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O Alentejo tem espaços museológicos novos em folha, inaugurados já este mês. O Museu de Arte Contemporânea de Elvas foi o primeiro a abrir – no dia 6 – e menos de uma semana depois era inaugurada a Fundação António Prates, em Ponte de Sor, com valioso acervo. Reabriu o Museu de Sines e estão na calha um projecto em Mora e outro em Elvas. Menos sorte têm os Agrícola de Montemor-o-Novo e da Fotografia, em Elvas, onde, de acordo com os proprietários, a luta pela sobrevivência das colecções é diária.
“Só não vendo porque tenho muita pena e pelos anos que demorei a construir isto tudo”, confessa ao CM Isidoro Jeremias, dono do Museu Agrícola de Montemor-o-Novo, espaço aberto ao público desde Agosto de 2001 e cuja maior parte da colecção é composta por tractores, alfaias, quadros e fotografias de época. “Tenho aqui gente que diz que o valor desta colecção noutros países seria de interesse público. Nunca vi em parte alguma tamanho número de peças relacionadas com a vida no campo desde os finais do séc. XIX até aos nossos dias”, acrescenta.
Isidoro Jeremias diz que não recebe um tostão de apoios ou subsídios, nem por parte da autarquia nem de qualquer ministério. Um diferendo antigo ainda não lhe permitiu licenciar o espaço como museu. “Gasto milhares na manutenção do espaço. Vou tendo visitas de estudo e excursões de todo o País que vão dando para o gasto”, sublinha.
Outro caso complicado é o do Museu da Fotografia de Elvas, propriedade de João Carpinteiro, antigo presidente da Câmara da cidade da raia. O ex-autarca diz que há dias em que nem uma pessoa recebe. Até à data, a média deste mês é de dois a três visitantes por dia.“Sustento o espólio com o subsídio atribuído pela autarquia mas a situação é dramática. O que me vale são três pessoas que trabalham comigo em regime de voluntariado. Não consigo sustentar um vencimento a um empregado. Já estive prestes a fechar a porta”, queixa-se João Carpinteiro, acrescentando que está em conversações com a Câmara Municipal de Elvas e com o Ministério da Cultura a fim de rever a situação “dramática” em que o seu espaço se encontra.
“Prevejo um futuro negro”, remata o responsável que atribui culpas à diminuição do turismo, nomeadamente espanhol, na raia alentejana.Na zona as opiniões são unânimes quando se fala na necessidade da existência de uma “lufada de ar fresco” que não faça estes dois espaços fechar as suas portas.
MINISTRA DESCONHECE CASOS EM CRISE
A ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, desconhece em concreto a situação dos museus em crise no Alentejo. Durante a inauguração da Fundação António Prates, apoiada pelo Executivo tal como o Museu de Elvas, a tutelar da pasta disse não poder responder sobre estas unidades, por não conhecer a situação, mas referiu que, “além de tutelar museus, o Ministério tem uma política relativamente à museologia”. Assim, à parte das 25 unidades integralmente subsidiadas pelo Ministério da Cultura, há outras que envolvem museus públicos, das autarquias e privados. “A esses museus damos apoio através de projectos concretos”, referiu.
MECENATO É SUSTENTO DE ESPAÇOS
Muitos museus funcionam e mantém-se abertos graças ao mecenato. A condição de mecenas está prevista na lei portuguesa, dando, inclusivamente, benefícios fiscais a quem o pratique. De acordo com o Ministério da Cultura, o estatuto de mecenas é atribuído a “pessoas singulares ou colectivas que apoiem, através da concessão de donativos, entidades públicas ou privadas que exerçam acções relevantes para o desenvolvimento da cultura portuguesa”. De entre os benefícios concedidos aos benfeitores da cultura estão a redução do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e das Pessoas Singulares (IRS).
APONTAMENTOS
MORA
A vila de Mora quer criar, através de uma fundação, um acervo de fotografia municipal e fotojornalismo na antiga estação ferroviária da localidade, em parceria com a associação cultural Estação Imagem, recentemente criada.
ELVAS
A Câmara Municipal de Elvas anunciou recentemente a intenção de criar um museu rural e etnográfico dedicado à realidade agrícola da região no início do séc. XX, quando a sociedade portuguesa era essencialmente rural.
SINES
O Museu de Sines reabriu ao público, na Capela da Misericórdia no dia 17, mas já em 2009 vai mudar de instalações para o Castelo de Sines depois de as obras de adaptação do edifício para fins museológicos.
SANTIAGO
A exposição ‘No Caminho sob as Estrelas’, até final de Outubro na Igreja Matriz de Santiago do Cacém, é uma das actuais coqueluches culturais do Alentejo com 120 obras relacionadas com a tradição dos caminhos de Santiago.
ÉVORA
O Museu de Évora tem o seu espaço original em remodelação há vários anos, estando o núcleo museológico da cidade no Convento de Santa Clara, em situação provisória, mas as obras ainda vão demorar alguns meses.
AGRÍCOLA
Agrícola. Isidoro Jeremias teve pessoas dispostas a pagar 2,5 milhões de euros pelo seu espólio.
MILHÕES
A Fundação António Prates tem a colecção de Ponte de Sor avaliada entre oito e dez milhões de euros.
FOTOS
O Museu da Fotografia de Elvas está aberto desde 2003 e já foi avaliado em um milhão de euros.
MUSEU DO RELÓGIO É CASO DE SUCESSO
Um espaço com uma situação completamente oposta é o Museu do Relógio, em Serpa. Tanto é que o museu está mesmo em crescimento e o seu responsável prepara a expansão do espaço para Évora, onde será criado o Museu Ibérico do Relógio.“Estamos a crescer e quando encontrarmos um espaço condigno em Évora concretizaremos este sonho”, disse ao CM António Tavares d’Almeida, director e fundador do Museu do Relógio, um caso raro de sucesso.
Único na Pensínsula Ibérica e um dos cinco existentes no Mundo, o Museu do Relógio é também o único museu auto-suficiente do País. Tudo porque, quando a crise ameaçou o espaço e todas as portas “se fecharam”, o dono, António Tavares d’Almeida, encontrou a solução: “Comecei a ver que as reparações e as parcerias poderiam ser a chave para ultrapassar a crise”, explicou, considerando a sua situação um pouco “anti-sistema” pelo facto de não pensar em subsídios.Neste momento uma equipa de seis pessoas em permanência trabalha no local onde são reparados, em média, 500 relógios por ano. No espaço está também em regime permanente uma colecção de 1700 peças, todas mecânicas, oriundas de todo o Mundo e datadas desde o século XVII até aos nossos dias. A história do Museu do Relógio começou quando, há mais de 30 anos, António Tavares d’Almeida herdou uma série de relógios avariados.
Além de relógios, a vertente museológica põe à disposição dos visitantes 500 livros temáticos, produção própria – é possível mandar fazer um relógio – e, até, um clube de amigos. Desde a abertura já recebeu para cima de 300 mil visitas.
FUNDAÇÃO DE GALERISTA EM ANTIGA FÁBRICA
A antiga Fábrica de Descasque de Arroz de Ponte de Sor foi transformada para albergar a Fundação António Prates (à esq.), galerista e coleccionador ligado à arte há mais de 20 anos. É intenção do detentor deste acervo, avaliado entre oito e dez milhões de euros, colocar a cidade do Norte Alentejano no mapa da arte contemporânea.
in Correio da Manhã 2007.07.24
Quadro - Alentejo - Óleo sobre tela Elisabete Sombreireiro Palma