Lourenço, que tentou registar a marca para comercializar vinho e outros produtos regionais.
No ofício que torna definitiva a recusa do registo da marca, de 20 de Setembro deste ano, o INPI baseia toda a argumentação na alínea c) do n.º 4 do artigo 238.º do Código de Propriedade Industrial, que determina que “para que esteja apta a cumprir uma função distintiva, uma marca nacional não poderá ser composta por elementos contrários à moral ou à ordem pública ou ofensivos da legislação nacional e comunitária”.
Para demonstrar que aquele artigo se aplica à marca “constituída pela composição verbal Memórias de Salazar”, os responsáveis pela recusa produziram um texto que ocupa página e meia do ofício sobre António de Oliveira Salazar, que consideram “uma figura histórica bastante controversa no panorama nacional e, sobretudo, a nível político”.
“Como fundador do Estado Novo, foi presidente do Conselho de Ministros, durante mais de 40 anos, período no qual é reconhecido grande autoritarismo exercido através da propaganda política e da repressão”, pode ler-se no ofício.
Como meios para exercer a repressão, os autores destacam “a censura e a polícia política”, frisando que, através destas, Salazar “almejava, por um lado, doutrinar obrigatoriamente a população portuguesa de acordo com a sua ideologia e, por outro, combater os seus opositores políticos”.
Câmara não desiste
A argumentação prossegue com a afirmação de que Salazar, “estadista muito contestado na opinião pública, é habitualmente associado ao movimento fascista, à ditadura e à repressão, características com as quais o cidadão comum – no momento actual – não se identifica”.
Neste contexto, os autores do texto consideram que “o normal cidadão dotado de sensibilidade e tolerância se sentiria ofendido quer com a exposição comercial, quer com a protecção legal do sinal registado”.
Na conclusão, mantém-se o registo: “Salazar é maioritariamente considerado um ditador que governou um período negro da História portuguesa” e “no Estado democrático actual, a concessão do registo violaria, indubitavelmente, o conjunto de princípios fundamentais que norteiam o sistema jurídico”. “A bem da ordem pública e do interesse social”, determinam, aqueles princípios “devem prevalecer sobre o interesse particular”.
Em declarações ao PÚBLICO, o presidente da Câmara de Santa Comba Dão, que não chegou a intervir na fase em que a recusa se manteve como provisória, considerou “toda a situação ridícula”. “Com pessoas que ainda não perceberam que vivemos há quase 40 anos em democracia vou argumentar com quê?”, perguntou.
Tenciona apresentar alternativas, mas sempre com a palavra Salazar. “Talvez tirando as ‘memórias’ o problema se resolva”, disse, admitindo a possibilidade de pedir o registo deVinhas de Salazar.
Concertos no estrangeiro cresceram 20%, obras para uma nova oficina da guitarra portuguesa arrancam no próximo ano e vão começar a sair as gravações histórica
A candidatura do fado a património mundial implicou seis anos de trabalhoFERNANDO VELUDO*
Foi há um ano. A sessão do comité do património mundial ia longa e já poucos acreditavam que a candidatura do fado fosse a votação naquele dia. O debate à volta dos dossiers de outros países tinha-se complicado em questões de fundo e pormenores burocráticos. Mas, quando finalmente chegou o momento de analisar a proposta portuguesa, bastaram cinco minutos para que se chegasse a uma decisão – os 23 delegados presentes naquela reunião da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) em Bali, na Indonésia, votaram a favor da inclusão do fado na lista do Património Cultural Imaterial da Humanidade. Às 20h30 (12h30 em Lisboa), a canção de Lisboa passou a ser (ainda mais) do mundo.
Sara Pereira estava em Bali nesse dia e lembra-se bem da ansiedade que antecedeu a votação. Para a directora do Museu do Fado e membro da comissão científica que em 2005 começou a trabalhar na candidatura, este primeiro aniversário do fado património mundial é feito num clima de grande optimismo em relação ao cumprimento dos objectivos do plano de salvaguarda previsto, um dos pontos fortes da proposta portuguesa.
Este plano, explica a directora do museu lisboeta onde hoje às 20h30 há festa com um pequeno concerto de Camané e Ana Moura, é visto pela Unesco como condição essencial para a preservação e divulgação do bem classificado. No caso do fado, inclui um programa editorial (livros e discos), a constituição de um arquivo digital, o reforço e melhoria da oferta turística (roteiros e casas de fado), e o trabalho com as escolas públicas e privadas de todos os graus de ensino, sobretudo as especializadas em música.
“Progredimos muitíssimo neste último ano”, diz Sara Pereira, que dividiu o comissariado científico da candidatura com os musicólogos Rui Vieira Nery e Salwa Castelo-Branco, ambos envolvidos no desenho e execução do referido plano de salvaguarda. “As edições estão em curso e algumas vão ser já lançadas até ao fim do mês, outras na Primavera. O trabalho com as escolas também tem vindo a ser feito. Temos o projecto de arquitectura da oficina da guitarra portuguesa quase pronto e contamos abrir concurso para a construção dentro de pouco tempo.”
Esta oficina, que será criada no Largo da Achada, na Mouraria, vai juntar as escolas de dois mestres da construção da guitarra, Óscar Cardoso e Gilberto Grácio, e deverá estar concluída em 2014. Mas o trabalho com as escolas não passa apenas pelos instrumentos. Dar formação aos professores do ensino regular para que aprendam a introduzir o fado nas disciplinas que o currículo inclui é outras das prioridades. E chamar a atenção dos alunos pode passar por pôr fadistas a aparecer nas escolas, como aconteceu já com Mariza, que foi dar uma aula na secundária Dona Luísa de Gusmão. “O importante é que alunos a professores percebam que o fado é um tema transversal. Não tem de ficar fechado nas aulas de música – também é história, língua portuguesa, desenho…”
O programa editorial é mais visível nos protocolos estabelecidos com a Imprensa Nacional – Casa da Moeda (INCM) e com o Instituto de Etnomusicologia da Universidade Nova. O primeiro prevê uma colecção dedicada ao fado com 20 títulos, uns inéditos, outros esgotados no mercado. O segundo implica o lançamento de uma série de gravações históricas – o primeiro CD, com temas que vão de 1904 ao início dos anos 1950 e a voz de fadistas como Isabel Costa, Hermínia Silva, Armandinho e a célebre Júlia Florista, sai até ao fim do ano.
“Os livros e os discos são muito importantes porque tornam este património acessível”, sublinha Sara Pereira. Na colecção da INCM, que abriu com a reedição de Para uma História do Fado, de Nery, serão publicados Fado Canção de Vencidos, de Luiz Moita, e Os Ídolos do Fado, de A. Victor Machado, ambos de meados da década de 30 e compreensivelmente fora de circulação há muito tempo.
No plano dos discos, e segundo a agência Lusa, a classificação do fado como património mundial deu dinâmica ao mercado, embora neste último ano as vendas não tivessem um crescimento tão significativo com o esperado. Isso explica-se, diz João Teixeira da EMI, porque já havia uma “vitalidade fantástica, que vinha de trás e que se tem traduzido no aparecimento de novos e óptimos intérpretes, na renovação de reportório, de arranjos, de mais edições a conquistarem novos mercados”.
Onde a marca-Unesco parece ter mais peso é no circuito dos espectáculos ao vivo. Vítor Macedo, da Movieplay chama-lhe um “carimbo de qualidade” capaz de atrair os promotores de concertos internacionais. “Abriram-se novas portas nos canais de comunicação e promoção, quebraram-se algumas barreiras de preconceitos”, acrescentou à agência Pedro Matias, da Ovação, reconhecendo que agora a procura de edições de fado é maior, assim como “o respeito e interesse pela música nacional”.
Esse interesse, explica ao PÚBLICO Sara Pereira, tendo por referência dados recolhidos pela associação Musica.pt, reflecte-se sobretudo nos espectáculos internacionais. Em 2006, diz a directora, 40% dos concertos de portugueses no estrangeiro eram de fadistas, ao passo que os números de 2011 e do primeiro semestre deste ano apontam para os 60%. “É claro que isto se deve a um caminho de renovação que o fado vinha já fazendo, mas a Unesco também ajudou na promoção.”
É para divulgar e promover melhor o fado e as casas onde ele se canta que o museu tem disponível a partir desta terça-feira um roteiro virtual que passa também pela Fundação Amália Rodrigues e pelas colectividades em que muitos começam a interpretá-lo, seja na voz, seja na guitarra. O museu municipal que Sara Pereira dirige criou também, em colaboração com a Associação de Turismo de Lisboa, um grupo de consultoria que está a trabalhar com os donos das casas de fado. O objectivo é levar esses especialistas em gastronomia, restauração e comunicação a melhorar, “sempre que isso é necessário, a oferta de cada estabelecimento: nas refeições que serve, na imagem que passa para o exterior e na forma como transmite as suas actividades e tenta cativar os turistas portugueses e estrangeiros”.
Esta terça-feira, o aniversário é marcado pela câmara de Lisboa com a entrega da medalha municipal de mérito a personalidades e instituições ligadas ao fado e à guitarra portuguesa, de Beatriz da Conceição a António Chainho, passando por Ada de Castro, Fernando Alvim e Pedro Caldeira Cabral. O Turismo de Lisboa prolonga a festa até 2 de Dezembro, propondo um roteiro por sete casas de fado com menus e preços especiais (www.visitlisboa.com).
Utilizando uma tecnologia informática que capta a luz ambiente de uma forma semelhante ao sistema visual humano, foi possível ver, pela primeira vez, um interior romano com os olhos de outrora
Século I da nossa era. Os donos de uma sumptuosa vila romana da antiga cidade de Conímbriga recebem convidados e fazem as honras da casa. Com evidente orgulho, mostram os magníficos frescos e mosaicos que cobrem respectivamente as paredes e o chão de várias divisões. A fraca luz emitida pelas lâmpadas de azeite faz ressaltar os tons avermelhados das pinturas e dos motivos geométricos do chão. A visão é arrebatadora, mas ao mesmo tempo reconfortante, cálida... Lá fora, no jardim interior da moradia, o barulho da água a jorrar dos repuxos contribui para acentuar o prazer dos olhos e essa sensação de bem-estar.
A descrição poderá parecer ficcional, mas não é. Graças ao trabalho liderado por Alexandrino Gonçalves, do Departamento de Engenharia Informática do Instituto Politécnico de Leiria, e colegas – cujos resultados deverão ser publicados para o ano no Journal of Archaeological Science – foi possível, pela primeira vez, fazer uma simulação virtual em 3D de um interior doméstico romano que, do ponto de vista visual, corresponde com uma fidelidade sem precedentes ao que viam as pessoas que lá entrassem há 2000 anos.
Para reconstituir os edifícios da antiguidade com a ajuda de computadores não basta simular a sua decoração tal como ela era quando estavam em uso. De facto, existe hoje um crescente interesse dos arqueólogos pelas condições em que esses ambientes eram percebidos pelos seus habitantes – em particular devido aos métodos de iluminação –, porque isso pode ter um papel importante na interpretação dos achados arqueológicos.
“A forma como visualizamos os frescos e os mosaicos pode dar azo a diferentes interpretações”, disse ao PÚBLICO Alexandrino Gonçalves. E citou um outro exemplo – um projecto de Alan Chalmers, da Universidade de Warwick, Reino Unido, também co-autor do estudo agora publicado –, no qual foi comparado o aspecto visual de hieróglifos egípcios iluminados com lâmpadas onde ardia óleo de sésamo com uma iluminação com luz natural. Os resultados sugerem que os antigos egípcios viam tons de verde onde nós vemos hoje tons de azul. “Isso poderá ter implicações religiosas e permitir várias interpretações”, faz notar Alexandrino Gonçalves.
Voltando a Conímbriga, os cientistas focaram-se na Sala das Caçadas (assim designada devido ao tema dos mosaicos do chão) da Casa dos Repuxos, uma mansão cuja construção data do início do século I da era cristã.
Como explicam no seu artigo, que já se encontra publicado online, a única forma de recriar esse ambiente foi através de cenários virtuais, uma vez que a residência romana em questão está hoje em ruínas, o que torna impossível mergulhá-la na sua iluminação original. Isto, explica Alexandrino Gonçalves, porque as casas romanas não tinham janelas – “tinham pavor que alguém lhes entrasse pela casa” – e portanto o seu interior era sempre apreendido com luz artificial.
Mas antes de passarem à fase da reprodução por computador da “luz antiga” da Sala das Caçadas, os cientistas tiveram de simular, com objectos reais, a iluminação da época luso-romana, de forma a medir as suas características físicas e poder transferir esses dados para o software de simulação.
Lâmpadas de azeite
Há dois milénios, as grandes casas romanas eram iluminadas com lâmpadas de azeite (“as tochas causavam muitos incêndios”, frisa Alexandrino Gonçalves). Estas lucernas eram pousadas no chão ou no topo de altos candelabros – e colocadas em “posições estratégicas” para realçar a decoração vertical e horizontal das salas.
Muitas dessas lâmpadas foram encontradas nas escavações de Conímbriga e a primeira etapa do estudo consistiu portanto em reconstituí-las fielmente partindo de várias réplicas, de barro como as originais, cedidas à equipa pelo Museu Monográfico de Conímbriga.
Depois veio a questão dos outros componentes: o azeite, os pavios. Ora, o azeite não era igual ao que consumimos hoje – não tinha aditivos – e os pavios eram de linho ou algodão. A tarefa não foi fácil, conta Alexandrino Gonçalves: felizmente, foi possível obter amostras de azeite produzido com métodos tradicionais, “à antiga, de uma maneira que hoje não seria autorizada pela ASAE por razões de higiene”. E mais: como os romanos adicionavam sal ao azeite, os cientistas também tiveram o cuidado de escolher uma fonte de sal puro, que veio neste caso das minas de sal da Figueira da Foz. (Este trabalho minucioso é descrito pelos cientistas no seuartigo, com todos os pormenores.)
As lâmpadas foram a seguir colocadas numa sala de dimensões idênticas à da Sala das Caçadas, às escuras e perfeitamente fechada para evitar que correntes de ar pudessem perturbar as chamas das lucernas. E, com a ajuda de um espectro-radiómetro, os cientistas mediram a reflexão da luz das lâmpadas nas superfícies da sala – não só com “luz antiga” (azeite “antigo” e sal), mas também com azeite “antigo” sem sal e com azeite “moderno”. Conclusão: embora o azeite mais próximo do utilizado pelos romanos produzisse uma luminosidade 50% menos intensa do que o azeite mais semelhante ao do comércio actual, a adição de sal mais do que compensava esta perda.
Assim, antes de mais, o estudo veio explicar o porquê de algo que até aqui os arqueólogos apenas sabiam através da literatura. Virgílio Correia, Director do Museu Monográfico de Conímbriga, que acompanhou de perto o estudo, explica-nos que, efectivamente, o célebre naturalista romano Plínio refere nos seus escritos “que a adição de sal ao azeite aumenta as suas propriedades químicas”. A análise espectro-radiométrica realizada por estes cientistas veio agora comprová-lo. “Comprovámos experimentalmente que, desta forma, o azeite durava mais tempo e emitia 60% mais luz”, diz por seu lado Alexandrino Gonçalves.
Imagens só vistas
A partir dos dados de luminosidade, os cientistas reconstituíram virtualmente o cenário da Sala das Caçadas gerando imagens ditas de alto alcance dinâmico (HDR ou high dynamic range). A sensibilidade desta tecnologia é de tal ordem que permite igualar a extrema sensibilidade do nosso sistema visual em condições de fraca iluminação. “É a primeira vez que se faz uma reconstituição virtual deste tipo com HDR”, diz-nos Alexandrino Gonçalves.
A última etapa do estudo levaria o investigador à Universidade de Warwick, ao laboratório de Alan Chalmers, um dos poucos locais no mundo que dispõe de ecrãs HDR, capazes de apresentar as imagens HDR em todo o seu esplendor. Ali, ao longo de várias semanas, os cientistas mostraram as imagens da Sala das Caçadas a umas dezenas de voluntários – em “luz antiga”, mas também em luz eléctrica – e pediram-lhes para responder a diversas perguntas acerca da sua percepção do cenário virtual que estavam a ver. Os tons de cor dos mosaicos, nomeadamente, revelaram ser percebidos de forma diferente em cada um destes dois modos de iluminação: vermelhos cálidos no primeiro; acastanhados no segundo. A luz antiga criava, segundo referiram quase unanimemente os voluntários, uma sensação reconfortante, cálida, relaxante que contrastava fortemente com a atmosfera fria e as cores sem relevo vistas à luz de lâmpadas eléctricas.
A equipa também realizou experiências em que, graças a um sistema detracking, seguiram o rasto do olhar dos participantes à medida que estes observavam as imagens. E aqui constataram que, ao passo que “com luz romana, o olhar se fixava mais nos frescos e nos mosaicos, com luz eléctrica a dispersão do olhar era maior”, frisa Alexandrino Gonçalves. “Isto vai no sentido do que se pensava”, acrescenta: “Os romanos gostavam de impressionar as visitas com os seus mosaicos e frescos e colocavam as lucernas nos sítios estratégicos para os tornarem mais espectaculares.”
Para além do interesse arqueológico de uma visualização historicamente fidedigna dos ambientes do passado, existe também “uma vertente de comunicação com o público”, diz-nos Virgílio Correia, “porque muitas vezes as reconstituições dos arqueólogos são dificilmente entendíveis pelo público em geral”.
Mas terá sido mesmo assim que os comensais de outrora viam o seu ambiente doméstico? “Nunca conheceremos exactamente o aspecto do passado”, concluem os cientistas no seu artigo. “No entanto, para conseguirmos uma interpretação mais fiel dos cenários que outrora foram habitados pelos nossos antepassados, temos de os ‘iluminar’, no meio das sombras, como eles o foram no seu tempo.”
Anónimo
Ler o "Elogio da Sombra", de Jun'ichiro Tanizaki. É disto que fala, mas aplicado à arquitectura japonesa.
Anónimo
Que me desculpem os artistas gráficos, mas nem lucernas nem candelabros emitem luz daquela cor ou intensidade, nem a sala tem aquela difusão. A difusão é uma propriedade dos materiais que levam com luz, e os materiais naquelas salas de Conímbriga, pelo que tenho visto, são pouco difusos. Ou seja, na realidade haveria mais penumbra do que se mostra. Mas foi uma boa ideia, é só regular alguns parâmetros.
Obrigado pelo seu comentário, mas o que refere não é correto. É um facto quem se deslocar hoje às ruínas tem a noção que as superfícies que ainda restam são difusas (pouco refletoras), no entanto muitos séculos passaram e as propriedades refletivas dos materiais se desvaneceram com o tempo, pois segundo os especialistas em arqueologia Romana, aquelas paredes e frescos tinham um elevado nível de especularidade (reflexão). Inclusive foi-me referido que os frescos eram revestidos de uma “cera” precisamente para realçar ainda mais a especularidade dos mesmos. Relativamente à questão da iluminação, sugiro-lhe que leia o artigo referido na notícia do «Público» onde é explicado todo o processo de simulação da luz Romana efetuado no modelo virtual. Mas, num breve resumo poderemos referir que......os valores das propriedades da luz (figura 2 no artigo) foram obtidos por um espectro-radiómetro, onde foram posteriormente inseridos um sistema de simulação físico de iluminação, nomeadamente o «Radiance», unanimemente considerado como um dos melhores motores de “render” existentes: “One study found Radiance to be the most generally useful software package for architectural lighting simulation.” (http://en.wikipedia.org/wiki/Radiance_(software)). Ou seja, dado o rigor científico que se pretendia, este longo trabalho não foi, de todo, “só regular alguns parâmetros.”. Nós não somos artistas gráficos, nem tão pouco arqueólogos, somos “apenas” técnicos que desenvolveram um trabalho de simulação virtual do nosso rico legado cultural. Cumprimentos Alexandrino Gonçalves
O Antigo Hotel Vitória é um dos 54 edifícios abertos gratuitamente durante o fim-de-semanaMIGUEL MANSO
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São mais de 50 edifícios que se podem visitar durante sábado e domingo, o que obriga a uma escolha. As hipóteses são muitas: há casas particulares e edifícios públicos, palácios, teatros, edifícios comerciais, igrejas, zonas como o Bairro de Alvalade (“à procura dos Verdes Anos de Belarmino”), e locais tão inesperados como as instalações da RTP ou a Estação de Tratamento de Águas Residuais de Alcântara. Alguns estão habitualmente abertos ao público, outros não. Mas mesmo naqueles que podemos visitar noutras alturas do ano, temos neste fim-de-semana a oportunidade de o fazer numa visita guiada, em alguns casos com os arquitectos responsáveis pelo projecto.
A escolha passará, obviamente, pelos interesses pessoais, mas deixamos aqui algumas pistas, com cinco sugestões de locais possivelmente menos conhecidos ou mais difíceis de visitar habitualmente.
Teatro Thalia (Fortunato Lodi/Gonçalo Burne com Diogo Seixas Lopes e Patrícia Barbas, 1842/2012)
O teatro foi projectado no século XIX pelo arquitecto italiano Lodi para o entretenimento particular do Conde Farrobo. Fê-lo à semelhança do Teatro Nacional D. Maria II mas numa escala mais reduzida. O Thalia, onde se representaram diversas óperas, foi destruído por um incêndio e esteve muito tempo em ruínas, mas o local, que está na dependência do Ministério da Educação e Ciência, foi recentemente recuperado e pode novamente acolher espectáculos.
Antigo Hotel Vitória (Cassiano Branco, 1936-37)
É actualmente centro de trabalho do Partido Comunista Português, e um dos prédios mais marcantes da Avenida da Liberdade, com as suas varandas a terminar em estruturas circulares. Durante o período em que funcionou como hotel, os seus quartos foram frequentados por espiões alemães durante a II Guerra Mundial.
Casa Sofia e Manuel Aires Mateus – Sofia e Manuel Aires Mateus, séc. XVIII/2003-06
Não é todos os dias que se tem a oportunidade de visitar a casa particular de dois arquitectos, recuperada pelos próprios. Neste caso, é um edifício do século XVIII situado na encosta do Castelo, com um jardim e vista sobre as coberturas da Baixa e o rio. Pode-se perceber como é que os arquitectos adaptam um edifício secular às necessidades actuais, e ouvir histórias como a da descoberta inesperada de uma cisterna durante as obras.
Centro de Comando Operacional de Lisboa – Gonçalo Louro & Cláudia Santos Arquitectos Lda, 2007
Também não é todos os dias que se pode entrar no espaço que acolhe todos os sistemas de comando e controlo da circulação ferroviária da zona centro. O edifício tem, explica a organização da Open House, “características técnicas e funcionais de grande complexidade, nomeadamente na construção espacial da sala de comando.”
Supremo Tribunal de Justiça – vários autores, séc. XVIII
É uma lição de História entrar no local que representa o topo da organização judiciária em Portugal. O Supremo Tribunal de Justiça, a funcionar desde 1833, foi logo instalado no Palácio. O edifício formava o terceiro dos seis quarteirões pombalinos no lado Nordeste da Praça do Comércio, reconstruída após o terramoto de 1755.
Guiné-Bissau, 2011 é um livro sobre uma viagem que Ana Vaz Milheiro, crítica do PÚBLICO, fez ao país africano à procura da arquitectura do Estado Novo. A autora escreveu uma versão para o jornal
Na perspectiva do arquitecto, a viagem nunca é um tema inocente. No caso de Bissau e da Guiné, a viagem pode significar o encontro com uma arquitectura muito particular: uma arquitectura mal-amada e proscrita dos manuais que abordam o extraordinário surto da arquitectura de perfil moderno nos actuais países africanos que falam português.
Fui à Guiné-Bissau à procura da arquitectura do Estado Novo. A viagem decorreu entre 3 e 10 de Outubro de 2011 e acompanharam-me Eduardo Costa Dias, sociólogo e visita constante na Guiné desde a independência, e Paulo Tormenta Pinto, arquitecto e estreante no país, como eu. Até ao desembarque, a imagem que tinha da Guiné-Bissau baseava-se nas pesquisas iniciadas três anos antes. Faltava o confronto com a cidade “real”. Na madrugada de 3 de Outubro, alojámo-nos na pensão Creola. A viagem levou-nos ainda a Safim, Empada, Nhabijões, Bafatá, Gabu, Sonaco, Contuboel, Bula, Canchungo, Cacheu e Mansoa.
A arquitectura que procurava foi produzida durante o regime do Estado Novo por arquitectos sediados em Lisboa e que trabalham para o Ministério das Colónias (depois de 1951, Ministério do Ultramar) como funcionários públicos. Nomes que raramente se citam e que correspondem a visões mais conservadoras, como João Aguiar, Lucínio Cruz, Eurico Pinto Lopes ou Mário de Oliveira, até aos “quase modernos”, casos de João Simões, Fernando Schiappa de Campos, Luís Possolo, António Seabra, António Sousa Mendes, Emília Caria, António Moreira Veloso, Alfredo Silva e Castro.
Todos trabalharam para a Guiné. Mas é esta arquitectura, para lá de algumas estruturas fortificadas mais antigas (casos do fortim e Cacheu ou do forte de Amura, em Bissau), do edificado de sabor oitocentista (presente em Bafatá, por exemplo, ou na antiga capital Bolama), e dos equipamentos promovidos pela Primeira República, a expressão dominante.
Percorrer Bissau, capital desde 1941, é visitar uma cidade jardim africana que mantém intacta a escala doméstica, ou melhor, uma City Garden nos Trópicos. Sucessivos bairros residenciais foram dando à cidade o perfil que hoje ostenta, desde o primeiro bairro de inspiração deco, composto por um conjunto de casas cúbicas para funcionários públicos erguidas antes de 1945, com terraços visitáveis, passando pelas casas construídas pelo arquitecto Paulo Cunha em 1946 (hoje figura quase omitida pela historiografia de arquitectura, mas personagem central na realização do famoso Congresso de 1948), terminando no bairro com casas de dois pisos para os funcionários dos Correios. A cidade é portanto um laboratório de habitação de promoção pública construída entre o final da Segunda Guerra e a década de 1960.
Menos visíveis, porque em zonas periféricas e portanto sujeitas a maiores transformações, são as experiências no domínio da casa para as populações africanas realizadas pelos arquitectos que trabalham a partir de Lisboa e que se iniciam no final dos anos de 1950. Levantamentos sobre a casa guineense, nas suas diversas configurações étnicas, são conhecidos desde 1948. Orlando Ribeiro, em missão geográfica pelo território, em 1947, também se interessou pelo assunto.
Mas os arquitectos propõem, na sequência dos seus próprios estudos, novos bairros e casas (melhoradas em termos de organização funcional, mas realizadas em sistema de auto-construção). A casa é então, e segundo defendem, um “meio civilizador” e portanto central. Facilmente reconhecível é o bairro de Santa Luzia, uma das primeiras experiências em alojamento para africanos impulsionadas pelo Estado Novo e, mais tarde, o bairro da Ajuda, erguido na década de 60. Este último destina-se aos desalojados do incêndio que, no início de 1965, destrói parte dos assentamentos informais que circundam a capital da Guiné. Em 1968, estão já terminadas 140 casas, ocupando um rectângulo de 300 por 700 metros. É traçado pelos serviços das Obras Públicas guineenses. Os fundos são angariados localmente e os trabalhos contam com o apoio das forças militares que, em plena guerra colonial, procuram cativar as populações.
Uma avenida de 1919
Mas se a arquitectura doméstica representa um capitulo extraordinário da fase final da colonização portuguesa, Bissau constitui um exemplo paradigmático do que é a estratégia urbanizadora que o Estado Novo empreende a partir do fim da Segunda Guerra. Em todas as cidades africanas, dependendo naturalmente da sua escala e hierarquia no sistema colonial, é implementado um conjunto de equipamentos que complementam as estruturas habitacionais.
Os equipamentos cobrem todos os programas que definem um lugar urbano: hospitalar e assistencial, educativo, desportivo e recreativo, religioso e de representação do poder político. Em Bissau, o plano da cidade implementado em 1919, ainda durante e Primeira República, da autoria do engenheiro de minas José Guedes Quinhones, deixa como legado urbano a estrutura viária e a indicação da localização dos principais equipamentos (já um “zonamento” na visão dos urbanistas). O plano de Quinhones lê bem o território, desenhando um eixo viário que liga a zona baixa do porto a um ligeiro promontório, onde se situa a actual praça dos Heróis Nacionais. Ao longo desta avenida — hoje com o nome de Amílcar Cabral — implantam-se os principais edifícios: tribunal, sé catedral (monumento cristão numa sociedade predominantemente muçulmana e animista), sede dos Correios (com mercado nas traseiras, destruído por um incêndio em 2006), e a União Desportiva Internacional de Bissau, culminando na velha praça do Império, de implantação circular. Em torno desta praça, erguem-se quatro edifícios expressivos das diferentes fases do Estado Novo: as ruínas do Palácio do Governo (que em breve os chineses transformarão), de expressão monumental e historicista; a sede moderna do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde, criado em 1956 por Cabral, Aristides Pereira e Luís Cabral), desenhada por Jorge Chaves no final dos anos de 1940; o museu, seu contemporâneo, projectado pelos arquitectos do Gabinete de Urbanização Colonial; e a sede da TAP, já dos anos dos 1970, do arquitecto José Pinto da Cunha, então fixado em Luanda.
Alguns edifícios guardam memórias extaordinárias. O Palácio do Governo, por exemplo, ocupa exactamente o lugar que Guedes Quinhones terá imaginado no plano de 1919. Preside à antiga Praça do Império. Insere-se numa arquitectura de representação política que começa a ser aperfeiçoada na segunda metade da década de 40 e que se estende do “Portugal europeu” ao “Portugal africano e asiático”. As suas fachadas conhecem muitas versões. Os responsáveis pelo edifício actual, delineado em 1945, são João António Aguiar e José Manuel Galhardo Zilhão. É bombardeado na guerra de 7 de Junho de 1998. Contemporânea é a actual Sé, urdida por João Simões ainda em 1945, em plena génese do Gabinete de Urbanização Colonial. É um edifício que se aproxima da primeira abordagem que os arquitectos do Estado Novo tentam em África: a elaboração de um estilo original para os Trópicos, sem abdicar dos temas da arquitectura tradicional portuguesa. Preferem, por afinidade climatérica, o sul.
Pequenas Bissaus
Sair de Bissau é perceber como a cidade foi replicada em outras vilas e aglomerados guineenses. A operação intensifica-se com as comemorações do 5º centenário que, em 1946, em pleno governo de Sarmento Rodrigues, celebram a presença portuguesa nesta região africana. Cacheu, Mansoa, Gabú, Canchungo, São Domingos, Farim, Fulacunda, Bolama, Bubaque, Catió e Bafatá estão entre as povoações melhoradas. O engenheiro Eduardo José de Pereira da Silva assina, enquanto chefe da Repartição Central dos Serviços Geográficos e Cartográficos da Guiné, este conjunto de planos urbanos, depois publicados no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa.
Nestes aglomerados, traçados ortogonais tornam as estruturas urbanas mais complexas, admitindo-se igualmente pequenas praças arborizadas, apetrechadas com equipamentos de lazer e parques infantis. A intervenção pode concentrar-se numa nova avenida, como acontece em Bafatá, cidade natal de Amílcar Cabral, ligando a zona baixa da cidade preexistente às áreas de expansão; configurar uma ampliação, como em Mansoa, onde se alarga a quadrícula existente e a nova avenida funciona como um novo centro de tipo boulevard (que alberga a central eléctrica, a escola, o posto sanitário, duas caixas de água e duas residências administrativas); ou corresponder a uma nova fundação, alterando-se a toponímia local para outra de inspiração metropolitana (Gabú passa a Nova Lamego; Canchungo passa a Teixeira Pinto, por exemplo).
Em Gabú, a quadrícula da cidade presta-se a uma maior disseminação dos equipamentos principais. Já em Canchungo, a avenida centraliza o investimento: residência oficial, administração e posto de correios formalizam a “praça” de representação; escola, depósito de água, casas de funcionários, igreja, estruturas de saúde, distribuem-se ao longo do eixo.
A Guiné assiste assim à disseminação de um padrão “desenvolvimentista” assente num modelo urbano. Em Cacheu, núcleo fundado cerca de 1588, que entra em decadência durante o século XIX, é aberta a actual Avenida do 4º Centenário (celebrado pós-independência em 1988), lateral ao núcleo histórico e ao forte. A nova avenida termina num largo, sobre o rio Cacheu, que nos anos de 1960 recebe um padrão das comemorações henriquinas (implantado também em outras antigas províncias portuguesas ultramarinas). A escala da avenida distancia-se quer das preexistências quer das novas construções. Casas de funcionários, igreja ou sede do governo mantêm uma aparência modesta. O facto aumenta ainda mais o caracter expectante que a cidade comunica. Deste modo, a estrutura urbana permanece como um elemento à espera de ser ocupado. A exemplo das restantes cidades guineenses, esta avenida monumental compõe, na verdade, o cenário ideal às visitas de estado dos representantes do regime, como a viagem presidencial que Craveiro Lopes cumpre em 1955. Durante a década de sessenta, o conflito armado determina a escala alcançada pelos equipamentos nas regiões mais directamente ligadas ao esforço militar. Consolidam-se as instalações hospitalares, aquartelamento ou clubes militares. Mas a actual estrutura das cidades desenha-se antes e a principal avenida que as organiza monta os tais cenários adequados às festividades que comemoram o poder colonial. Mas também é são desenhos de chão que urbanizam o futuro.