Discurso de Lula da Silva (excerto)

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quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Os Zombo na Tradição, na Colónia e na Independência (I Parte)

Os Zombo na Tradição, na Colónia e na Independência (I Parte)
  Publicado em 02 Jul 2009 (7170 leituras)
Os Zombo na Tradição, na Colónia e na Independência
(I Parte)
 
 
Professor Doutor José Carlos de Oliveira*
 
 
Do Advento da Civilização Técnica e da Ciência Aplicada à Consequente ‘Situação Colonial’
 
Sempre que duas sociedades entram em contacto, existe certamente, de ambas as partes, um aperfeiçoamento de que ambas virão a comungar. Todavia, o nosso caso tem a ver com sociedades detentoras de níveis tecnológicos distintos. Este desnível tecnológico acarreta grandes perigos, de vária ordem, para a plena realização deste tipo de contacto de culturas. Cabe aqui citar Neto (1964:18) quando este afirma:
“Os exemplos de contacto em causa nas sociedades modernas mostram‑nos que os grupos intervenientes têm, além de desiguais níveis tecnológicos, desiguais expressões demográficas, coincidindo, normalmente, a menor expressão demográfica com o mais aperfeiçoado índice tecnológico.”
 
No caso das relações seculares entre os zombo e os portugueses, também tal se verificou: os portugueses sempre foram uma minoria detentora de outro tipo civilizacional e de conhecimentos técnicos mais aperfeiçoados que lhes permitiram obter resultados favoráveis aos seus propósitos.
 
Relativamente ao conceito ‘situação colonial’, este deverá ser aqui entendido tal como Coissoró (1957:12/13) o define:
“O fenómeno colonial, hodiernamente, torna‑se assim objecto de uma investigação particular, de que a nossa boa doutrina já deu conta quando, abstraindo‑se do binómio puramente formal «Metrópole‑Império colonial» procura fracturar a realidade colonial – por si polimórfica – alicerçando‑se nas estruturas básicas de cada relação colonial, terminologicamente definida por situação colonial.”
 
No caso da delimitação de fronteiras que tiveram por base a bacia do rio Zaire foi preciso um entendimento científico entre as potências ocupantes (o governo português e o rei Leopoldo da Bélgica) para que se percebesse a quem se deveria atribuir as responsabilidades do território que viesse a ocupar. Para que tal se conseguisse, utilizaram‑se métodos geográficos dos quais faz parte a carta geográfica que a seguir reproduzimos. Esta é testemunho primacial do resultado (e a um só tempo, a causa) de uma série de factos histórico‑políticos internacionalmente relevantes para o futuro doszombo e de todas as sociedades presentes neste espaço histórico‑geográfico, das quais destacamos a sociedade portuguesa que com eles tem vindo a compartilhar o mesmo espaço geopolítico.
 
 
 
 
Trata‑se de um mapa assinado por comissários autorizados pelos governos português, inglês e belga e diz respeito à localização de pontos geográficos estratégicos para a conclusão da documentação que viria a regulamentar os parâmetros da delimitação de fronteiras entre Angola e o antigo Kongo Belga, hoje República Democrática do Congo. No lado esquerdo do documento, está representada a região do rio Kuango, o vértice da fronteira noroeste de Angola. Em toda a carta são visíveis os traçados dos percursos feitos a pé por exploradores investigadores que, após demoradas visitas aos potentados e baseados nesses passos, viriam a prestar as melhores informações para a definição da delimitação das fronteiras luso‑belga. Isto viria a ter um papel profundamente relevante para a Convenção de Berlim de 1884/1885.
 
Ainda no âmbito do processo de delimitação das já referidas fronteiras, não fazemos ideia de quantos investigadores dedicados a estas questões da antropologia política, social e económica conheceram ou conhecem estas paragens1. Nós conhecemos essas gentes e os lugares e sabemos quantos perigos corriam aqueles que se intrometiam nos negócios económicos e políticos do Kiamvo. Por isso, ao compulsarmos a obra já referida sobre George Grenfell sabemos que antes de este se dirigir ao Kiamvo, Mwene Puto Kasongo, consultou o Governador‑Geral em Luanda a fim de preparar, no terreno, o percurso da sua viagem de barco até ao Dondo, tal como tinha acontecido trezentos e cinquenta anos atrás com Paulo Dias de Novais. A partir do Dondo, fez o percurso em caravana até se encontrar, ao fim de cerca de oito centenas de quilómetros, com o grande chefe Kiamvo. Algo nos diz que os contornos da viagem foram cuidadosamente preparados por Grenfell e pelo não menos relevante investigador e explorador português Henrique de Carvalho, acompanhado pelo Major Sarmento.
 
 
 
Segundo Johnston (1908: I: 199), a expedição foi levada a cabo com protecção militar suficiente. Inteligentemente, tal como sempre, o chefe Kiamvo já devia vir a acompanhar de longe a caravana dos europeus, medindo o seu grau de perigosidade e, portanto, “Fortunately Kiamvo, decided to accept these overtures”. (Johnston 1908: I: 199). A finalidade desta expedição era tão delicada e complexa que os seus responsáveis no terreno resolveram ir acompanhados de duas senhoras: uma, a esposa de George Grenfell; outra, a esposa do Major Cândido Sarmento. Aqui estamos perante outro facto singular: a esposa de Grenfell integra‑se perfeitamente no ambiente social local, devido à cor da sua pele e aos profundos conhecimentos sobre os habitantes das terras do Kiamvu. De facto, Mrs Grenfell acompanhava há já doze anos a maioria dos passos diplomáticos e evangelizadores do marido. O facto de as mulheres acompanharem os seus homens teve e tem um grande significado nestas paragens. Para os habitantes locais, era sinónimo de que estes brancos não vinham ‘raptar’ as mulheres locais sem a autorização do chefe da vata.
 
 
 
Posto isto, temos muitas dúvidas que, pelo menos nesta situação e no que se refere aos interesses estratégicos, a divisão de África pelas potências ocidentais se tenha traçado ‘a régua e esquadro’. Porventura poderemos esquecer os sacrifícios feitos, ao longo de décadas, por estes homens altamente qualificados (e suas mulheres) em prol de uma cuidadosa ponderação sobre elementos antropo‑geográficos relevantes para as resoluções tomadas no âmbito da delimitação de fronteiras a que nós hoje estamos habituados a citar como tendo sido traçadas ‘a régua e esquadro’? Parece‑nos que não.
 
É com as vantagens e desvantagens desta leitura sobre os assuntos referentes à delimitação de fronteiras que identificámos documentos que se relacionam com relatórios do exercício de governadores do distrito do Congo, relatórios de capitães‑mores, mais tarde em funções como Residentes, ou administradores de concelho ou de circunscrição. Isto no que respeita ao tempo em que se iniciou a ocupação efectiva, que consideramos ser o espaço de tempo que medeia entre o início do primeiro quartel do século XX e o seu final. Alguns documentos tinham a classificação oficial de secretos e até eram cifrados. Agora desclassificados, podem ser consultados. Exibem ainda a chancela do Governo‑geral ou do Governo de Distrito bem como de batalhões operacionais que a partir de Junho de 1961 fizeram a reabilitação dos eixos viários da Damba até S. Salvador do Kongo, passando por Maquela do Zombo.
 
 
 
O teatro de operações da ocupação efectiva criava as maiores dificul­dades às forças militares portuguesas. A este propósito, lembramos um factor importantíssimo e que só ficou aparentemente resolvido a partir de 1961: o fardamento pesado e inadequado, as pesadas botas dos militares portugueses e o penoso arrastar das peças de artilharia que denunciavam, ao longe, a sua aproximação.
 
 
 
A observação das sociedades em presença leva‑nos a defender que o motor do advento dos portugueses, como minoria dominante da história do Kongo ao Kunene desde o último quartel do século XIX ao princípio do último quartel do século XX, foi caracterizado por desníveis de tecnologia, em especial pela invenção e operacionalidade da mais mortífera arma de guerra de então: a metralhadora3. Acrescente‑se ainda o sistema de comunicação morse, que abalou profundamente a supremacia e eficácia da comunicação Kongo (em geral pelo tambor e estafetas) e a fotografia, enquanto nova fonte de informação militar.
 
No início do século XX, a Sociedade de Geografia de Lisboa pretendia inculcar, na política colonial portuguesa, uma maior racionalidade e até cientificidade que pudesse assegurar e salvaguardar os interesses nacionais nas colónias, tal como Ângela Guimarães (1984: 226) afirma:
 
“Uma administração cientificamente organizada, dirigida por funcionários de elevado nível cultural e participada pela adesão de determi­nadas camadas da população africana chamadas a um nível superior. Os restantes elementos das populações dominadas, depois de afeiçoados à propriedade e ao trabalho livre deveriam tornar‑se competentes produtores e consumidores prevendo‑se uma estratificação com uma elevada média de técnicos auxiliares e uma vasta população de trabalhadores braçais. Uma exploração económica de tipo moderno, tendo por base a realização de infra‑estruturas necessárias […] Defendia intransigentemente a integridade de todo o território nacional e o controlo pelo Estado de todas as grandes empresas e empreendimentos.”
 
 
De um lado, estavam os colonizadores imigrantes, mais ou menos integrados na civilização da técnica e da ciência aplicada, dominados pela economia monetária e largamente dependentes dos investimentos exteriores. Estes tentavam mobilizar os recursos locais para a construção de infra‑estruturas inexistentes e para colectar ou produzir não só os produtos para exportação, mas também aqueles destinados ao incipiente mercado interno. Do outro lado, estavam os kongo, divididos em subgrupos com estruturas políticas de tipo tradicional e organizados predominantemente para a auto‑suficiência. Os seus membros utilizavam técnicas agro‑pecuárias meramente empíricas, baseadas sobretudo no esforço físico humano. A colecta e a produção destinavam‑se, na sua quase totalidade, ao consumo, num tipo de economia classificada de ‘subsistência’.
 
A organização social dos kongo não favorecia a diferenciação, já que o lugar e a função que o indivíduo ocupava na comunidade eram geralmente determinados pelo nascimento e pela tradição4. O desenvolvimento geral das comunidades tradicionais enfrentava obstáculos não só de cariz económico, social e político, mas também mágico‑religiosos. Graças à magia e aos rituais, fórmulas, amuletos e talismãs procurava levar‑se as forças sobrenaturais a agir em determinado sentido. Isto verificava‑se, sobretudo, no caso da guerra. O facto do indivíduo se habituar a tudo e de esperar pela eficácia da prece, da súplica, do objecto mágico ou do capricho dos espíritos dos antepassados adormecia o seu sentido crítico e constituía causa de estagnação intelectual.
 
 
 
Antes da remodelação radical introduzida nos métodos de ocupação do Congo e iniciada em 1911‑1912, a tolerância relativamente à intromissão portuguesa nos negócios da região era conquistada através de presentes, de aguardente e de transigências de toda a espécie face à real autoridade exercida pelos potentados locais. Contudo, e face à nova situação introduzida por essa mesma remodelação dos métodos de ocupação, a colonização portuguesa em Angola vinha agora opor‑se à tolerância do indígena para com a autoridade portuguesa. Porém, a carência de efectivos humanos para exercer essa mesma autoridade e para concretizar a ocupação efectiva é assim apreciada por António Jorge Dias (1957: 71):
“Infelizmente a falta de gente mantinha‑se, porque a emigração para o Brasil continuava e continua ainda hoje a levar‑nos uma grande parte dos nossos excedentes demográficos metropolitanos. Só casos excepcionais, como a colonização de Moçamedes feita por elementos portugueses repatriados de Pernambuco contrariam a regra. A nossa ocupação em África pode dizer‑se que era só costeira, pois as explorações levadas a cabo por alguns exploradores não tiveram repercussão nenhuma. A supressão das ordens religiosas, que se seguiu à revolução de 1820, impediu que as missões continuassem a exercer a sua acção civilizadora […] Pode dizer‑se que a exploração sistemática dos territórios africanos do interior, sob o ponto de vista agrícola e comercial, só começou a fazer‑se a partir do fim da 1ª Grande Guerra. […] Em Angola, a ocupação tem‑se feito aos arrancos segundo a iniciativa dos governos. Algumas dessas tentativas falharam em parte, por falta de estudo, como foi a fixação dos madeirenses agricultores na Huíla, sem terem mercados que lhes comprassem a produção. Esta população acabou por se degradar social e economicamente e hoje ocupa um status social semelhante ao do indígena. Outras foram bem sucedidas e serviram de estímulo a novas tentativas.”
 
Este conjunto de situações adversas aos intentos da administração colonial portuguesa justificava‑se por uma conjuntura, especialmente de ordem geopolítica internacional, nomeadamente a questão do Mapa Cor‑de‑Rosa e da “Batalha do Congo” (a luta entre as grandes potências pela ocupação da Bacia Convencional do rio Zaire ou Kongo)5. Para além do mais, toda a situação nos remete para o principal acontecimento político do primeiro quartel do século XX: a Primeira Guerra Mundial. Nesta altura, Portugal, um país pequeno e essencialmente agrícola, foi confrontado, nas suas colónias, com uma situação profundamente adversa a que não eram alheias mudanças constantes de ministros do ultramar (mais de cinquenta ministros foram entretanto nomeados). Armando Cortesão dirigia a Agência Geral das Colónias, quando pronunciou, na Sociedade de Geografia de Lisboa, em 1925 o discurso O Problema Colonial Português, do qual Pierre Daye (1929:60) destaca “(…) cette interrogation effarante: «Comment peut‑on admettre qu’un pays de l’importance coloniale du nôtre ait vu se succéder, en quatorze ans, cinquante et un ministres des colonies?»”. Não nos admiremos pois da constante mudança de Governadores‑gerais em Angola.
 
É neste oceano nebuloso que a nova administração colonial tenta navegar. Os seus denodados esforços esbarravam com profundos entraves, nomeadamente as mudanças ministeriais que implicavam a política das colónias e obrigavam a uma constante rotação de Governadores‑Gerais. Citamos, de seguida, alguns dos factos enumerados por Roberto Correia (2000 e 2001) relacionados com os kongo e que, naturalmente, afectavam os zombo.
 
Governadores‑gerais de Angola no período de 1909/1915
 
No governo de José Augusto Alves Roçadas (de 16/12/1909 a 26/10/1910)
Agosto – Povos de Mandimba, Canda e Mateca invadem S. Salvador do Congo para exigirem ao Residente (administrador), Antunes dos Santos, o não pagamento do imposto, como estava acontecendo com outros povos.” (2000: 392)
 
“Dezembro – 31 – O total da população de Angola seria de: 12 000 brancos, 9 500mestiços e mulatos e cerca de 3 milhões de negros (e outras raças). […] Na área de S. Salvador do Kongo havia apenas 100 europeus. O Distrito da Huíla, por sua vez, tinha então mais de 3 mil brancos.” (2000: 397)
 
No governo de Manuel Maria Coelho (de 18/1/1911 a 26/2/1912)
 
Maio/Junho – Os Zombo entram em conflito com os soldados da guarnição. Faria Leale, depois o governador de distrito, José da Silva Cardoso, concentram as forças emMaquela do Zombo. Estava em jogo, além do problema da cobrança do “imposto de cubata”, a distribuição das zonas de aliciamento dos carregadores. Para tal, decidem fazer uma ocupação militar de alguns pontos‑chave: em Kibokolo, Bembe, Madimba e Damba, os quais foram protegidos por forças militares e fortins. Houve um entendimento com as populações, não sendo necessário entrarem em lutas. Com isso normalizara‑se o comércio e os deslocamentos das caravanas, havendo mesmo certos progressos. Algumas povoações, então designadas “residências”, passaram a ter uma influência e utilidade mais efectiva. Todavia, por outro lado, aumentavam os contrabandos de armas e munições, em trocas com borracha, que por sua vez também começara a vir de contrabando do Congo Belga! Mas, no meio de tudo isso, uns e outros iam praticando o tráfico de escravos, às vezes sob a capa de “contratados” e muitos com a colaboração e conivência de algumas autoridades portuguesas e dos seus auxiliares nativos, manobrados por comerciantes e “especialistas do ramo”, pois todos “comiam” uma certa percentagem desse bolo, por cada cabeça comercializada!” (2000: 404)
 
“Julho – 1 – Kiditu foi “empossado” e não coroado, tendo o apoio de Álvaro Buta.” (2000: 405)
 
No governo de Manuel Moreira da Fonseca (de 26/2/1912 a 07/03/1912)
 
Fevereiro – 26 – Encarregado do governo. Foi capitão‑mor do Bailundo em 1903.Março – Demissão do Governador‑geral, Coronel Manuel Maria Coelho, por ser opor ao trabalho forçado e por ter expulsado diversos transgressores.” (2000: 411)
 
No governo de António Eduardo Romeiras de Macedo (de 07/03/1912 a 17/6/1912)
 
Março – 19 – O ministro inglês propõe o adiamento da chegada da Comissão luso‑inglesa para se juntar à luso‑belga, na demarcação das fronteiras de Angola.
 
Abril – 11 – Circular nº 19‑J, do governo geral aos governadores de distrito, pelo Chefe do Estado‑Maior, Major Manuel de Oliveira Gomes da Costa, para que a penetração pelo interior se fizesse pelas linhas comerciais, as quais seriam fortificadas com postos militares.
 
“Abril – 26 – O Ministro dos Negócios Estrangeiros comunica ao governo inglês a forma e as condições da Missão de demarcação das fronteiras de Angola.” (2000: 412)
 
José Mendes Ribeiro Norton de Matos (de 17/06/1912 a 03/1915)
 
1913 – Fevereiro – Afonso XIII, rei de Espanha, avisa o governo português que ocuparia o seu território no caso da Alemanha e a Inglaterra, partilharem as colónias portuguesas.” (2001: 21)
 
1913 – Setembro – 16 – Decreto sobre o Trabalho Indígena.
 
“1913 – Setembro – Tropas portuguesas avançam para o Pombo e o Sosso, mas encontram bastante resistência da parte dos Bakongo, o que não esperavam, tendo sido morto o Capitão Praça. Foi o início da grande revolta do Congo, onde se verificava uma enorme anarquia política‑militar.” (2001: 25)
 
1913 – Outubro – Verifica‑se uma mais acentuada procura de trabalhadores em Cabinda, com destino às fazendas de S. Tomé. Em consequência disso cria‑se um certo vazio nessa região, o qual foi tentado suprir com trabalhadores do Congo (zona sul), ou indo mesmo estes directos para S. Tomé. Em seguimento dessa solução, o próprio chefe do posto, Paulo Moreira, sucessor de Faria Leal, manobrou bastantes sobas da região para fornecerem umas largas centenas de trabalhadores, num total de 1 500, para seguirem sob contrato para aquela ilha. Todavia não teve grande apoio, conseguindo apenas convencer alguns voluntários por se tratar de trabalho remunerado. Esse fracasso foi devido em parte à influência da Missão Protestante instalada naquela região.” (2001: 26)
 
1913 – Novembro – 22 – O soba dissidente, Álvaro Buta, que havia sido afastado das suas funções, protesta contra o facto do chefe (D. Manuel Kiditu), ter sido subornado nessa transacção dos trabalhadores, pelo que devia anulá‑la, devolvendo o dinheiro já recebido.” (2001: 27)
 
1913 – Dezembro – 11 – Buta, reforçado, entra em S. Salvador para manifestar o seu desagrado, sendo ouvido por todos os europeus ali residentes. Foi seu intérprete o catequista Miguel Nekaka. Exigiu a demissão de D. Manuel Kiditu e a cessação do contrato dos trabalhadores para Cabinda e S. Tomé.
 
“1913 – Dezembro – 12 – O “chamado rei” não se fez esperar; despiu as vestes reais e refugiou‑se no Congo Belga, para desagrado dos portugueses, mas com certa conivência do chefe Moreira.” (2001: 28)
 
1914 – Janeiro – Anulados os recrutamentos para S. Tomé, Norton de Matos segue para Quifuma. O chefe Moreira, revoltado e desagradado, manda prender diversos ex‑colaboradores. Seguem algumas forças de Maquela do Zombo e instalam‑se na fortaleza com a população. Norton demite o chefe Moreira.
 
1914 – Janeiro – 25 – Início dos ataques efectuados por Buta e seus apoiantes.
 
“1914 – Janeiro – Chegam reforços de Maquela do Zombo.” (2001: 30)
 
Durante o ano, existiam épocas favoráveis e desfavoráveis para a luta que se travava entre o chefe Buta e as autoridades portuguesas. Para aquele, era importante que o capim estivesse muito alto para poder aproximar‑se das tropas portuguesas sem que estas dessem por isso. O mês em que tal se verifica é normalmente o mês de Janeiro. Assim, e para além do capim estar muito alto, era uma altura de intensas chuvas que impediam os portugueses de progredir no terreno, dada a sua logística e tipo de material utilizado na campanha. Por isso, se compreende que os militares portugueses se apressassem a resolver a contenda durante a época da ausência das chuvas (o chamado cacimbo dos meses de Maio a Agosto) época em que se fazem as grandes queimadas na savana e, durante a qual, se podia vislumbrar de muito longe qualquer movimento suspeito. Como se pode verificar pela fotografia que a seguir reproduzimos, o capim ainda está a crescer, pelo que facilmente se podia ver ao longe o resto da coluna militar (que podia bem ser uma caravana mercantil).
 
 
 
 
A logística, enquanto grande problema militar no norte de Angola, não constituía problema algum nesta altura do ano. No caso de haver deserções de carregadores, estas só poderiam dar‑se durante a noite. O perigo de um ataque era também muito remoto. Os ‘rebeldes’ kongo não se expunham. Eram demasiado conhecedores dos riscos que corriam para tentarem qualquer investida. Esperariam pelo nevoeiro cerrado da manhã, que se verifica todos os dias nesta altura do ano. Por outro lado, tinham conhecimento de que, na coluna, vinha uma nova arma dizimadora de homens: a metralhadora. Os seus informadores eram as populações das vata e como estas eram carregadores na coluna, mantinham‑nos a par de todos os movimentos.
 
 
 
De acordo com Roberto Correia (2001:32), durante o governo de António Nogueira Mimoso Guerra (de 31/03/1914 a 02/09/1914), em “Abril – Buta continua na região deMaquela, tentando lançar todos na revolta contra os portugueses. Foi novamente derrotado, sendo incendiadas as aldeias dos zombo.” De facto, e logo em fins de Abril, o capim está pronto a arder. O terreno fica completamente raso, só vingando os arbustos mais fortes e mesmo esses ficam quase reduzidos a cinzas. Consequentemente, todas as vantagens que a época do ano oferecia às intenções bélicas de Buta se esvaiam. Por isso se dá a notícia de que em “Agosto – 13 – Buta foi vencido em MBanza‑a‑Kongo, conseguindo escapar‑se mais uma vez.” (Correia 2001:34).
 
O novo Governador‑geral, José Mendes Ribeiro Norton de Matos (de 02/09/1914 a 08/03/1915), não podia esperar mais tempo. As tropas estavam exauridas, com muitos homens fora de acção, não tanto pelas perdas de vidas humanas causadas pelo inimigo, mas, acima de tudo, pelas febres, sendo que a malária era a principal causadora de tanto sofrimento. É então que em “Setembro – ao norte de S. Salvador do Congo os chefes locais estavam dispostos a negociar a paz.” (Correia 2001:35).
 
Na posse dos dados supracitados, já poderemos compreender as dificul­dades por que passaram as autoridades portuguesas no seu avanço pela tomada de posições no norte de Angola. De facto, e conforme relatório do Chefe do Estado‑Maior em Cabinda, datado de 18 de Setembro de 1914:
 
“Uma campanha em África, mais que em qualquer outra parte, e no Congo mais do quer em qualquer outro districto, em razão da sua topografia que exclue qualquer meio de transporte que não seja o carregador, exige um intenso e demorado trabalho de preparação; ora nas operações realizadas no Congo em 1914 não houve preparação alguma.” 6
 
Para os Kongo estava em causa um sistema de sobrevivência agrícola que não deixava recursos de alimentação para o ano seguinte, o que os obrigava a fazer a guerra sempre que tivessem as colheitas dos produtos de que se alimentavam já feitas. Não causará então estranheza que os zombo soubessem, do ponto de vista da sobrevivência das populações, quando o tempo lhes era favorável para fazer a guerra ou a paz. Era o seu modo de vida secular que estava em causa. Os zombo sabiam negociar a paz e fazer a guerra como poucos. Para eles a paz sempre foi tão importante como a guerra, desde que, com cada uma delas, pudessem ir fazendo a sua inveterada vida comercial ambulante. Viviam os dois extremos com a mesma forma astuta de ultrapassar todo e qualquer obstáculo, demorassem o tempo que demorassem a contorná‑lo. Em última instância, partiam para a guerra não como um fim, mas como um meio para conseguir utilizar as suas nzil’a bazombo, ou melhor, os seus velhos itinerários mercantis.
 
Conhecendo o governo português esta forma de estar dos zombo (enquanto povo raiano), utilizava, conforme a situação das populações, diferentes métodos para atingir o mesmo fim: a ocupação efectiva. Prova disso é o seguinte trecho que encontrámos numa circular do governo do distrito:
 
“Neste caso nem sempre o imposto nos dará a justa medida da submissão – Depois dá‑se também o caso de em um dado momento não ser propriamente a cobrança do imposto de cubata o objectivo imediato dos problemas de ocupação os quais na realidade e na maioria dos casos, sempre, digo, na maioria dos casos, assumem sempre um aspecto geral que exige uma bem meditada sequência de medidas administrativas […] No distrito do Congo, ainda estamos nas circunstâncias que tornam necessário proceder‑se na ocupação como este governo refere na página 22 do seu relatório de 20 Fevereiro de 1911, isto é: realizá‑la pelas linhas de menor resistência até à fronteira.” 7
 
Embora, em termos teóricos, o problema da divisão de fronteiras geográficas e dos povos que habitavam a região parecesse resolvido, as autoridades portuguesas confrontavam‑se com problemas decorrentes da aplicação prática das decisões operacionais que viessem, efectivamente, concretizar a estabilização das populações. Neste sentido, consideremos a seguinte citação, da mesma circular do governo de distrito (o sublinhado é de nossa autoria):
 
“O problema de ocupação ao longo da fronteira, se é certo que não oferece um aspecto de contingência internacional, porque está feita a delimitação, tem todavia uma importância capital, porque evita o deslocamento dos povos, principalmente dos arraianos tão frequente ao longo da fronteira Luso‑Belga em ambas as citadas regiões e evita ainda um outro facto não menos importante, a saída pelos portos belgas dos géneros coloniais produzidos em território nosso, sem deixarem à nossa bandeira, quer sob a forma de lucro para o comércio particular, quer sob a forma de regime aduaneiro para o Estado”.8
 
Os zombo tinham encontrado uma nova forma, muito mais rentável e menos cansativa, de ganhar a vida. Infelizmente, para eles, seria por pouco tempo. A nova oportunidade, para os zombo, de independência comercial só surgiu em 1975 quando tomaram posse de vez das casas comerciais dos portugueses. Anteriormente, para sobreviverem à ocupação dos comerciantes portugueses enquanto principais agentes da ‘bandeira portuguesa’ na fronteira noroeste de Angola, desceram à categoria de vendedores ambulantes e comissionistas (os célebres minkiti conhecidos no Zombo por kankitas) integrando‑se e ‘subordinando‑se’ de modo exemplar à ocupação portuguesa. E de tal forma desempenharam os serviços de que eram encarregados, que os melhores colaboradores eram altamente disputados e relativamente bem pagos, dada a sua influência sobre os povos muxikongo, sossos, pombos e yakas, o que muito ajudaria os portugueses a estabelecerem a capitania‑mor do Kuango.
 
Porém, uma ocupação é sempre vista, por quem é ocupado, como uma forma de violência. Os menos avisados reagem de imediato e, por esse motivo, pagam com a vida a sua rebeldia. Outros, como foi sempre o proverbial caso dos zombo, tornam latente o seu orgulho de independência (no sentido de liderarem a sua vida sem obstáculos). Submergiam e submergem ainda, esperando com a maior paciência, sempre acautelados pelos seus ‘sábios’, a melhor ocasião para emergir adequadamente. Esse adequadamente era visível quando, por exemplo, traziam hasteada, à frente da caravana, a bandeira que permitia que fossem reconhecidos ao longe, indicando o povo a que pertenciam.9 Se antes não faziam ideia do propósito de qualquer comitiva trazer hasteado um ‘pano’, não lhes foi difícil relacionar esse mesmo ‘pano’ com as pessoas que integravam a caravana e avaliar se lhes interessava ou não contactar com eles. Esta noção foi‑lhes incutida pela forma como as comitivas portuguesas, francesas, belgas e inglesas se apresentavam perante eles, também com a bandeira hasteada. Tal pode ser observado na fotografia que se segue.
 
 
 
 
Esta qualidade, inerente a todos os povos, de se libertarem do jugo de estranhos parecendo que se submetem ao domínio daqueles que deles se tentam aproveitar, está bem patente no artigo no Diário de Notícias assinado pelo governador do distrito do Congo, José da Silva Cardoso:
“Em todos os casos o objectivo real da rebelião é sempre o forte desejo que o preto tem de sacudir o jugo do branco, ao qual se submete aparentemente, respeitando a sua força, e admirando o seu engenho, mas detestando o seu ascendente.” 10
 
Os sucessivos aumentos das taxas de imposto de cubata, que incidiam sobre os povos da área, iam criando as condições favoráveis ao início da rebelião a que se adicionavam as exigências da prestação de serviços dos carregadores não remunerados pela administração colonial. O insucesso das operações tentadas em 1913, que resultou na morte do Capitão Praça, deu aos rebeldes a ideia real da forma como podiam e sabiam fazer frente às forças de que dispunha o exército português.
 
Encontramos aqui condições relevantes que propiciaram a actuação guerreira do grande chefe Álvaro Tulante Buta. Este ainda não tinha perdido as esperanças de chegar aNtotila, até porque, e acima de tudo, a sua linhagem uterina lho permitia. Mais uma razão para que movesse a guerra aos portugueses e conseguisse concretizar o seu desejo. Ele acreditava que, uma vez derrotados os portugueses, conseguiria a reunificação do antigo reino do Kongo. Assim pensaram os primeiros dirigentes da UPNA nos finais dos anos cinquenta do século passado.
 
Os hábitos adquiridos com a transigência das autoridades de S. Salvador (depois Maquela do Zombo, Damba e Bembe, para nos reportarmos à zona de influência dos chefes zombo) para com as missões inglesas sedeadas no então Congo Português facilitaram o crescente ascendente das mesmas sobre os povos da sua zona. A esfera de acção da companhia inglesa Cadbury, transformadora dos produtos do cacau, tinha, no entender do autor do manuscrito em nosso poder,11 como responsável pela angariação de mão‑de‑obra indígena o missionário inglês Bowskill12. Acrescenta ainda o mesmo documento:
 
 
 
“As manobras da Cadbury na sua campanha pseudo‑anti‑esclavagista, estendendo‑se ao Congo Português onde tinha por agente o missionário inglês Bowskill. Director da British Baptist Missionary Society, explorando o recrutamento de mão‑de‑obra para S. Tomé e para as fazendas do enclave”.13
 
Este mesmo assunto é referido em pormenor por René Pelissier (1986: 312), que a determinado momento confirma o que vimos dizendo:
“O novo administrador de S. Salvador, o Capitão Martinho José de Sousa Monteiro, que realizara havia pouco a junção Noqui‑S. Salvador, não era, decididamente, defensor dos protestantes, em especial do Rev. Bowskill, que parece não ter sido tão inocente como dizia e que, libertado mas vigiado, ficou em S. Salvador até ao Outono de 1914.”.
 
Pelo que temos deixado transparecer, a posição, até mesmo pessoal, do Capitão José de Sousa Monteiro relativamente a Bowskill era de total desconfiança. No entanto, Bowskill era um missionário da inteira confiança de Faria Leal, administrador de S. Salvador, e que o Capitão José de Sousa Monteiro veio substituir. Segundo este, o missionário era muito respeitado por todos e, em especial, pela parte da família do Ntotila, que tinha optado pela religião cristã baptista. Estas circunstâncias revelam, de certo modo, os diferentes interesses que envolvem sempre os representantes económicos, políticos e religiosos. Foi, é e será um tema de difícil tratamento e análise.
 
Como última referência à estratégia comum a todos os interessados no domínio da região, não é de mais repetir citações que apontem para a importância das vias de comunicação e do seu domínio. Neste sentido, citamos novamente a circular do governador de distrito José da Silva Cardoso:
 
“Em Maio de 1911 a região do Zombo pretendia impor‑se à nossa autoridade […] Esta última sublevação forçou‑nos a ir ao Zombo […] Reconhecendo que a Damba se servia do caminho do Bembe para as suas relações com Maquela, procuramos assenhorar‑nos desses caminhos […] É necessário policiar os caminhos para activar as marchas das caravanas.” 14
 
Numa última referência a Buta, citamos o mesmo governador de distrito porque a lição das enormes dificuldades colocadas por Buta ao domínio político e territorial dos portugueses não serviu às chefias militares da Zona Intervenção Norte a partir de 1961, e no nosso entender até finais de 1965:
“Note‑se de passagem a simultaneidade d’estes ataques: adeante veremos que proximamente na mesma época era atacado o posto da Damba e em face d´isto não háverá quem ouse contestar que todos estes ataques obedeciam a um bem elaborado plano, que levando‑nos a dividir as poucas forças de que poderíamos dispor, nos conduzia à fraqueza em toda a parte e que, se não nos colocasse em risco de sermos batidos e aniquilados, nos crearia, pelo menos graves dificuldades em subjugação da revolta. Não havia dúvida de que um tal projecto abona a capacidade táctica e estratégia do autor, que ainda reservava para si a vantagem de manobrar pelas linhas interiores, como parece provado que o fez; e, em face disto, a admitirmos que um tal projecto foi elaborado por Buta, estensivo chefe de guerra, absolutamente analfabeto, teremos que curvar‑nos reverentes em face deste génio, só igualado pelo que os seus subordinados manifestaram na arte da fortificação.” 15
 
O documento que a seguir apresentamos é um esboço topográfico da estrada de Noki a Maquela do Zombo e deixa uma reflexão: poderemos nós agora imaginar o que foi a luta pela abertura das vias de comunicação em Angola a partir de meados de 1915 a 1930?
 
 
 
Quanto teria custado, em termos de impopularidade, a obrigatoriedade de parte de população válida ter de trabalhar, sem salário, na desmatação e derrube das árvores? Enfim, no nivelamento das estradas, sem esquecer a confiscação de terras aráveis por onde viriam a passar essas mesmas estradas? Deixamos a este respeito uma nota retirada do mesmo documento do esboço e que se refere à estrada de Noki a Maquela do Zombo:
 
“Estrada esta já construída entre Noqui e a ribeira Mavoura na extensão de 15 quilómetros. Isto não é nada para a extensão total dela que anda por 300 quilómetros (e não 202 como erradamente se fez supor […] Não segue ele o traçado já esboçado pelo pessoal das Obras Públicas e mais ou menos seguido pelas comitivas entre Noqui e o rio Kenguel […] Em todo o caso não se pode afirmar, sem um estudo prévio, que o actual caminho possa ser aproveitado por uma estrada regular”. 16
 
Este traçar do futuro começaria a trazer uma grande instabilidade à organização social tradicional dos zombo, habituada que estava, desde há séculos, a exercer a sua vida económica através de trocas, impondo com as razões do seu poder, que muito bem sabiam equacionar, o domínio comercial de grande parte do baixo Congo. Os panos foram sendo substituídos ‘lentamente’ por moeda, tanto portuguesa como belga, adquirida através do trabalho compelido em Angola ou com o ganho na emigração zombo para o Congo ex‑Belga, a que não era estranha a necessidade de mão‑de‑obra sentida pelos belgas, especialmente nas explorações mineiras e na construção dos caminhos‑de‑ferro. No caminho‑de‑ferro de Matadi, era comum o uso da inequívoca expressão kikongo Bula Matadi para designar o caminho feito só a ‘partir pedra’. Esta expressão tem a ver com a forma das populações da zona compreenderem como forma de desobstruírem o caminho fazendo explodir pedras por vezes com centenas de toneladas de peso recorrendo ao uso da dinamite. Este tipo de tecnologia utilizado na construção de uma via‑férrea era completamente inacessível à capacidade financeira do estado português, embora este reconhecesse como era imperiosa a instalação da via‑férrea para o desenvolvimento do domínio português em Angola. A introdução do salário no trabalho obrigatório começava a ser defendida com grande firmeza, embora também com grande prudência pela administração colonial. Sobre esta problemática, Sampayo e Mello (1910: 333) lembra:
 
“(…) Mgr. Angouard, bispo do alto Congo Francêz ainda há poucos mezes, num livro sobre o Congo, defendia o trabalho obrigatório para os pretos e sustentava que ele deve ser mantido com grande firmeza, embora com grande prudência, acrescentando que a exploração do trabalho indígena em África longe de poder‑se classificar de escravatura, representava um bem estar social bem mais favorável do que os brancos da metrópole, verdadeiros escravos sob o jugo dos impostos, do serviço militar, e das rudes exigências do trabalho rural.”
 
Contudo, a aplicação do pagamento em dinheiro por serviços prestados custou aos orgulhosos e omnipotentes zombo a gradual adaptação a tarefas que normalmente não aceitariam, pela sua vinculação aos seus seculares costumes tradicionais e, por consequência, mais dificuldade tiveram em se adaptar às novas regras mercantis dos portugueses. Foi necessário ainda que a ocupação efectiva desse lugar, de uma forma gradual, ao cimentar da colonização branca e que tomasse efectivamente a forma peculiar da autoridade militar, que se traduz por inequívoca obediência, seguida de perto pela administrativa para que os zombo se aquietassem.
 
Parte do dinheiro auferido pelos zombo na construção de estradas e vias‑férreas do Congo ex‑Belga viria a ser aplicado no pagamento do alembamento da primeira e talvez única mulher17. Pela primeira vez, alguns jovens zomboque normalmente tinham dificuldades em conseguir das suas patrilinhagens o pagamento da compensação nupcial, estavam agora em condições, através do salário auferido com o trabalho na nova economia monetária, de satisfazer as exigências das matrilinhagens da noiva. Porém, a adaptação aos novos critérios de vida e o ‘esquecer’ das obrigações sociais para com os seus maiores precisava de tempo, tanto tempo que ainda hoje essa adaptação se está a processar.
 
 
Algumas Especificidades da ‘Situação Colonial’ entre os Zombo Desde 1910 até ao Final da 2ª Guerra Mundial (1945)
 
Todo o discurso do capítulo anterior é bem representativo do grau de exigência com que os portugueses se viram confrontados pelos seus compromissos internacionais e pela exigência do seu novo papel e a forma como os zombo entenderam algumas ambiguidades e o novo conflito, que não esperavam e com o qual começavam a confrontar‑se. Tratava‑se do início daquilo a que se veio entender como – o Fenómeno Colonial. Como temos vindo a perceber, os zombo faziam parte duma “elite tradicional” que, ao longo dos séculos, através de um quase monopólio do comércio de caravanas de longo curso, continuaria a dificultar a concretização desse mesmo Fenómeno Colonial.Podemos socorrer‑nos das palavras do professor A. Silva Rego para definirmos este conceito: “É o fenómeno pelo qual uma nação, ou mesmo, um grupo étnico se estabelece em regiões, geralmente situadas além‑mar, habitadas por povos de civilização diferente ou inferior”.
 
Este fenómeno, com efeito, tornou‑se numa complexa questão no decorrer dos últimos cinquenta anos do século XX. Quem investiga, em termos académicos, o tema, sujeita‑se às consequentes críticas vindas de todos os quadrantes políticos, sociais e económicos, face à forma como reveste o seu discurso. Assim, devemos deixar claro que a fase da colonização, sobre a qual nos debruçaremos é a da colonização moderna, ou seja, aquela que resultou da Convenção de Berlim de 1884/1885.
 
Os colonizadores, a partir de então, eliminarão os poderes das organizações políticas tradicionais da população local. A consequência foi o início da Paz Colonial iniciando‑se, assim, o ‘caminho’ da adaptação ao meio da nova e inexperiente administração civil, e com ela se faria lentamente o reagrupamento das populações. Por volta de 1906, apareceu a obrigação do imposto indígena – base política da autoridade portuguesa – cujo pagamento era obrigatório a todos os colonizados válidos. A sua aplicação e receita foram excepcionalmente importantes. Efectivamente, os homens considerados válidos tinham de se dedicar a um trabalho produtivo, caso contrário, deveriam empregar‑se junto das autoridades locais. Entre os autores que se dedicaram, no terreno, ao assunto das ‘Questões Coloniais’, ressalta a autoridade de Lopo Vaz de Sampayo e Mello (1910:421) com a obra Política Indígena na qual afirma:
 
“Quando aconteça estarem os autóctones isentos de qualquer imposto antes do estabelecimento da autoridade dos colonizadores, é indispensável que a tributação que se lançar seja moderada, e que na sua cobrança se observe a mais evangélica paciência, contemporizando‑se sempre que possível for, com as reclamações dos interessados. Por se terem mostrado intolerantes e exigentes os seus agentes fiscais tiveram os ingleses que sufocar penosamente sucessivas revoltas que o lançamento do imposto de palhota provocou na Serra Leoa e na Achantalandia. Há toda a vantagem em conservar
o sistema de cobrança de impostos utilizado pelos indígenas, e, até em certos casos é conveniente continuar aproveitando os serviços dos primitivos recebedores.”
 
 
 
Apesar de todas estas cautelas por parte dos responsáveis da política indígena, muitos abusos aconteceriam, ao longo do processo da aplicação dos impostos, como já tivemos ocasião de observar. O ‘imposto de palhota’ (como é chamado por Lopo Vaz de Sampayo e Mello, na página 428, da obra citada “Nas outras regiões africanas sujeitas ao domínio portuguez, o imposto indígena, ou é um mero tributo annual de vassalagem pago pelos chefes naturaes, ou imposto de palhota que é uma espécie de contribuição predial fixa.”) com a designação de imposto de cubata, segundo o autor supracitado (1910:443) “foi criado pelo decreto de 31 de Maio de 1887, referendado por Barros Gomes, que fixou o seu quantitativo em 250 reis anuais por cada cubata”. Recordemo‑nos dos problemas que a administração portuguesa teve com o grande chefeButa até 1915 e por aí, podemos avaliar a dificuldade do recebimento do imposto. Na secção que dedicamos à 2ª Companhia Militar de Maquela do Zombo, daremos conta novamente dessas mesmas dificuldades.
 
A vida dos colonos que vamos abordar, pouco ou nada se relaciona com aqueles a que os naturais do sul de Angola apelidaram de xicoronho, e que foram a base do pensamento de Norton de Matos, alto comissário de Angola, na sua segunda governação (1921/1923). Vinha investido naquele primeiro cargo com mais amplos poderes governativos da colónia, após ter desempenhado as funções de ministro das colónias e de ministro da guerraNessa altura, foi feito, ao nível das possibilidades da administração portuguesa, um grande esforço para incrementar a colonização dos brancos em Angola. Neto (1964:115) na sua dissertação de doutoramento Meio Século de Integração e, mais precisamente, na secção de título ‘A Acção do alto‑comissário Norton de Matos’ logo no início afirma o seguinte:
 
“A Acção de Norton de Matos, como Alto Comissário, no sector de povoamento europeu, fez‑se sentir mesmo antes da sua chegada à província, porque tendo comunicado em Novembro de 1920 para Angola que no próximo mês de Janeiro chegariam com destino a Porto Alexandre 60 pescadores «poveiros» o encarregado do Governo Geral determinou por portaria a abertura de um crédito de 80.000$00 para instalação da colónia poveira e da indústria de pesca a que ia dedicar‑se.
Esse núcleo de poveiros devia de constituir, segundo as intenções de Norton, um primeiro passo para o estabelecimento, ao longo da costa e durante um período de 10 anos, de vinte povoações de pescadores metropolitanos em todos os pontos onde fosse possível encontrar água potável e que não estivessem já ocupados por povoações importantes, de modo que, para futuro, não se percorresse um grau de latitude com o mar à vista sem se encontrarem pelo menos, dois estabelecimentos constituídos por famílias metropolitanas: cidades, vilas aldeias ou simples grupos de pescadores.”
 
Pela descrição do autor citado, e pelo que já foi referido, vemos que o centro e sul de Angola, em nada se comparavam com a realidade do norte de Angola, (o que ainda hoje acontece apesar da independência), se considerarmos norte, a linha que começa com a zona dos Dembos, a cinquenta quilómetros de Luanda, sensivelmente a partir da povoação do Sassa contígua à fazenda da ‘Tentativa’ produtora da monocultura de cana‑de‑açúcar localizada no Caxito. Ali, começava o profundo isolamento, só quebrados cento e vinte quilómetros mais além, na vila do Ambriz. Depois, de cerca de trezentos e cinquenta quilómetros, outro aglomerado populacional se nos deparava a vila do Bembe, com pouco mais de uma escassa meia centena de europeus, incluídos os funcionários públicos.
 
Nesses tempos, quantas colunas de camionistas (considerando mais ou menos quatro ou cinco camionistas por coluna) juntavam‑se para se entreajudarem a passar os enormes lamaçais provocados pelas chuvas torrenciais. Iam sempre preparados com tábuas (que colocavam debaixo do chassis da viatura) para passarem os areais à custa do trabalho com enxadas, pás e catanas, para cortar troncos com que chegavam a fazer pequenos troços de estrada, por vezes com mais de cinquenta metros. Frequentemente, descarregavam metade da carga, voltando a carregá‑la, após a passagem dos ditos lamaçais. Passavam‑se dias e dias a fio, a comer atum enlatado, chouriço rançoso e batata‑doce. Não descansavam quando o corpo pedia mas sim, quando a chuva irrompia e então havia que esperar que as condições do tempo permitissem uma nova etapa.
 
Entre os zombo, os colonos brancos raramente se estabeleciam na condição de colono da terra ou o célebre xicoronho, como era conhecido o emigrante português no planalto da Huila. A título de curiosidade, quanto à corruptela de colono por xicoronho, a palavra é composta pelo prefixo nsi ou xi que, mais uma vez, significa terra, no sentido de país, e coronho, que, como se torna claro, indica colono, designando assim o branco que trabalhava a terra.
 
Dos autores que conhecemos e que se dedicaram ao assunto, optamos por nos debruçar atentamente sobre cinco deles. Mantê‑los‑emos no nosso horizonte de memória, enquanto dissertarmos sobre a colonização entre os Zombo. O primeiro é conhecido da generalidade dos portugueses, foi Ministro do Ultramar, em época difícil da governação portuguesa nas colónias, ou seja, por finais dos anos cinquenta e princípio dos anos sessenta do século passado. Trata‑se de Adriano Moreira sobre quem recaiu também a responsabilidade da direcção do Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina, sedeada em Lisboa, escola de onde saíram os diferentes escalões dos responsáveis pela governação das colónias, embora fossem conhecidas ultimamente porprovíncias ultramarinas. O segundo autor trata‑se de René Pélissier, o reputado investigador das questões coloniais das potências colonizadoras europeias. A ele recorreremos com frequência, pela actualidade das suas referências em relação à vida dos zombo, durante o período colonial, com as suas obras “La Colonie du Minotaure” (1978)19, “Le Naufrage des Caravelles” (1979)20 e “Histórias das Campanhas de Angola,Resistências e Revoltas 1845/1941 21. Em terceiro lugar, referir‑nos‑emos a João Baptista Nunes Pereira Neto, e sobre ele citamos René Pelíssier (1978:36) (“Le meilleur spécialiste de la question démontre qu’en vingt ans (1931‑1951) l’Etat se desintéressera a peu pré complètement de la colonisation dirigée…” acrescentando que a sua tese de doutoramento ‘Angola Meio Século de Integração22 nos tem vindo a servir para perceber a importância da sua envolvência face ao nosso tema. Em quarto lugar apontamos para Manuel Alfredo Morais Martins, por ser um investigador que trabalhou e conheceu os zombo, durante a década de cinquenta do século passado pois ali exerceu o cargo de Administrador na vila da Dambao que o levaria a escrever a obra ‘Contacto de Culturas no Congo Português’(1973)23. Finalmente, o quinto autor é Arthur Ramos de Araújo Pereira, médico psiquiatra, psicólogo social, indigenista, etnólogo, folclorista e antropólogo. O que mais nos aproxima deste autor são as comparações que podemos estabelecer muito nitidamente, com os kongo e por consequência, com os zombo, através de três obras de sua autoria: O Negro Brasileiro(1934)24O Folklore Negro do Brasil (1935)25 e finalmente Estudos de Folk‑Lore (1951)26. Pensamos não ser um pretensiosismo, apontarmos este escritor brasileiro, como de leitura indispensável para discorrermos sobre o pensamento zombo, especialmente pela relação temporal e pelo espírito Zeitgeist, ou seja, o "espírito da época" ou "espírito dos tempos".
 
Retomemos agora o título deste sub‑capítulo: A ‘Situação Colonial ’ entre os Zombo.”. O seu significado é entendido segundo Adriano Moreira (1966:23) “Como um complexo peculiar de relações humanas sistematizadas tendo como fulcro um certo tipo de dependência”. De seguida, desenvolveremos os mais variados aspectos da questão, derivados da consulta de documentos históricos. Através da sua leitura, foram‑se enraizando, crescendo e desenvolvendo ideias sobre a peculiaridade da colonização entre os zombo, e continuando a citar sobre a questão, Adriano Moreira (1966:25), mais claro e evidente se torna o nosso pensamento:
“É que a sociedade responsável pela constituição da situação colonial, quer no aspecto do colonizador, quer no aspecto do colonizado, era inteiramente diferente, nas suas características, da sociedade formada por aqueles que actualmente se encontram envolvidos no fenómeno colonial. Bastará lembrar, como nota de primeira evidência, que não tinham por essa altura, nem experiência de colonizadores nem experiência de colonizados, e que não podiam sofrer nas respectivas personalidades as pressões peculiares de uma vida em comum segundo o esquema colonial que eles próprios estabeleceram”.
 
Um pouco mais à frente, Adriano Moreira (1966:30) acrescenta para melhor esclarecimento:
 
“(…) será então preferível, para os fins da ciência política, substituir a noção de colónia pela noção de situação colonial e dizer que esta se verifica sempre que no mesmo território habitem grupos étnicos de civilização diferente, sendo em regra o poder político exercido só por um deles, sob o signo da superioridade e acção modificadora de uma das civilizações em contacto. Quando os órgãos do poder político têm sede em território geogràficamente distinto, por acidente natural ou histórico, diz‑se que a situação colonial decorre numa colónia.”
 
Convirá finalizar, por agora, o pensamento de Moreira (1966:37) para o enquadrar no objecto de estudo da dissertação de Neto (que transcreveremos abaixo:
 
“Pelo que toca ao destino da relação de dependência colonial, pode o esquema colonial ser definido em função de uma final separação entre o Estado colonizador e o povo colonizado, que vem a adquirir a independência; ou pode acontecer que o fim procurado para a independência colonial seja a integração numa unidade política, que pode revestir qualquer das formas clássicas de Estado unitário ou federado, ou mesmo qualquer outra forma nova, como parece ser o objectivo da União Francesa”
 
Na posse deste esclarecimento, entenderemos então que a questão colonial não foi ‘uma linha recta’. Houve que agir operacionalmente conforme a conjuntura política internacional se apresentava a dado momento, e sobretudo nunca perdendo de vista os magros meios financeiros portugueses e o seu fraco excedente demográfico disponível. Apesar de todos os esforços, houve sempre grande cautela em gerir o recurso à força, com que, por vezes, a sociedade colonizadora se viu obrigada a utilizar. Os zombo reagiriam à pressão a que estavam condenados.
 
É por isso, oportuna e sintomática a dissertação de João Pereira Neto. Será bom que atentemos no título e na data da publicação, 1964, e daí podermos retirar algumas e preciosas ilações, bastando substituir o termo usado diferença tecnológica por poder político. Voltaremos a esta citação noutra ocasião (1964:19).
 
“O estrito cumprimento desses princípios é condição essencial de sobrevivência para o grupo tecnologicamente mais evoluído, se for demograficamente minoritário, porque se assim não proceder, na altura em que for superada a diferença tecnológica a reacção do grupo até então considerado inferior não só destruirá, na sua ânsia de superar o condicionalismo em que se integra, tudo o que considere revelador da sua condição de inferioridade, como inutilizará também tudo o que de bom houver sido feito pelo outro grupo”.
 
Com o respeito devido à autoridade do autor no tratamento deste assunto, gostaríamos de lembrar aqui uma frase que ouvimos em 1975 a Jonas Malheiro Savimbi: “Quando os elefantes se zangam quem sofre é o capim…”, na versão portuguesa: “Quando o mar bate na rocha, quem se lixa é o mexilhão…”. Embora fosse essencial o respeito pelas condições de vida do grupo tecnicamente menos evoluído, Neto estava muito atento e diga‑se de passagem que na dissertação não se referiu a questões que sabia seremcruciais para o seu objecto de estudo. Na abordagem e referências face aos zombo, só Adriano Moreira parece não ter referido em qualquer obra ou artigo os zombo. Ainda assim, que saibamos, só Alfredo Morais Martins (1973:99) conheceu no terreno e bem os zombo, afirmando o seguinte:
 
“Os mercados em todo o Congo, abstraindo da referida evolução derivada de alterações sofridas pelo comércio de exportação, tinham e têm características especiais e dignas de nota, que devem vir de recuadas eras em que a instituição se criou e se têm mantido quase incólumes até aos nossos dias, pelo menos nas áreas onde se radicaram mais firmemente e que são, precisamente, as que melhor conhecemos: Zombo e Damba” 27.
 
Para reforçar o título da nossa dissertação em kikongo, diz a respeito apoiando‑se em J. Van Wing, autor da obra Etudes BakongoHistoire et Sociologie, Bruxelas, (1921:107):
 
“Na região de Mpangu que actualmente tem como centro principal a importante povoação de Thysville, no Congo Belga, a influência dos Bazombo era tanta, as visitas comerciais eram tão frequentes, que a Via Láctea, por apresentar no firmamento a mesma direcção do principal caminho trilhado pelas caravanas daqueles caminhantes infatigáveis, passou a ser conhecida por Nzila Bazombo, isto é, caminho dos bazombo”.
 
Veremos ainda que o nosso discurso fluirá como contribuição ao estudo das características do povo zombo, e que, umas vezes, coincidirá com as opiniões do autor citado e outras vezes rondará particularidades e factos históricos deste povo de fronteira o que, até aqui, que saibamos, não foram abordadas em dissertações académicas, nem dela demos conta em qualquer outro texto. Vamos realçar a dinâmica da plasticidade dos zomboface à administração dos portugueses, veremos como souberam iniciar a nova adaptação à prática do contrabando de sobrevivência. A adaptação à agricultura de tráfico que as suas famílias, melhor as suas mulheres e filhas se viram compelidas a aprender, equilibrando o que precisavam para a alimentação da família até à nova colheita de outro alimento vegetal substituto, vendendo o restante nos nzandu (mercados), debaixo da tutela do chefe de família, sendo certo que talvez fosse a partir daqui que começaram a fazer o seu mealheiro e subtilmente fazerem o seu próprio mercado paralelo face ao marido. Terá sido com este povo que os portugueses terão de se entender nesta zona até 1975.
 
 
 
Quatro componentes da colonização portuguesa do norte de Angola, tornaram‑se relevantes para a importância do seu legado no futuro desenvolvimento dos zombo. Estamos a referir‑nos aos comerciantes do mato, em primeiro lugar, por serem os intérpretes das trocas mercantis, e delas, muitas vezes, se  aproveitaram indevidamente não tendo o menor escrúpulo em enganar o indígena, que também não era assim tão inocente, se nos lembrarmos da secular concorrência dos mercadores islamizados na área. Seguidos dos militares, que se serviram das informações dos comerciantes, para poderem progredir no terreno, porque foram eles os principais intérpretes da ocupação efectiva, os que eram obrigados a pagar muitas vezes com a vida, a missão de que estavam investidos, carregando com o ónus do ódio ao branco.
 
Devemos acrescentar que os valores morais pelos quais se pauta o militar e que são a ‘honra, a vergonha e o dever’. Esses princípios trazem na sua essência os mais elementares conceitos de justiça, sendo evidente que as grandes agruras passadas em campanha também levam ao desleixo e, muitas vezes, ao rompimento com os valores acima mencionados.
 
De seguida, referimo‑nos aos missionários que não necessitam de apresentação, dada a sua presença por estas paragens desde a chegada de Diogo Cão (1483). À sua acção dedicámos já uma parte substancial da primeira parte da dissertação quando demos a nossa contribuição para os “Antecedentes dos Zombo com o Reino do Kongo”, porém, devemos acrescentar que as relações entre duas igrejas – a católica e a protestante e o Residente em S. Salvador do Kongo, não foram nada fáceis – a partir de 1878, com o início das relações de George Grenfell, primeiro director da Baptist Missionary Society, relatadas numa obra extraordinária (da qual não demos fé nem nas Biblio­tecas das Universidades Portuguesas nem na Biblioteca da própria Sociedade de Geografia de Lisboa) que o autor Harry Johnston (1908) intitulou ‘George Grenfell and the Congo28.
 
Abaixo reproduziremos uma célebre fotografia de George Grenfell em S. Salvador. No nosso estudo, não estamos interessados em filiações religiosas, interessam‑nos sim as figuras e as obras destes dois homens excepcionais, por ordem de chegada a S. Salvador: George Grenfell e o padre António Barroso.
 
 
 
A nossa formação antropológica dedica particular atenção à Antropologia Visual, e a fotografia acima sugere‑nos dois reparos: Grenfell está apoiado numa carabina e devidamente vestido para enfrentar os caminhos do mato. Perguntamo‑nos como o faria o padre António Barroso. Não é a nossa opinião que está em causa, mas sim os factos e as relações consequentes das preocupações sociais dos missionários para com os povos kongo da região. Iremos ao encontro da história com documentos, e neste caso, embora saibamos das posições ideológicas tanto de Heliodoro Faria Leal, como de Norton de Matos, lembremo‑nos que um era localmente o representante do governo e outro a autoridade máxima na altura em Angola. Comecemos por dar a palavra ao primeiro, acerca do trabalho missionário, em geral, e depois, em particular, acerca de António Barroso:
 
 
 
Embora, pelo que deixou escrito deixasse entender a sua inclinação para privilegiar os missionários protestantes, o que escreveu sobre o padre António Barroso deixa entender o respeito pelas atribuições do missionário, que se seguem descritas:
“Inteligente e activo o padre Barroso lançou as bases da moderna propaganda religiosa católica e se não levou de vencida os seus antagonistas protestantes sustentou, contudo, briosamente a contenda e criou um forte núcleo de adeptos, no que teve como auxiliares e seguidores os padres Sebastião José Pereira, Mathias, Gata, Albuquerque e Pequito, jazendo este último no abandonado cemitério de S. Salvador do Congo” 30
 
 
 
A última componente, por ter sido a última a chegar, os administradores de circunscrição e os sacrificados chefes de posto que viriam a substituir os capitães‑mores, note‑se que dizemos sacrificados porque Portugal e a administração colonial portuguesa nunca os recompensou devidamente, especialmente nos seus vencimentos e regalias (só facultadas a administradores de circunscrição). Algumas vezes, foi‑lhes apontada brutalidade e injustiça no cumprimento dos seus deveres, que diga‑se em abono da verdade alguns mereceram, mas a maioria sabia, isolada como estava, que impor pela força a autoridade era condição sine qua non para uma vida passada a ser odiado sem necessidade.
 
Aqui, não se abordará a colonização dirigida porque pura e simplesmente não se verificou nesta parte de Angola. Os percursos, que os europeus faziam em caravana ou isolados, eram os mesmos que os zombo percorriam há séculos. Poucos fazem ideia do que era passar o terreno dos dembos, o calor insuportável, o andar, ou melhor, o arrastar dos pés pelos areais do Libombo ao Tabi e daqui por sua vez ao Ambriz. A falta de água potável, os lamaçais, o corpo rasgado pelas espinheiras, o medo de ser mordido por uma serpente e, acima de tudo, os mosquitos que com as suas constantes picadas não deixavam as gentes em paz, tornavam‑se as mais implacáveis dificuldades. Entre os inconvenientes climáticos, havia a destacar a predominância de um tempo quente e húmido, que fazia com que a roupa estivesse permanentemente colada ao corpo, fazendo dos viajantes presas fáceis dos agentes infecciosos, como os insectos vectores, os protozoários, os fungos, os vírus e bactérias. Alguns são cosmopolitas, como os da lepra, tuberculose, febre tifóide e desinteria amebiana, outros eram de origem exclusivamente africana como os da bilharziose, das tripanosomíases e da febre‑amarela. Sem dúvida, que esses europeus ‘compradores de ilusões’ se encontravam em terrenos da maior concentração de doenças malignas existentes nas terras africanas. Não admira que muitos desses viajantes morressem logo após os primeiros meses da chegada.
 
Os brancos que nos primórdios do século XX avançaram sobre o norte de Angola e mais especificamente os que ocuparam a savana zombo e que precederam os militares ou os seguiram, foram os comerciantes do mato que substituíram os funantes e formaram uma das componentes a que nos referimos nesta secção da dissertação.
 
A relação directa que temos com o assunto prende‑se com um longo período da nossa vida: o da convivência com os zombo, no seu ‘chão’ de origem. Foram vinte e cinco longos anos de aprendizagem ininterrupta com os zombo e que ocuparam parte da nossa juventude e da nossa vida adulta. A esta relação dedicaremos parte do espaço da colonização 1945/1975. Pessoalmente, fizemos parte dessa faixa de portugueses que andaram de ‘mochila às costas’, o que acontecia e ainda acontece, pelas mais variadas razões, como por exemplo:
A conquista, o espírito de aventura, o rigor climático, a questão da fome, as perseguições políticas e religiosas, a busca de terras mais generosas ou menos densamente povoadas, a inquietação perante as crises económicas e os períodos de desemprego, o desejo de melhoria de condições de vida, a simples curiosidade, a renovação de horizontes, entre outros. 31
 
Por nós, pensamos que se deve acrescentar, pela parte que cabe às razões da necessidade de emigrar – a pressão familiar, os conflitos dentro dela gerados e a fuga à justiça, por prática de crimes da mais variada ordem, como factores preponderantes na equação do problema da deslocação das classes menos privilegiadas para países distantes.
 
Não trataremos aqui a questão da Colonização Científica Portuguesa, que tanto quanto sabemos, foi tradicionalmente empírica. Só em 1906, se fundou a Escola Colonial, como instituição pedagógica e, em 1926, dela emergiu a Escola Superior Colonial, também da responsabilidade da Sociedade de Geografia de Lisboa e que viria mais tarde a dar lugar ao Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina para finalizar no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.
 
Apesar deste extraordinário avanço, Angola e Moçambique continuaram a receber os europeus disponíveis, sendo que a esmagadora maioria eram homens ‘arremessados’ ao território isoladamente, mal sabendo ler e escrever. Mesmo em 1963, no decorrer de uma célebre operação de povoamento apressada e desfasada, o célebre batalhão Ferreira da Costa, deparámo‑nos com uma situação idêntica. A recepção aos ditos ‘colonos’ era feita em instalações adaptadas no bairro da Terra Nova, em Luanda. Estavam lá albergados perto de trezentos colonos disponíveis, nenhum tinha a antiga quarta classe e todos eram agricultores. Nenhum era pedreiro, carpinteiro, serralheiro, pintor, enfermeiro, entre outras especializações.
 
Os colonos do início da ocupação, ao serem levados, muitas vezes, enganados por outros, para a terra dos zombo beneficiaram da pacificação militar ou do seu início. Se alguma sabedoria tinham, era só a da sua tradicional cultura popular da terra de origem e mesmo essa componente da cultura, era na maioria das vezes a menos louvável. Tratava‑se da ‘cultura do desenrasca’, onde “na terra dos cegos quem tem um olho é rei”. Cabe aqui referir que a administração colonial implantada na zona, utilizava como bandeira, principal esta componente comercial, uma vez que a sua futura maneira de estar como comerciante o fixaria à terra.
 
É verdade que o agente do governo na zona, corria o risco do comerciante se aproveitar da pressão militar exercida sobre o indígena, para o roubar descaradamente. A princípio, o indígena, pouca ou nenhuma atenção lhe merecia, só entendia se era ou não difícil a aquisição dos produtos permutados, perceptível pela maior ou menor colaboração dos nativos. Porém, a plasticidade social do português, assimilador fácil de valores sociais, corrigia os seus defeitos com a necessidade de se adaptar ao meio social o melhor possível, e neste caso os zombo. Por isso, aqueles que se vingavam dos martírios a que a terra os submetia, (salvo os missionários por serem católicos), breve se fixavam à terra através da ligação à mulher da terra. Na nossa opinião, esta ligação, em termos da aceitação ou não, pelos homens da terra, não foi fácil, porque estavam simplesmente habituados a mandar. As mulheres iriam para onde o chefe da família extensa mandasse. Os novos elementos militares ou da administração civil tinham aparentemente a vida mais facilitada pelo seu emergente papel de senhores da terra. Permitiam‑se em alguns casos, mais frequentes do que seria de desejar, sujeitar as autoridades tradicionais ao silêncio e a anuição dos zombo em geral não lhes interessava. Porém, nem tudo era tão linear como aqui se possa deixar transparecer. Muitas vezes, a mulher nativa, muito nova, era introduzida na administração com as instruções precisas dos mfumu a vata. Tornava‑se imperativo que engravidasse.
 
 
 
De seguida, o administrativo seria confrontado pelos seus superiores face à situação em que se tinha deixado enredar, e aí, a mulher, com os filhos que conseguisse do branco, viria a ter um papel relevante nos serviços a prestar à sua comunidade. O mesmo se passava com o comerciante do mato. Neste caso, o processo era muito mais rápido. O seu permanente contacto com a Vata e as condições a que era obrigado a aceitar por parte do mfumu a vata a que se acrescentava a sua veia oportunista, caso quisesse sobreviver, não lhe permitia outra escolha. Toda a família extensa vinha comer do ‘barraco’ (a casa comercial de pau a pique), todos os tios, sobrinhos, irmãos, todas as mães e pais (leia‑se mamã e tata). Seria possível a este homem aguentar as teias do sistema? Acabava muitas vezes por perecer, deixando como único rasto os filhos mestiços. A verdade é que conhecemos já idosos, homens de sucesso, vindos deste lote de ‘compradores de ilusões’.
 
 
 
 
A experiência dos contactos que tivemos desde a nossa infância (1944) até 1975, dão‑nos respostas diversas. A primeira e mais corrente, era a que se verificava nos centros urbanos, o homem branco não assumia as suas responsabilidades com a mulher negra, não respeitava os vínculos parentais em que se tinha enredado. Normalmente fugia, denunciando a incapacidade de assumir a paternidade, mudando de terra. Outros, alardeavam a sua indiferença de ‘condição superior’ e ignoravam os filhos pura e simplesmente. A mulher negra, frequentemente pressionada pela sua parentela, descia à cidade e, de filho às costas, vinha dizer àquele homem que o filho era dele, que Deus lho tinha dado. O branco, por sua vez, alegava então que nunca a tinha visto e que ela o que queria era comer de graça com toda a sua família. Podemos acrescentar que perante este tipo de problema, o mundo não mudou de lá para cá.
 
A verdade é que hoje, em Portugal, existem casos (não raros) de portugueses, que regressados em 1975 e mesmo alguns anos depois, trouxeram as suas mães pretas. Os filhos destas uniões estão hoje perfeitamente integrados no continente e já constituíram família por cá. Quanto os brancos, que posteriormente se casaram em Angola com mulheres da terra, é assunto que ultrapassa o âmbito desta dissertação. Os caminhos que traçou a integração, não foram certamente os que os homens imaginaram, mas sim aqueles que a vida permitiu que acontecessem.
 
Este assunto naturalmente não se esgota aqui. No capítulo seguinte, referir‑nos‑emos, com maior detalhe e actualidade, à forma como a administração portuguesa viria a procurar incentivar o processo colonial através da integração, termo utilizado muito a propósito por Neto (1964:20) e a que viremos debruçar‑nos com a atenção que o assunto nos merece.32
 
Porém, os zombo que como já vimos, têm um extraordinário apego à sua liberdade de movimentos, começando pela forma como naturalmente pretendiam e pretendem gerir a sua escolha de trabalho, que coincide com um arrogante desprezo por tarefas que sempre consideraram servis. Curiosamente, viriam a ser reputados como excelentes alfaiates, lavadeiros e cozinheiros. Preferiram ser eles a empregar‑se tanto nas casas dos administradores coloniais, como em casa dos fazendeiros ou comerciantes do mato. Admitimos aqui, mais uma vez, que se apressavam a ficar com os trabalhos, não só menos cansativos mas também escolher entre aqueles que lhes permitissem ter acesso à intimidade da casa dos brancos. O trabalho da agricultura e venda nos mercados foi sempre da responsabilidade das mulheres. Estas ocupações também lhes deixavam margem para se dedicarem à caça e às célebres fundações (aquilo a que podemos comparar com as nossas sessões parlamentares) e, a partir de agora, ao pequeno comércio de sobrevivência – o contrabando. A sua integração também se ia fazendo pelo lado que circunstancialmente mais lhes interessava.
 
Contudo, há que notar que, de uma forma geral, tanto a população negra como a branca se sujeitava facilmente (talvez até por raízes culturais) à situação de profunda submissão, não discutindo nunca, independentemente da razão, o trabalho que lhes era atribuído.
 
Assim, o que deixamos dito é suficiente para se compreenderem os esforços dos mfumu a nsimfumu a vata, como líderes das populações zomboem geral localizados nas proximidades da fronteira zombo, muxikongo e yakapara extraírem o máximo de proveito da presença das autoridades portuguesas e belgas. À primeira vista, o que acabamos de dizer parece um paradoxo, porém os zombo gozavam da maior liberdade em relação às autoridades estabelecidas, uma vez que estas não conheciam as nzila que levavam directamente a qualquer dos lados da fronteira, tendo em vista o novo intercâmbio comercial dos novos bens em circulação.
 
Nestas circunstâncias, não surpreende que o controlo (em bens e pessoas) das nzilaconstituísse a maior preocupação das autoridades portuguesas e belgas. Por esta razão, se pode explicar a constante emergência de novas vata, grandes e pequenas, cujas zonas de influência viriam mais tarde a assumir notáveis tentáculos sociopolíticos. Foram‑se estendendo, ao longo de toda a fronteira, o que viria a permitir o ressurgimento do velho pensamento da reunificação do antigo reino do Kongo. Desta estratégia, nasceu o que se tornaria provavelmente o maior problema da administração portuguesa de Angola, nesta zona, o ressurgimento dos movimentos mágicos e proféticos kongo, raiz de onde viria a emergir o tocoísmo, ao qual dedicaremos a devida atenção na parte final da colonização (1940/1975).
 
 
A “Capitania‑Mor de Maquela do Zombo”
 
Os homens europeus, que enfrentaram condições profundamente adversas, para a sua instalação, no que os kongo consideravam as terras do Ntotila, eram gente violentamente obrigada a uma tenacidade que hoje temos dificuldade em imaginar. Se for da opinião de alguns que as guerras sustentadas no final da época colonial foram também difíceis, respondemos simplesmente que não olvidem que, no início do século XX, não existiam as infra‑estruturas dos quartéis; a logística; os helicópteros para evacuar feridos; as enfermarias; o Raio‑X; a penicilina; os quininos e até a motorizada quanto mais o próprio automóvel. Em 1961, os militares da 5ª Companhia de Caçadores Indígenas, sedeada em Maquela do Zombo, demoravam viajando em viatura Unimog, seis a sete horas até ao posto de Sakandika (que distava de Maquela cerca de cento e setenta quilómetros) e ao chegar, tinham a casa do chefe de posto para os abrigar.
Os primeiros militares que formaram a 2ª Companhia Indígena, sedeada na mesma vila em 1912, tiveram em conta a escolha estratégica do local, ou seja, a instalação do mesmo orientada para a melhor panorâmica em relação aos povos que mais os preocupavam, ou seja, os zombo e ao mesmo tempo, procuraram as veias de água potável mais próximas, factor incontornável para a instalação de uma pequena unidade militar. Tiveram também de construir os primeiros abrigos rudimentares, utilizando os carregadores angariados na região, que com as suas próprias técnicas indígenas, não só facilitavam o andamento dos abrigos como estes eram os mais operacionais e que finalizados, se resumiam a autênticas cubatas de chão térreo. Meses depois, seriam substituídas por casas com paredes de taipa cobertas a colmo. Demoravam em marcha forçada (sem impedimentos de qualquer ordem como por exemplo ataques inimigos ou chuvadas torrenciais), entre quatro a cinco dias, para perfazer o mesmo percurso, com uma agravante de terem de levar todo o material às costas e, se alguma vez transportavam uma peça de artilharia, na melhor das hipóteses, contavam com uma mula e imediatamente tinham que se preparar para abivacar (isto é, preparar as tendas para permanecer os dias que fosse necessário no local), para depois de recuperadas as forças seguirem até à zona da instalação da capitania‑mor do Kuango.
 
Passemos agora a uma fotografia deveras relevante para a compreensão do papel do militar, em Maquela do Zombo.
 
 
 
Em primeiro lugar devemos considerar o modo como a população em geral, hoje‑em‑dia observa o fenómeno do militar. Para os homens e mulheres portugueses, cuja idade ronde entre os 45 e os 65 anos aproximadamente, esta fotografia concerteza lhes recorda algo que lhes foi muito familiar. Entretanto, o restante povo português através da televisão tem tido certamente ocasião de apreciar pequenos documentários acerca da guerra do ultramar (1961/1975). Porém, entre os primeiros portugueses citados e os segundos vai uma diferença abismal. Uns viveram mais ou menos dramaticamente os acontecimentos, outros não deram por isso, a não ser por noticiários da comunicação social, televisão, jornais e rádio. Mesmo entre os primeiros, se deve distinguir o militar que ficava no quartel prestando serviços de manutenção, e o militar no palco das operações de combate.
 
Em segundo lugar, passemos a uma análise pormenorizada da dita fotografia: primeiramente, os homens que constituem a pequena coluna estão de costas para o capim, olhando em frente como quem perscruta algum movimento, o que indicia que o seu ângulo de visão do sítio onde se encontram será mais abrangente. Reparemos secundariamente que, o militar indígena à direita, e em primeiro plano, parece não confiar e volta o seu olhar para aquilo que se passa nas suas costas. Em terceiro lugar, se observarmos bem a fotografia, daremos conta que o espaço, a determinado momento (mais ou menos cinquenta metros), se torna nublado. É exactamente a este nevoeiro, que em Angola se chama cacimbo(a), e que como veremos mais adiante o inimigo a coberto da neblina avança e dispara, à distância de poder acertar no alvo.
 
 
 
Na fotografia acima, os soldados e o respectivo comandante (o único europeu) posam para a fotografia em traje de cerimónia. Embora não seja muito claro, os soldados usam sandálias (provavelmente feitas de pele de búfalo) em vez de sapatos. A razão para que tal aconteça é porque a sua forma do pé jamais caberia em qualquer sapato e, por outro lado, provocar‑lhes‑ia tanta dor que os impediria de progredir no terreno. Ainda observando a fotografia, sabemos que a podemos localizar no Kuango, portanto em terras dos vizinhos yakas. Ora, a estatura do yaka não difere muito da do zombo e a deste por sua vez pouco ou nada da do muxikongo, e a acrescentar a este dado, o fácies dos soldados não nos parece familiar. A explicação estará no facto de, nessa altura, se ter deslocado do sul de Angola para esta região, a força expedicionária que estava combatendo os kuamato, nos antípodas da região do Congo, que tinham a vantagem de se encontrarem bem rodados na guerra e, ainda por cima, o estarem a operar em terra estranha, permitia ao operacional não se confrontar com problemas que se relacionem com o acareamento com vizinhos e amigos.
 
 
 
Pela fotografia acima, algo se torna patente logo à partida: a ordem do espaço, o aprumo do militar e a higiene visível na limpeza dos espaços circunvizinhos e isso reflecte as preocupações da administração colonial que, nesta altura, já começava a colocar em prática (isto é tornando‑as operacionais) as noções teóricas dos Guias de Saúde que entretanto se foram publicando. Aqueles que viriam a constituir o “Povo Angolano”, melhor dizendo a “Nação Angolana”, ainda hoje, podemos afirmar que a integração dos povos, depois de algumas transformações abruptas, não está totalmente concretizada na afirmação de Nação Angolana.
 
Para termos uma noção da diferença abismal do que eram as teorias higiénicas a aplicar e aquelas que foram sendo possíveis conseguir, deixamos aqui um pequeno excerto do “Guia de Saúde do Soldado Português nas Colónias”, (1913:20/36/51/76), Ministério das Colónias. Prevendo a estranheza do que se escreve, informamos que o mesmo é feito em discurso directo, entre diversos intervenientes e o soldado que parte para o ultramar:
“– Dão‑se os casos com os homens como com os animais e as árvores. Tu já ouviste dizer que em Portugal há leões ou tigres? Não, certamente, como não hás‑de ver vinha lá nas terras quentes, nem ver aqui cana‑de‑açúcar. Pois olha que não foi porque dantes os homens menos sabedores não a quisessem trazer para cá. Mas não se deu, pela mesma razão porque cá se não dão os pretos, nem nós em África, senão nos sítios que se pareçam com a nossa terra no frio, na luz, na falta de grande humidade, enfim naquilo tudo que se costuma chamar o clima”.
 
Basta‑nos esta introdução para, à primeira vista, tudo parecer um disparate, mas não era. Necessitamos de ponderar e reflectir novamente sobre o tal conceito Zeitgeist o tal "espírito da época", ou "espírito dos tempos". Sem ele, faremos críticas apressadas e desajustadas. Porém, continuemos:
 
“– Comidas? Tens razão. Vamos a isso.
– Dizem que é o mais principal…
– Não tanto assim. O principal eu te direi depois, embora tudo seja importante.
– As comidas são como cá?
 
 
 
– Regulam. Primeiro, quando se chega, é um apetite capaz de comer ferro!
 
Assim sucede como com tudo o mais, e até a gente parece sentir‑se mais forte, a não ser com quem comecem as saudades a entrar. E olha que os cheguei a ver lá quase mortos de saudades!
 
– Não, que ele é caso…
 
– Vergonha! Isso é bom para as mulheres, e nem essas. O caso é passar os primeiros meses que tudo se abranda depois. Ah! Bons portugueses de dantes! Todas terras eram as deles. E como sabiam que não iam para voltar em dois ou três anos, como agora, mas quem sabe depois de quantos, por isso se acostumavam. Agora nós…
 
– Vamos a ver.
 
– Está visto; e o contrário é uma vergonha. Mas também nada de ir atrás da força que se sente no princípio. Comer a horas, regrado; poucas carnes e nenhumas gorduras. Frutas, legumes é o que mais convém. E cuidado que não estejam alteradas, já meio tocadas da podridão…Sucede isso muito por lá”.
 
Certamente que quem veio de Angola e em especial lá combateu tem noção de que o autor do guia, não terá certamente pisado terras do interior de Angola. Mas continuemos:
 
“– Tudo limpinho.
 
– Sim, Havendo bem limpeza e cuidado, pode bem ser que cheguemos a não os ter a apoquentar‑nos; mas como se uns são limpos outros há mais porcos que os porcos, o melhor é defender‑se como puder, e para isso nunca dormir, mesmo de dia, sem ser debaixo dum mosqueteiro…”
 
A 5ª Companhia de caçadores Indígenas (composta por cerca de 25 militares europeus e mais ou menos 150 soldados indígenas) cerca de cinquenta anos depois, não tinha um único mosqueteiro. Eram então frequentes os ataques de malária, embora a companhia tivesse um ‘competente’ furriel enfermeiro que na vida civil tinha sido dactilógrafo.
Finalmente, na página 76, o discurso é o seguinte:
 
“– O que é preciso é não supores que vais para terras onde não chegou ainda a miséria que por cá há. Não sei se me entendes. Pelo contrário: lembra‑te que, enquanto a isso, tudo é pior por lá e mais ainda, que as doenças venéreas por lá apanhadas são duma qualidade tal…
 
– Bem mo diziam!
 
– Pois então é ter juízo, não até fugir das mulheres como um tal José do Egipto, mas muito menos para te prenderes. De resto, ser rapaz, nenhum mal te pode fazer, e até talvez te sintas por lá mais rapaz que por cá. Coisas do Clima, mas para o caso é ter juízo, e sempre juízo. Depois, tudo quanto é natural se pode fazer sempre por o melhor. É ter cuidado e quando tiverdes quaisquer relações usar preservativos que se vendem nas farmácias, ou – o mais barato e melhor ainda – lavar‑te logo a seguir com água e sabão e depois, água de sublimado ou qualquer outro desinfectante, pondo três ou quatro gotas na via.”
 
Admitiremos que este médico tinha as melhores intenções, infelizmente a realidade mostrar‑se‑ia bem diferente. Os militares portugueses destacados em França, após o fim da 1ª Grande Guerra, em 1917, traziam na sua bagagem toda a sorte de doenças venéreas desde a simples blenorragia à malfadada sífilis. E se era assim em França, como seria em S. Salvador do Congo, em Maquela do Zombo ou na povoação da Damba, que eram à altura pequenas povoações com uma ou duas dezenas de europeus, sendo muito rara a presença de uma mulher e principalmente branca.
 
No Arquivo Histórico‑Militar de Portugal que tem uma biblioteca extraordinária, encontrámos documentos que necessitávamos para suporte dos nossos capítulos no referente ao período do princípio da ocupação efectiva no século XX até 1975. Tivemos de fazer uma selecção, e sabíamos fazê‑la, conse­guimos fotocópias de documentos relevantes para o nosso estudo e embora já nos tivéssemos debruçado suficientemente sobre a guerra do Buta, vem a propósito, transcrever‑se parte do “Relatório da Força saída a 15 de Feve­reiro da 2ª Companhia Indígena d’Infantaria de Angola” (1914) (sedeada em Maquela do Zombo):
“Relatório da força saída a 15 de Fevereiro 1914,
às regiões de Quimanandinga, Tunda, Palabala e Maceque
(…) Às oito horas e um quarto, do dia 15 puz‑me em marcha com uma força de doze soldados municiados a cem cartuchos, em direcção à região do soba Quimanandinga encontrando depois de uma hora de marcha da minha saída dois gentios armados de espingarda a quem logo me dirigi e lhes fiz várias perguntas sobre o seu destino e fim, respondendo‑me um deles o seguinte: Disse que era irmão do Quimanandinga e que vinha a Maquela pedir ao snor Administrador soldados por causa do Buta que tentava vir sobre a sua região e a do Tunda e como a minha missão fosse justamente essa, filu voltar e acompanhar‑me fazendo‑lhe então durante o trajeto até ao meu primeiro posto de destino algumas perguntas, entre elas qual o local onde se encontrava a gente do Buta e como haviam adquirido a notícia da sua vinda ali, ao que ele respondeu: A gente de que dispõe Buta é muita e acha‑se concentrado no Suco povo do Soba Culanzunzo comandando a guerra Quelacasseca soba do povo Furesedundo a mandado do Buta e que Quimanandinga soube do que se tratava devido a uma rapariga que fugira do local de concentração para a sua região e lhe contara o sucedido.”
 
Este relato torna evidente que os sobas não tinham por amigos outros sobas, tinham todos como interesse principal a sua própria defesa, não tendo demorado a perceber que as armas das forças portuguesas eram “armas finas “enquanto que as deles eram armas de carregar pela boca os célebres kanhangulos. Estes teriam possibilidades de sucesso numa acção de surpresa, e em que o combate se travasse a uma distância de menos de cinquenta metros entre as forças em confronto.
Num outro relatório, na página 105, secção d), área de Maquela:
“No dia 19 de fevereiro (de 1914), o comandante militar de Maquela, major do quadro occidental, Victor Lacerda, com o auxilio de importantes sobas fieis Nosso e Buzo e outros, com dois graduados europeus e 32 praças indígenas e dois auxiliares europeus, no effectivo total de 350 espingardas, poz‑se em marcha para castigar os povos de Sadi, Teco‑Fulege, Gumba, Bongola, Palabala, e Lembele, não encontrando resistencia em parte alguma, destruindo todavia, os povos de Manianga Banza Sadi, Quissundi, Zulumongo, Tengo e Banza Pambo, de Sad; Idi, Taniquina, Quinanga e Toco‑Fulege, Lucunga, Quimbango, Dimbo e Banza Dimbo do Gumba.
Esta força regressou a Maquela em 21 de Fevereiro, não havendo quaisquer outras manifestações de rebeldia ou suspeita de rebeldia em toda a região de Maquella.”
 
Estavam assim reunidas as condições para se concretizarem as intenções da iniciativa de Eduardo Costa, Governador‑geral, ao começar a proceder à colecta do imposto de cubata. Os povos começavam a abandonar os seus sobas para se recolherem à segurança prestada pela administração colonial portuguesa. Sendo digno de nota que, daqui em diante, eles como filhos dos antigos pumbeiros zombo e componentes do que restava das elites do comércio zombo teriam de ganhar o suficiente para (por conveniência própria), passarem a pagar impostos do lado belga, do lado português, dolado do seu mfumu a vata e ainda lhes restarem bens suficientes para sompar (noivar).
 
Para que tal acontecesse, eram a um só tempo serviçais dos portugueses, caçadores, agricultores nas horas vagas, e ainda iniciariam nesta fase o contrabando de sobrevivência. Também se encontravam agora reunidas as condições para que os zombo (como já acontecia com outros povos) começassem a aderir à prestação de serviço militar indígena. De uma coisa tinham eles a certeza, não lhes faltariam mulheres (eles passavam a ser autoridade) e o sobeta, digamos o auxiliar do soba, já não teria autoridade para se interpor quando ele, soldado, exigisse uma galinha ou duas na povoação. O chefe de posto, por vezes, sentia‑se sem autoridade, porque os vencimentos dos soldados não eram liquidados todos os meses, e por isso, fechava os olhos às investidas dos soldados à senzala, habituados como estavam aos desmandos que uma operação militar de razia impunha e, a este respeito, ninguém melhor que Lopo Vaz Sampayo e Mello (1910:499) para sustentar o que dizemos:
 
 
 
“Embora antes da pacificação da colónia os efectivos militares devam ser essencialmente constituídos por soldados vindos da metrópole, é certo também que, desde o princípio, os indígenas prestam excellentes serviços como exploradores, carregadores, interpretes e principalmente como eméritos razziadores, o que não é para desprezar em guerras africanas, onde a razzia, digam os humanitaristas o que disserem, é muitas vezes uma necessidade impreterível para se poder vencer.”
 
Foi neste contexto, que os zombo se começaram a integrar, incorporando‑se no exército, nas administrações civis e noutros serviços públicos, nas casas dos comerciantes brancos, aprendendo a conhecer assim as misérias e grandezas dos colonos (comerciantes ou não). A este respeito, voltamos a citar Heliodoro Faria Leal (1914:348), que ficou conhecido pelo seu pulso firme na condução dos negócios portugueses em S. Salvador do Congo, uma espécie de Marquês de Pombal do seu tempo. Foi certamente criticado pela igreja católica, porque severamente também lhes apontou o dedo e nem mesmo os capitães‑mores lhe escaparam. “Ficam de fora o Damba e Bembe, ultimamente ocupados e o Zombo, onde as exigências do comércio e o espírito ganancioso de algumas autoridades teem conservado o preto a eterna besta de Carga”
 
O termo integração justifica‑se aqui porque entendemos que Neto (1964:22) sabia o que dizia quanto ao significado político do termo. Por nós o que fazemos é trazer à luz a realidade dos zombo face às suas palavras: “Uma vez assente que a palavra integração pode designar hoje, de acordo com as fontes mais abalizadas, a acção tendente a criar e fortalecer sociedades multirraciais nas regiões intertropicais, acção essa que, mais concretamente, se poderá designar também por integração multirracial, interessa saber como, de acordo com as mesmas fontes, se designa a maneira de actuar do órgão que deve de orientar essa acção, e qual deverá ser esse órgão”
 
Continuemos a ler Pereira Neto, para irmos entendendo o que nos diz, com um senão, onde se lê “diferença tecnológica” (1964:19) e talvez não seja desajustado colocar o termo poder político:
“Portanto para que haja possibilidades de convivência perene e para que determinada sociedade multirracial esboçada num momento, seja duradoura, necessário se torna que o grupo portador de cultura material mais adiantada respeite sempre os membros do grupo menos adiantado, na sua qualidade intrínseca de seres humanos, e, simultaneamente, os padrões sociais, morais e espirituais das culturas em que eles se integram, atitude essa que implica o absoluto repúdio não só de todo e qualquer paralelismo entre as diferenças tecnológicas e as diferenças entre padrões morais, sociais ou religiosos, mas também do estabelecimento de qualquer escala de valores entre aqueles padrões e os da sua própria cultura.
O estrito cumprimento desses princípios é condição essencial de sobrevivência para o grupo tecnologicamente mais evoluído, se for demograficamente minoritário, porque, se assim não proceder, na altura em que for superada a diferença tecnológica a reacção do grupo até então considerado inferior não só destruirá, na sua ânsia de superar o condicionalismo em que se integra tudo que considere revelador da sua situação de inferioridade como inutilizará também tudo o que de bom houver sido feito pelo outro grupo.”
 
 
Os Primeiros Passos da Administração Civil
 
Como verificámos no capítulo anterior, o domínio efectivo da ocupação militar teve uma importância capital. A administração civil viria lentamente, com os primeiros funcionários diplomados na Escola Superior Colonial a pôr em prática os conceitos de colonização científica. Os administradores viriam a ter com os zombo uma firme mas muito cuidadosa forma da condução dos negócios indígenas, que se tornou peculiar com o estilo da colonização portuguesa. Todavia, teria que se optar por procedimentos pragmáticos se se quisesse levar em frente o plano de fomento colonial e o seu mais importante pilar – a criação de infra‑estruturas de comunicação entre localidades e portos marítimos – as estradas e o caminho‑de‑ferro.
 
Quando se levanta o problema da colonização portuguesa poderá começar‑se por aqui, e isto serve de igual modo para as nzil’a bazombo. Referimo‑nos às vias de comunicação terrestres (caminhos de pé posto) construídas entre os territórios ocupados pelos zombo, as populações vizinhas e as mais distantes, falamos muito concretamente doincremento da abertura de estradas e o seu impacto na economia zombo.
 
 
 
De uma forma geral, a aproximação ao mato (interior) começava logo na periferia da cidade. Naquele tempo, saía‑se de Luanda pelos muceques (areais da periferia da cidade) do Bungo e o mato começava no Cacuacologo seguido do Panguila e da Funda,povoações indígenas que não distavam mais de vinte quilómetros da capital. A partir das Ingombotas, naquele tempo, bairro periférico da cidade, começavam os cajueiros, as mangueiras e as matebeiras, o mesmo acontecendo pelo lado da Maianga.
 
Na rua dos Pombeiros, logo por detrás da Igreja da Sé e, ainda hoje bem no coração da cidade, já os funantes zombo por lá andavam, porém o centro comercial que melhor conheciam era a vila do Ambriz, ainda dentro do território kikongo, (aqui o termo indica o espaço etno‑linguístico) mas já com influências do kimbundo; era para lá que se dirigiam transportando especialmente a borracha e o marfim nas suas caravanas comerciais.
 
Nesse tempo, os zombo não eram conhecidos na capital. Hoje, são conhecidos porzairenses, tendo mesmo mercados que dominam por inteiro. Contudo, no princípio do século XX, eram como escravos vindos do Congo. Vinham incorporados em caravanas de escravos que ficavam ou transitavam pela cidade de Loanda (até finais dos anos quarenta foi assim que se escreveu Luanda). Não nos admiremos da utilização do termo ‘escravos’, porquanto Adriano Moreira (1960:166) refere‑se do modo seguinte ao grave problema:
 
“No campo da definição dos princípios respeitantes aos interesses das populações indígenas, incluindo o problema da escravatura que levou à Convenção de 1926, a Comissão Permanente encontrava‑se dentro da linha geral que fora traçada pelos Actos Gerais de Berlim e de Bruxelas, procurando dar‑lhes aplicação efectiva.33
 
Feita esta nota continuemos o nosso estudo. No seguimento da nossa investigação, começaram então a ser abertas novas estradas carreteiras para aquela localidade que viriam depois a passar pelo Caxito, povoação onde se instalou a fábrica de açúcar da ‘Tentativa’, a cerca de sessenta quilómetros a norte de Luanda. Pode dizer‑se que foi com a abertura das novas estradas que se iniciaram as estruturas fundamentais de Angola (e de toda a África). A sua abertura obrigava à contratação compelida de homens, mulheres e crianças dos povoados das redondezas, por onde os troços de estrada viriam a passar. Muito se tem escrito sobre a pressão exercida sobre as populações, pelas autoridades administrativas e militares para a execução do projecto de estradas de Angola.
 
Porém, existe uma questão relevante que se coloca ainda hoje. Ora, depois da abertura das estradas carreteiras em terras do zombo, durante a ocupação colonial, não voltou a fazer‑se a sua manutenção quanto mais a abrirem‑se novas estradas. Assim, questionamo‑nos: quanto têm sofrido essas populações por causa da degradação contínua dessas estradas? Podemos, então, deixar a seguinte reflexão: apesar da guerra civil ter terminado em Angola, em 2002, a esmagadora maioria das infra‑estruturas deixadas pelos portugueses estão destruídas no que se refere a aquedutos e pontes. As estradas estão pura e simplesmente intransitáveis, o que quer dizer que em relação ao escoamento dos produtos da terra se passa o mesmo que se passava há oitenta anos atrás. O trânsito de pessoas e mercadorias torna‑se assim deveras penoso. Apesar de Portugal ser, na altura, um país relativamente atrasado no que concerne a vias de comunicação, face aos outros países europeus, as autoridades coloniais perceberam a urgência da abertura das vias de acesso ao interior de Angola. Qualquer estratégia do sector agrícola e mesmo mineiro teria de passar por aí. Os produtos da terra, sem o devido escoamento, por estas vias, tornavam o preço final incomportável. Grande parte dos produtos eram produzidos e não eram vendidos. No Norte de Angola, a questão do caminho‑de‑ferro não se punha era um problema de difícil execução pois os meios ao alcance da administração colonial não suportavam tamanho encargo.
 
 
 
Para os produtos dos zombo, o problema das estradas, no primeiro quartel do século XX, só ficou mais ou menos resolvido nos finais dos anos trinta (a sua execução levou cerca de 15 anos, foi um esforço tremendo). Os obstáculos naturais, e especialmente a malária faziam autênticas razias nos recursos humanos. Até aí, os carregadores eram o único meio possível e disponível de transporte, existindo mesmo em Kinshasa uma estátua em memória do carregador. Deverá aqui ser recordado que um carregador transportava à cabeça ou aos ombros, não só o carregamento em si, como também a carga que dizia respeito à sua alimentação, para assim suportar toda a viagem de centenas de quilómetros. (desde Luanda a Kinshasa, cerca de mil quilómetros). Imaginemos então que um camião que transportasse cinco toneladas estava a fazer o serviço de cerca de 200 carregadores. Isso ocasionava a morte e a fuga de muitos. Como já vimos, as grandes revoltas do período da ocupação efectiva prenderam‑se com o processo dos carregadores. Tratava‑se do trabalho forçado para as fazendas em que estavam em causa os esquemas da economia política e nenhum dos intervenientes, incluídos os zombo, deixou de tomar parte, por vezes, muito violenta na execução do trabalho. Daqui concluímos, que este problema dos transportes foi efectivamente muito grave.
 
 
 
No caso de Angola, um governante com responsabilidades nas estradas foi Norton de Matos que, como sabemos, governou Angola por duas vezes, a primeira logo no princípio do primeiro decénio do século vinte; para voltar dez anos depois com a sua autoridade reforçada como Alto Comissário. Coube‑lhe a ele a resolução deste problema: montou toda a estrutura administrativa em substituição das capitanias‑mores e, por cada 40 quilómetros de estrada, as autoridades administrativas recebiam uma viatura34.
 
As estradas, nesta altura, eram mantidas com o esquema de divisão de áreas de aldeias responsáveis por determinada extensão, o que significa que o serviço era todo braçal. Os sobas tinham a obrigação de apresentar pessoal para trabalhar nas estradas.
 
Um grande problema eram as ‘obras de arte’ (pontes, aquedutos, …) que têm a ver com a transposição das vias fluviais. Ao contrário do que seria previsível, as pontes que condicionavam a tonelagem bruta das viaturas eram então construídas de modo a ficarem submersas aquando das grandes e rápidas enxurradas que aumentavam e aumentam, em minutos, o caudal dos rios, em metros de altura, de modo a evitarem‑se graves danos à dita infra‑estrutura. Começava a resolver‑se o problema da rentabilidade.
 
Só a partir dos anos 60 do século passado, é que as estradas foram na sua grande maioria asfaltadas. No Zaire, a situação a que nos referimos foi distinta pois já estava integrado na Convenção de Lomé. 35
 
Os transportes em África são efectivamente a base do seu desenvolvimento material. Hoje o transporte por excelência em Angola é realmente o rodo­viário embora, como no caso da África do Sul e do Gabão, haja excepções, já que recebem grande concorrência das ferrovias. O problema dos transportes tem um grande peso histórico em África – foi o motor do desenvolvimento da África moderna. Tal como já referimos, qualquer estratégia quer do sector mineiro quer do sector agrícola teria que passar por esta infra‑estrutura. Grande parte dos produtos são produzidos e não são vendidos porque o transporte é proibitivo e não favorece o escoamento. Assim, quando se resolver o problema da paz e seja possível o investimento nesta área, toda a África mudará, podendo‑se assim inverter o actual esquema de desenvolvimento.
 
No caso dos zombo, veremos que a administração se encontrou muitas vezes ‘entre a espada e a parede’, pelo que adiante explanaremos. Por vezes, o domínio das autoridades no terreno sofria de grande incompetência administrativa. Este facto é apontado, não raras vezes, muito acintosamente à administração colonial, porém, também é, outras tantas vezes profundamente injusto. O cientista Claude Lévi‑Strauss (1986:191) opinou acerca das colonizações modernas do princípio do século XX até aos anos sessenta do mesmo século. São suas as seguintes palavras:
 
"Se não tivesse existido o colonialismo, talvez não houvesse sequer etnologia. Seguindo as pisadas do colonizador, os etnólogos descobriram os valores negligenciáveis para aqueles mas essenciais para estes e isto em dois sentidos diferentes, uma vez que se trata de elementos objectivos do património humano e também porque cada sociedade possui uma beleza que lhe é própria. Encontramo‑nos, pois, perante esta situação quase inverosímil: devemos o facto de existirmos àquele que foi o destruidor de tudo aquilo a que nós damos valor. Na minha qualidade de etnólogo, é‑me muito difícil falar do colonialismo de forma unilateral."
 
Mais concretamente, no que toca à colonização portuguesa, os anos sessenta do século passado, foram férteis em artigos e obras, de conhecidos investigadores. Lembremo‑nos, nesta circunstância, dos Relatórios das Minorias Étnicas do Ultramar Português 36 de que António Jorge Dias (1957) fez parte. Está aqui presente a sua grande vontade em ajudar a vencer os enormes obstáculos que se deparavam à colonização portuguesa, especialmente nos cinco anos que antecederam ao início da guerra colonial, e consequentemente, os choques de interesses que se foram formando com o decorrer do conflito até à descolonização. São dele as seguintes observações sobre o contacto de culturas que podem perfeitamente relacionar‑se com os zombo, quando a certo momento nos fala das relações entre os brancos, as negras e as brancas:
 
“Contudo, em regiões onde não existe preconceito racial, mesmo quando há diferenças somáticas, a endogamia verificada é mais de classe do que de raça e, com o andar dos tempos, acaba por se dar o mesmo fenómeno atrás descrito. Os frutos dos amores legítimos ou ilegítimos entre os brancos (aristocratas) e as negras (plebeias), os mestiços, acabam por ser elemento de ligação entre as duas raças, o elemento moderador de orgulhos e de aglutinação da diversidade num todo homogéneo e harmonioso, como se deu no Brasil e em Cabo Verde, onde facilitou a aculturação…Acresce que a atitude aristocrática também pode apoiar‑se na grande desproporção demográfica. Quando um grupo dominador é muito mais pequeno do que o dominado, ele desenvolve instintivamente técnicas de defesa que evitem ser assimilado…”
 
Esta tendência após os intermitentes avanços e recuos das extraordinárias expedições, em que todas as componentes intervieram, como últimos “bandeirantes” da colonização portuguesa, (este juízo de valor não reflecte a ideia nem de bom nem de mau) traduz simplesmente a audácia daquela estirpe de gente, alguma analfabeta, por vezes imoral, mas que só pudemos apreciar através do espantoso esforço sobre humano face à inospitalidade do meio físico e humano. Com os militares e a administração civil pouca ou nenhuma coabitação havia. Uma excepção notável é necessário salientar: a sacrificada vida do chefe de posto. A esta personagem será dada em capítulo posterior o merecido relevo.
 
Alguns dos chefes tradicionais mais autoritários, entretanto escolhidos pelas autoridades portugueses, para os coadjuvarem na manutenção da ordem social, instados a reprimir a "ociosidade" aproveitavam as ordens imanadas da administração, para o angariamento de pessoal a fim de procederem a oportunas depurações internas, entregando elementos marginais e anti‑sociais como os delinquentes; os que acusavam de terem poderes de feitiçaria maligna; os que insistiam em não aceitar a sua autoridade; os que recusavam a prestação de tarefas e oferendas consuetudinárias por si ordenadas; enfim aqueles que de qualquer modo, caíssem no seu desagrado pessoal. Por outro lado, destaquemos outros novos agentes da autoridade tradicional mais timoratos que se viam perante situações de extremo melindre e tentavam conciliar as exigências da administração com o seu papel costumeiro de protectores e de árbitros. Viviam em permanente temor, tanto da vingança dos descontentes, que por vezes, assumia a forma de maldições e de outras práticas de magia negra, tanto das punições, por vezes corporais, que poderiam advir das autoridades administrativas, molestadas com comportamentos que consideravam como sendo de ‘resistência passiva’.
 
Em qualquer dos casos, este tipo de tarefas obrigatórias, o chamado trabalho compelido, começava a minar o prestígio dos chefes tradicionais que se viam transformados em simples auxiliares da administração. Acentuam alguns que o Norte de Angola, e especialmente nas franjas da fronteira, sofria a influência das condições dadas pelos empregadores no vizinho Congo Belga. Os belgas, graças a uma boa congregação de factores, puderam começar por oferecer melhores condições de trabalho, vindo a atingir níveis de desenvolvimento comparativamente superiores, bastante visíveis até à década de sessenta do século vinte. A superioridade belga teria sido manifesta em recursos de capital; conhecimentos tecnológicos; capacidades empresariais; quadros humanos qualificados e, enfim, num maior dinamismo e nível educativo dos agentes colonizadores.
 
A preferência dos zombo pelos empregadores belgas era naturalmente facilitada pela permeabilidade das fronteiras, cuja fiscalização, repetimos, se mostrava praticamente impossível. Assim, a grande escassez de mão‑de‑obra, na região norte de Angola, viria a ser minorada pelo recurso intensivo e sistemático ao trabalho compelido, através do contrato de trabalhadores, especialmente Bailundo visto serem indispensáveis para a grande tarefa agrícola que viria a ser a exportação de café (Angola chegou a ser na década de cinquenta o terceiro produtor mundial de café, e a zona do Uíge era a que dava o maior contributo de fabulosas receitas para os cofres do Estado e de alguns particulares) foi este o argumento para aquela que viria a ser a sublevação da UPA, em 1961, e dos respectivos massacres perpetrados junto das populações indefesas das fazendas de café e das povoações comerciais. Lá chegaremos quando abordarmos a guerra colonial entre os zombo.
 
 
Bibliografia Consultada37
 
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*      Doutorado em Antropologia Social e Cultural pela Universidade de Coimbra.africaprint@sapo.pt.
 1 Mesmo agora, nos tempos que vão correndo, e por causa da corrida aos diamantes principalmente entre zombos, mayaca, ou yacas, cokwes, hutos e tutsis (todos eles experimentados garimpeiros) o conhecimento que detém sobre este delicado assunto torna‑se uma ‘carta de chamada para a morte’.
 2 De pé da esquerda para a direita: o Capitão comandante Gorin, Major Cândido Sarmento, Major Henrique de Carvalho e Segundo‑Tenente Sarmento; sentados Mrs Grenfell, George Grenfell e a esposa do Major Sarmento. Fotografia de Grenfell, 1892, (segundo Johnston 1908 tomo 1 ilustração 210).
 3 Esta arma viria a ser também fundamental no longínquo teatro da Primeira Grande Guerra do século XX.
 4 Os grandes caçadores são a excepção, na medida em que estes não dependiam, para a aprendizagem da sua profissão, da sua família biológica.
 5 Sobre este assunto, consideremos José D’Arruella (1940) e a sua obra A Tragédia Nacional, Estudo Sobre as Relações Diplomáticas e Políticas da Alemanha com Portugal dos Séculos XIX a 1914. Este autor, advogado e antigo director da Voz do Direito insere no livro citado factos respeitantes ao Congo e, por consequência, aos Zombo. Embora escreva de forma por vezes exacerbada (vivida na época entre monárquicos e republicanos), vale a pena recordar os factos históricos mencionados no livro, no que se refere à Batalha do Congo.
 6 CARDOSO, José Manuel da Silva [Governador do Distrito do Congo]. 1914. 2ª Divisão, 2ª Secção, Caixa Nº 21, Nº 15.
 7 Circular Nº 134, 23 de Abril de 1912, referência à nota circular Nº 133 de 01/04/1912 e que existe no Arquivo Histórico Militar, 2ª Divisão, 2ª Secção, Caixa Nº 21, Nº 15, 1914.
 8 Ibidem.
 9 Este assunto pode ser consultado em pormenor em Oliveira, José Carlos (2004) O Comerciante do Mato – o comércio no interior de Angola e Congo. Centro de Estudos Africanos – Departamento de Antropologia – Universidade de Coimbra. Coimbra.
10 CARDOSO, José da Silva (1914) A revolta do Congo e as suas causas. Diário de Notícias, VIII: 13.
11 (1914) Manuscrito encontrado no Arquivo Histórico Militar, na 2ª divisão, 2ª secção, caixa 21, Nº 15.
12 J.S. Bowskill, missionário da confiança de Faria Leal. Segundo este, o missionário era muito respeitado por todos e, em especial, pela parte da família do Ntotila, que tinha optado pela religião cristã baptista.
13 Manuscrito encontrado no Arquivo histórico, militar na 2ª divisão, 2ª secção, caixa 21, Nº 15, 1914.
14 CARDOSO, José Manuel da Silva [Governador do Distrito do Congo]. 1914. 2ª Divisão, 2ª Secção, Caixa Nº 21, Nº 15.
15 Ibidem.
16 Idem pp. 101 e 102, Fonte: Inspecção dos Serviços de Agricultura, 1915.
17 Recordemos, a propósito, que o termo salário em kikongo é Salu e este termo traz consigo, quase sempre, o adjectivo paxi, que indica quanto é penoso e mal pago o salário recebido em ‘moeda corrente e legal’.
18 Presumimos que o acontecimento retratado teve lugar em 1 de Julho de 1911. Dizemos isto, pela descrição dos acontecimentos que o Residente Faria Leal reporta durante a eleição de Manuel Martins Kidito a que nos referimos quando abordamos esta questão.
19 Pélissier, René (1978) La Colonie du Minotaure, Nationalismes et révoltes en Angola,Editions Pélissier, Montamets. France
20 Idem, (1979) Le Naufrage des Caravelles, Études sur le Fin de L’Empire Portugais (1961‑1975) Editions Pelissier, Montamets. France
21 Idem, (1986) História das Campanhas de Angola, Resistência e Revoltas (1845/1941).Editorial Estampa, Lisboa
22 Pereira Neto, João Baptista Nunes (1964). Angola Meio Século de Integração. Tese de Doutoramento. Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina. Lisboa. 332 pp.
23 Martins, Manuel Alfredo Morais (1973) Contacto de Culturas no Congo Português.Separata da Revista Estudos Políticos e Sociais. Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina. Lisboa
24 Ramos, Arthur Ramos de Araújo Pereira, O Negro Brasileiro, Civilização Brasileira S.A., Rio de Janeiro, 1934
25 Idem (1935) O Folklore Negro do Brasil. Livraria da Casa do Estudante do Brasil. Rio de Janeiro
26 Idem (1951) Estudos de Folk‑Lore. Livraria Casa do estudante do Brasil. Rio de Janeiro
27 Martins, Manuel Alfredo Morais (1973) Contacto de Culturas no Congo Português.Separata da Revista Estudos Políticos e Sociais. Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina. Lisboa
28 Johnston, Harry (1908) George Grenfell and the Congo. Hutchinson & Co. Londres. 2 Volumes
29 Leal, Heliodoro Faria (1914). Estudos Coloniais‑Memórias de África. Boletim da Sociedade de Geographia de Lisboa. 10: 349
30 Idem, p. 353.
31 Barata, Óscar Soares (1965) Migrações e Povoamento. Edição da Sociedade de Geografia de Lisboa. Lisboa: p. 7.
32 Pereira Neto, João Baptista Nunes (1964), obra citada.
33 Moreira, Adriano, Política Ultramarina, Estudos de Ciências Politicas e Sociais, Lisboa 1960 3ª edição, pag. 165,166.
34 Informação directa de Fernando Rodrigues Braz, antigo secretário do Governador de Distrito, Major Rebocho Vaz, nos anos 60 do século passado.
35 A Convenção de Lomé inscreve‑se no seguimento das convenções de Yaoundé de 1963, em que basicamente se celebraram acordos entre os países fundadores da Comunidade Europeia e certos países de África com vista ao seu futuro desenvolvimento.
36 Relatórios da Missão de Estudos de Minorias Étnicas do Ultramar Português de 1956 e 1957.

http://www.revistamilitar.pt/modules/articles/article.php?id=464
37 Bibliografia realizada de acordo com a NP 405 de 1994, definida pelo IPQ.