Para a História do Socialismo e da União Soviética
SEXTA-FEIRA, 9 DE ABRIL DE 2010
Novas evidências acerca dos Processos de Moscou
Para quem não sabe, os Processos de Moscou foram julgamentos públicos ocorridos na União Soviética em meados da década de 30. Para a escola tradicional da História, estes processos são o grande símbolo da "tirania stalinista" - junto com o expurgos do Partido - pois, supostamente, Stálin acabou com a oposição ao seu governo e, portanto, com os velhos bolcheviques que defendiam a democracia soviética. Todos os julgamentos ocorridos são considerados falsos, a maioiria dos acusados são considerados inocentes - inclusive porque foram reabilitados pelo governo de Gorbatchev - e tudo não passou de um show.
Entretanto, já há alguns anos, há argumentos bem lógicos para contrapor tal teoria. Primeiro, os Processos de Moscou foram acompanhados de perto por especialistas do direito de todo o mundo. Nenhum deles relatou qualquer problema. O livro "Missão à Moscou" do famoso advogado americano Joseph Davies mostra muito bem isso. Ele fez um relatório ao governo americano dizendo que não havia dúvidas de que os julgamentos haviam sido justos e que conspirações anti-soviéticas realmente estavam em curso. Outra boa fonte é do britânico D. N. Pritt, que também acompanhou os Processos de Moscou e, em escritos avulsos, denunciou o papel da imprensa internacional que, segundo ele, passava a impressão de que tudo aquilo que ocorria em Moscou era uma encenação enquanto que os especialistas que lá estavam tinham opiniões bem contrárias a isso. Segundo, as acusações de encenação não apresentam evidência alguma, apenas criam hipóteses de que os acusados foram forçados através de tortura ou outros meios a confessar crimes inexistentes. Tais hipóteses baseiam-se no paradigma dominante da História Soviética, o paradigma totalitário. E somente se a pessoa acredita que os "stalinistas" eram monstros inescrupolosos é que tais hipóteses fazem sentido. Caso ela procure investigar os Processos de Moscou objetivamente, sem procurar tirar conclusões precipitadas por causa do contexto criado pela historiografia, ou seja, se alguém buscar fazer um trabalho de detetive em busca de evidência para se apresentar a uma corte, provavelmente acabará de mãos vazias se seu objetivo for provar a existência de tortura ou qualquer outro método fraudulento nos Processos de Moscou.
Porém qualquer um que seja familiar com a sovietologia sabe que simplesmente não há espaço para novas interpretações. A URSS era uma obra de Satã e ponto final. O máximo que ocorreu até hoje foi uma busca de demolir os mitos mais bizarros criados pela Guerra Fria - como os 100 milhões de mortos pelo regime soviético e o tal do holocausto ucraniano. Todavia o paradigma totalitário permanece dominante e todos os estudos que o contrapõe são taxados de "stalinistas" - no sentido pejorativo do termo mesmo. Ou seja, fanáticos insanos que cultuam o magnífico, bem-amado e salvador da humanidade, Josif Stálin. O que na verdade é um ato de fanático em si, pois historiadores como Yuri Zhukov não têm a mínima paixão por Stálin, no entanto, devido as evidências encontradas em suas pesquisas, conseguiram eliminar boa parte das idéias pré-concebidas em suas mentes e chegaram a conclusões extremamente polêmicas. Por exemplo, se o livroInoy Stalin de Zhukov tivesse espaço de publicação no Ocidente, demoliria metade das crenças ocidentais e provavelmente teria que ser queimado em praça pública ou algo do tipo. Afinal, o historiador chefe da Academia de Ciências de Moscou chegou a conclusão de que Stálin na verdade lutara pela democracia e não pelo poder absoluto em suas mãos.
Em minha humilde opinião, o culto está em boa parte das academias do mundo, principalmente das potências capitalistas - já que países como Rússia e Turquia abrem certo espaço para publicações contra-paradigmáticas. Para mim todo esse esforço para defender um paradigma significa medo de estar errado, medo de admitir o erro e medo das conseqüências que tal erro pode gerar no mundo. Pois uma coisa é combater teses em discussões racionais, baseadas nas evidências disponíveis e tudo o mais, outra coisa é taxar teses como mentirosas e dificultar de todas as maneiras suas publicações sem nem mesmo apresentar argumentos lógicos para isso. Cá entre nós, que diferença tem em acusar um historiador de "stalinista" e acusar um astrônomo de "herege"? Olha que uns bons 400 anos separam a duas coisas.
Neste contexto para lá sinistro no atual estudo da História Soviética, surgem aqui e ali artigos interessantíssimos que expandem e muito a visão que se pode ter do passado desta que foi a primeira nação socialista marxista do mundo. E os que escolhi para este post são os que lidam com os Processos de Moscou. Eles trazem novas evidências e uma visão crítica ao paradigma reinante, portanto devem ser lidos com extrema atenção e com as visões políticas postas de lado, caso contrário a leitura será comprometida. Sei disso porque já vi a reação de alguns liberais, trotskistas e anarquistas a estes artigos. E eles simplesmente entraram em um transe de fúria incontrolável.
O primeiro deles é do sueco Sven-Eric Holmström e chama-se "New Evidence Concerning the 'Hotel Bristol' Question in the First Moscow Trial of 1936". O link é esse aqui: http://clogic.eserver.org/2008/Holmstrom.pdf
Para quem não é familiar com História da URSS, a questão do "Hotel Bristol" é um ponto central da discussão acerca da veracidade dos Processos de Moscou. Pois Gol'tsman, um dos réus do julgamento, afirmou que encontrara com Sedov - filho de Trotsky - em Copenhague no ano de 1932, em um hotel chamado Bristol. A imprensa internacional caiu em cima dizendo que o Hotel Bristol havia falido em 1917. E realmente havia. Então começaram a dizer que o NKVD mandara Gol'tsman dizer isso, que ele mesmo nunca estivera na capital dinamarquesa. Enquanto isso, no México, foi formada a Comissão Dewey por seguidores de Trotsky em uma tentativa de realmente provar que o julgamento fora uma fraude. Holmström dicute tudo isso e mais. Ele prova que a Comissão Dewey não foi nenhum pouco objetiva, que Trotsky e seus associados mentiram descaradamente e que provavelmente o que Gol1tsman disse fora a verdade, e não uma invenção do NKVD.
O segundo é de autoria do americano Grover Furr e chama-se "Evidence of Leon Trotsky's Collaboration with Germany and Japan". O link é esse aqui: http://clogic.eserver.org/2009/Furr.pdf
Este, de longe, é o que causa mais furor nos leitores - principalmente nos trotskistas. Mas também é o mais elaborado e chega a ter 170 páginas. É uma leitura exaustiva, porém interessantíssima. Nela discute-se as possibilidades dos Processos de Moscou terem sido fabricados ou não, discute-se a questão da tortura e de outros métodos fraudulentos como, por exemplo, a ameaça a parentes do réu e o melhor de tudo: discute-se todos os três grandes julgamentos e, apesar de se concentrar em Trotsky, aborda boa parte dos outros acusados. Bukharin, Zinoviev, Pyatakov, Radek, entre outros. Porém, vale frisar aqui que até hoje o governo russo não liberou grande parte das investigações do NKVD acerca destes casos, o que inclui relatórios de agentes infiltrados, interrogatórios investigativos e uma série de outras evidências coletadas. Apesar disso, Furr trás muitas novas evidências à tona e procura sempre ter um olhar crítico acerca delas. Para aqueles interessados na riquíssima História Soviética, vale muito a pena.
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