Discurso de Lula da Silva (excerto)

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quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Capas ilustradas dos fascículos «Notícias do Bloquueio»


segunda-feira, 5 de abril de 2010

Notícias do Bloqueio

Direcção literária de Egito Gonçalves, Daniel Filipe, Papiniano Carlos, Luís Veiga Leitão, Ernâni Melo Viana e António Rebordão Navarro. Direcção gráfica deÁlvaro Portugal.
nº1: s/d, capa de Augusto Gomes
nº 2: Julho de 1957, capa de Eduardo Luiz

nº3: Dezembro de 1957. Capa de Altino Maia.
nº 4: Junho de 1958, capa de Ângelo de Sousa
nº 5: Dezembro de 1958. Capa de Querubim Lapa
nº6: Agosto de 1959. Capa de Rui Knopfi
nº7: Março de 1960. Capa de Domingos Pinho
nº8: Março de 1961. Capa de Charles White
nº9: Março de 1962. Capa de Relógio. (número apreendido pela PIDE)

domingo, 28 de outubro de 2012

As cidades mais mortais do mundo são...

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27.10.2012 - 11:57 Por Elias Groll, Alicia P.Q. Wittmeyer

 Os municípios latino-americanos somam 40 das 50 capitais mundiais do crime, e só quando chegamos ao número 21 é que uma cidade fora da América Latina surge na lista.

Ciudad Juárez ganhou a sua sinistra reputação em resultado da guerra entre os cartéis de droga de Juárez e de Sinaloa
Ciudad Juárez ganhou a sua sinistra reputação em resultado da guerra entre os cartéis de droga de Juárez e de Sinaloa (Reuters)
Viver na América Latina, ao que parece, pode ser mau para a saúde. Uma combinação de drogas, crime organizado e governos que estão, às vezes, mal equipados para enfrentar os desafios mostrou ser letal, deixando um rasto de violência um pouco por toda a América Latina. Do Brasil às Honduras, passando pelo México, concluiu o think tank mexicano Conselho de Cidadãos para a Segurança Pública e a Justiça Criminal. 

Segundo o seu ranking, as dez cidades com as taxas mais altas de homicídios do mundo situam-se todas na América Latina. O estudo só inclui cidades onde existem estatísticas de homicídios, o que significa que cidades que enfrentam sangrentas guerras civis para as quais é impossível recolher estatísticas fiáveis - como Alepo, na Síria, por exemplo - não foram incluídas na lista.

Segue-se um olhar sobre a violência que se tornou rotina na vida destas cidades, tendo sido incluídas algumas fora da América Latina que entraram no top 50 para se perceber como os factores por trás da violência diferem em alguns casos - e noutros permanecem infelizmente os mesmos.

1. San Pedro Sula, Honduras
Quando a Colômbia atacou o infame narcotráfico no final dos anos 1980, o negócio da droga mudou-se para norte, para o México. Mas desde que o Presidente mexicano, Felipe Calderón, declarou guerra aos cartéis da droga em 2006, a paragem seguinte para os traficantes foi as Honduras. Quase 80% da cocaína que viaja da América do Sul para a América do Norte agora pára nas Honduras, trazendo com ela uma vaga de violência relacionada com os gangs e as drogas. A taxa de homicídios das Honduras é actualmente a mais alta do mundo e a taxa de homicídios de San Pedro Sula é a maior das Honduras, com 159 assassinatos por cem mil habitantes em 2011. Por comparação, a taxa de homicídio de Detroit é de 48 por cem mil habitantes. Localizada no Noroeste das Honduras, San Pedro Sula é o principal centro industrial e a segunda maior cidade do país. Mas, ultimamente, o papel económico da cidade foi largamente ensombrado pela violência. 

2. Ciudad Juárez, México
Esta cidade fronteiriça - é um ponto de partida da droga que entra nos Estados Unidos - tem estado sempre no topo das tabelas das cidades mais perigosas do mundo. Juárez ganhou a sua sinistra reputação em resultado da guerra entre os cartéis de droga de Juárez e de Sinaloa, que matou seis mil pessoas entre 2008 e 2010. Os cartéis e a corrupção entre a polícia e o governo local transformaram Juárez numa cidade-fantasma. Este ano tem havido sinais de que a violência está a diminuir: durante o seu auge, a guerra dos cartéis chegou a produzir 300 corpos por mês, mas nos primeiros sete meses deste ano o número de homicídios foi de 580, segundo o jornal The Washington Post. Os observadores atribuem este declínio ao triunfo do cartel de Sinaloa sobre o de Juárez na guerra pelo controlo da cidade. Ainda assim, com uma taxa de 148 homicídios por cem mil habitantes, Juárez assegura o segundo lugar desta lista.

3 Maceió, Brasil
As autoridades brasileiras querem transformar este antigo porto e produtor de açúcar num destino turístico, apostando na sua linha costeira de areias macias. O esforço, porém, tem sido destruído por uma taxa de 135 homicídios por cem mil habitantes. As autoridades de Maceió - a capital do nordestino estado de Alagoas - dizem que o aumento da violência (a taxa de assassínios subiu 180% em dez anos) se deve à crescente presença de crack e cocaína nas favelas à volta da cidade. Talvez para assegurarem que o dinheiro dos turistas continua a entrar, as autoridades também dizem que a maior parte das vítimas são toxicodependentes que são mortos por não pagarem as suas dívidas. 

4. Acapulco, México
Conhecida em tempos pelas suas praias, hotéis de luxo e clubes nocturnos que atraíam clientes como Frank Sinatra e Elizabeth Taylor, Acapulco não escapou à violência relacionada com o tráfico de droga que abocanhou todo o México e é hoje a segunda cidade mais violenta do país. Tem 128 homicídios por cem mil habitantes. A luta pelo domínio do estado de Guerrero levou a que houvesse tiroteios na zona que, outrora, foi a principal área de resorts de Acapulco. E em vários dos lugares mais selectos da cidade foram encontradas cabeças decepadas. Inevitavelmente, o turismo foi afectado: o dirigente da associação de agências de viagens de Guerrero estima que em Novembro de 2010 o turismo proveniente do Canadá e EUA caiu entre 40% e 50%. 
5. Distrito Central, HondurasÉ constituído pela capital, Tegucigalpa, e pela cidade vizinha de Comayaguela, e foi engolido pela mesma dinâmica da violência - droga, gangs, desigualdade - de San Pedro Sula, a norte do país. A morte é de tal forma um lugar-comum que, este ano, o presidente da câmara começou a oferecer enterros aos pobres; cansou-se de ver tantos corpos dentro de sacos de lixo. Os gangs, a corrupção e a pobreza estão há muito presentes nas Honduras, mas o que fez escalar a violência para níveis nunca vistos foi o novo papel das Honduras - é uma das principais artérias no contrabando de drogas entre o Sul e o Norte. Um golpe de Estado em 2009 gerou o caos político e deu força aos traficantes. No mesmo ano, o responsável pela guerra ao narcotráfico foi morto dentro do seu carro em Tegucigalpa. O Distrito Central tem uma taxa de cem homicídios por cem mil habitantes.
6. Caracas, Venezuela
Os chamados "malandros" - gangs de jovens que, como galos ao poleiro, guerreiam entre si pelo controlo da venda de drogas e das apostas - transformaram a capital da Venezuela num palco de guerra. Em 2011, Caracas assistiu a 3164 homicídios - um número vertiginoso que fica ligeiramente aquém do número de fatalidades sofridas pela coligação que esteve no Afeganistão durante os dez anos de conflito naquele país. As autoridades venezuelanas têm sido acusadas de falsificar o número de homicídios, e o número actual é bastante superior ao que está nas estatísticas oficiais. Para piorar a situação, mais de 90% dos crimes de morte da Venezuela ficam por solucionar. Não admira, pois, que a escalada na violência tenha sido o tema principal da campanha de Henrique Capriles, que concorreu contra Hugo Chávez nas eleições presidenciais e acusou este de não conseguir parar o derramamento de sangue. (Chávez foi reeleito; desde que chegou ao poder, em 1998, a taxa de homicídios duplicou.) Os especialistas dizem que a combinação do fácil acesso a armas, da cultura de violência entre os jovens e da falta de acção policial e judicial criou uma tempestade perfeita e deixou a Venezuela com uma taxa de 99 homicídios por cem mil habitantes.

7. Torreón, México
Vítima da guerra do narcotráfico, a cidade de Torreón é palco de lutas de morte constantes, à medida que os barões da droga guerreiam pelo controlo de uma lucrativa rota de escoamento de produto na fronteira norte do México. No ano passado, a cidade teve 88 homicídios por cem mil habitantes. Num só domingo de Julho, dez pessoas foram mortas na cidade. A guerra tem-se vindo a intensificar e tornou-se cada vez mais difícil para o cidadão comum escapar dela.

8. Chihuahua, México
Situada na fronteira do México com o Texas, é uma zona-chave no transporte da cocaína para os Estados Unidos da América. Por isso, é um campo de batalha dos cartéis interessados em controlar as rotas da droga. A violência em Chihuahua tornou-se imparável, chegando a 83 homicídios por cem mil habitantes. No dia 15 de Abril, por exemplo, dez homens com fardas de combate entraram num bar e abriram fogo, matando 15 pessoas, entre elas dois jornalistas, Francisco Javier Moya, antigo director de informação da estação de rádio da Ciudad Juárez, e Hector Javier Salinas Aguirre, proprietário de um site de notícias. Quase 50 jornalistas foram mortos no México desde que o Presidente [em fim de mandato] Felipe Calderón chegou ao poder, em 2006. Os cartéis aumentaram os ataques contra jornalistas que ousaram noticiar a guerra da droga.

9. Durango, México
Em 2011, a violência da guerra do narcotráfico no México atingiu a sua máxima expressão com a descoberta de uma série de valas comuns (fossas, chamam-lhe os mexicanos) no Norte da cidade de Durango. As autoridades descobriram uma delas nas traseiras de uma casa de luxo e outra no parque de estacionamento de um pequeno supermercado abandonado. No total, continham 340 corpos e os habitantes da cidade tiveram de se submeter a testes de ADN para saberem se os seus familiares desaparecidos estavam entre os mortos. Mas descobrir os crimes é uma coisa, outra muito diferente é punir os responsáveis. "Qualquer pessoa que saiba o que se passou nunca falará, por medo", disse a um jornalista o porta-voz do promotor público estadual. Pressionado a dizer de quem é a casa de luxo, perguntou ao jornalista: "Quer que eu ainda esteja vivo amanhã?" Em 2011, Durango tinha uma taxa de homicídios de 80 mortes por cem mil habitantes.

10. Belém, Brasil
Com a cocaína a chegar da Bolívia, da Colômbia e do Peru, Belém tornou-se um posto de trânsito natural para os traficantes sul-americanos. A droga entra na cidade através da densa floresta amazónica. Viaja primeiro de avião, depois de barco e, finalmente, é distribuída para outras cidades brasileiras, europeias e norte-africanas. O que torna Belém - onde a taxa de homicídio é de 78 mortos por cem mil habitantes - uma naco de terra muito atractivo, com a violência a aumentar na mesma proporção da importância da cidade para o narcotráfico, à medida que o Brasil enriquece, os seus habitantes consomem mais cocaína. O Financial Times chamou ao aumento de consumo de cocaína no Brasil - ali se consome 18% do produto disponível em todo o mundo - o "dano colateral mais preocupante do boom de consumo" neste país.

21. Nova Orleães, EUA
Esta cidade fez um esforço colossal para se reconstruir depois da devastação provocada pelo furacão Katrina, em 2005. Mas a taxa de homicídios - 50 por cem mil habitantes - teima em manter-se a mais alta dos EUA. A cidade sofre da mesma pobreza e do fácil acesso a armas que outras capitais de assassínios, mas não é conhecida por ter os gangs organizados que existem nas outras. Um relatório do governo de 2011 concluiu que os assassínios em Nova Orleães se devem a disputas pessoais que ficam incontroláveis. "Fins extraordinários para conflitos banais", disse o superintendente da polícia local, Ronal Serpas. O governo local tentou travar esta matança enviando agentes com a missão de arrefecer o ambiente nas ruas depois de tiroteios, evitando retaliações. Porém, no que toca a homicídios, a cidade continua a destacar-se de todas as outras dos EUA.

33. Kingston, Jamaica
Kingston tem a mais elevada taxa de homicídios das Caraíbas. A cidade é, há décadas, refém dos gangs - sobretudo os bairros de West Kingston e Grants Pen. Mas as atenções voltaram-se novamente para a violência quando o governo local decidiu adoptar uma política de confronto aos gangs. A caça ao homem feita contra um dos mais conhecidos criminosos, Christopher Coke, foi notícia em todo o mundo em 2010, tendo deixado 70 pessoas mortas nos Tivoli Gardens, onde Coke estabelecera a sua praça forte. As autoridades dizem que a nova abordagem está a resultar e que se deve a ela a descida do crime em 60%. Outros consideram que o resultado da iniciativa foi o aumento do número de mortes. Os EUA continuam a advertir os viajantes com destino à Jamaica, sublinhando que, "apesar de a maior parte dos crimes ocorrer em zonas pobres, os actos de violência como tiroteios podem ocorrer em qualquer parte". Por cada cem mil habitantes, há 47 homicídios em Kingston.

44. Mosul, IraqueMosul - a cidade com a taxa de homicídios mais alta do Médio Oriente, 35 por cem mil habitantes - é a morada de uma volátil luta sectária entre curdos e sunitas. Tendo sido um dos últimos bastiões urbanos da Al-Qaeda, Mosul, que integra uma vasta região rica em petróleo, tem sido palco de constantes ataques terroristas e é uma das cidades de mais difícil acesso do Iraque desde a retirada dos EUA em 2011. Militantes continuam a realizar ataques contra o governo xiita da cidade. As divisões obrigam as forças de segurança a lutarem, volta e meia, para controlarem a cidade - em Abril de 2011 cinco soldados iraquianos e três outras pessoas morreram num ataque suicida. No mesmo ano, a taxa de homicídios foi de 35 por cem mil habitantes.

Exclusivo PÚBLICO/Foreign Policy



quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Lucy, a australopiteca, ainda trepava às árvores


Evolução humana

25.10.2012 - 19:01 Por Nicolau Ferreira
 É um caso de omoplatas. Num dado momento, os antepassados do homem deixaram de vez as árvores e caminharam. Os antropólogos sabem que os membros e os ossos destes hominíneos acompanharam esta transição. Agora, um estudo, publicado nesta sexta-feira na edição em papel da revista Science, analisou as omoplatas de um fóssil deAustralopithecus afarensis juvenil e mostra que a espécie da famosa Lucy, conhecida pelo seu caminhar já erecto, também se sentia confortável a trepar às árvores.

 Fóssil de Selam, uma menina australopiteca de três anos de idade
Fóssil de Selam, uma menina australopiteca de três anos de idade (Zeray Alemseged/Dikika Research Project)

Estamos habituados a ver bonecos da Lucy de pé. O fóssil encontrado em 1974 foi um marco na paleoantropologia por ser o hominíneo mais antigo descoberto até então. 

Lucy viveu há 3,2 milhões de anos no Leste africano. Pensa-se que morreu adulta. Era capaz de caminhar com um à-vontade que hoje só nós temos. A forma dos ossos das pernas de Lucy e pegadas fossilizadas com 3,6 milhões de anos, que poderão pertencer também aoAustralopithecus afarensis, dão indicações de que esta espécie seria bípede. 

Mas o fóssil de uma australopiteca só com três anos, estudado por David Green, da Universidade de Midwestern, EUA, obriga a mudar a forma de pensar a locomoção do Australopithecus afarensis

Selam, nome que lhe deram, foi encontrada na Etiópia, em 2000, e tem 3,3 milhões de anos. É o esqueleto mais completo de sempre de um de Australopithecus afarensis. E, pela primeira vez, os cientistas conseguiram estudar uma omoplata completa de um indivíduo desta espécie. 

Green e um colega analisaram o desenvolvimento da forma da omoplata entre este juvenil e da omoplata que se pensa que os adultos desta espécie tinham. Compararam este desenvolvimento com o que acontece nos chimpanzés, gorilas e na nossa espécie, concluindo que era mais parecido com os símios. “Apesar de ser bípede como os humanos, o Australopithecus afarensisainda era um bom trepador de árvores”, diz Green, acrescentando que mesmo “não sendo completamente humano, estava a caminho disso”.

    quarta-feira, 24 de outubro de 2012

    Banco de Portugal apresenta igreja que receberá o Museu do Dinheiro



    23.10.2012 - 15:33 Por Alexandra Prado Coelho

    A porta da casa-forte onde se guardavam as reservas de ouro
    A porta da casa-forte onde se guardavam as reservas de ouro (Foto: Nuno Ferreira Santos)
     Onde antes estavam encaixadas casas-fortes cheias de dinheiro surge agora o que resta de um antigo altar-mor. Onde anteriormente estacionavam carros, abre-se agora, clara e limpa, a nave principal do templo - depois de mais de dois anos de trabalhos, o Banco de Portugal apresentou ontem a convidados a obra de recuperação da antiga Igreja de São Julião, na Baixa de Lisboa.
    O edifício, que durante anos serviu de armazém do Banco de Portugal, sendo violentado de diversas maneiras, foi agora recuperado com um projecto dos arquitectos Gonçalo Byrne e João Pedro Falcão de Campos, e receberá, a partir do segundo semestre de 2013, o Museu do Dinheiro. 

    As imagens do que era a igreja até há relativamente pouco tempo impressionam. Pela porta principal, virada para a Praça do Município, entravam os carros, que estacionavam no interior. E, ao fundo, no que tinha sido a capela-mor, estavam, rompendo literalmente a parede, as caixas-fortes. "O que fizemos foi uma limpeza sucessiva para remover o betão, as argamassas, o cimento. Não fizemos mais do que relevar", disse João Pedro Falcão de Campos durante a visita. 

    O projecto - com um custo final de perto de 34 milhões de euros, mais IVA - fez ainda "crescer" um piso as partes laterais da igreja, que passaram assim a cumprir o plano que o marquês de Pombal fez para a Baixa depois do terramoto de 1755 e que até agora a Igreja de São Julião não cumpria. Na esquina do lado direito de quem está virado para a igreja surge agora um óculo de vidro azulado - um dos detalhes mais polémicos da obra. "Não fizemos [o novo piso] de forma mimética, assumimos a contemporaneidade", explicou Falcão de Campos, reconhecendo, contudo, que "a concretização ficou aquém" das expectativas. 

    O aumento de um piso permite que a visita à igreja e aos espaços onde será instalado o Museu do Dinheiro se faça de forma circular. Foi criado um corredor elevado junto à fachada principal, separado da igreja por uma parede de vidro, que serve não só para ligar as duas alas, como para reforçar a fachada principal, que corria riscos de derrocada em caso de sismo. 

    "Jogo de equilíbrios"

    A igreja, originalmente do século XVII, mas reconstruída depois do terramoto, está integrada num quarteirão que pertence, todo ele, ao Banco de Portugal - foi, aliás, o último dos nove edifícios que o banco foi adquirindo entre 1868 e 1933, "fechando" assim o quarteirão. A recuperação foi uma tarefa de grande complexidade, não só pelas descobertas arqueológicas (ver caixa) mas também pelas exigências actuais de segurança e conforto. Onde colocar toda a parafernália técnica necessária?

    A solução foi sacrificar dois dos edifícios do quarteirão, contíguos à igreja, colocando neles toda a parte técnica, do ar condicionado aos elevadores, escadas de emergência e cabos. Não era possível enterrar tudo, por um lado, porque, segundo Falcão de Campos, "o nível freático é muito elevado" na zona e, por outro, as descobertas arqueológicas não o permitiam. A parte técnica ficou assim concentrada nos chamados "edifícios-sacrifício". "Esta obra é um jogo de equilíbrios", afirmou o arquitecto. 

    A ideia é que o público passe a usar a porta antes usada pelos carros para entrar na igreja e aceder quer ao Museu do Dinheiro, quer às próprias instalações do Banco de Portugal, que podem ser vistas por detrás de um longuíssimo pano dourado, criado (tal como os painéis laterais nas antigas capelas) pela artista plástica Fernanda Fragateiro. A nave central é um espaço polivalente, que pode servir para concertos ou exposições temporárias.

    O museu será, disse Luís Abreu Nunes, responsável pelo projecto de conteúdos, uma "porta para a literacia financeira". Embora inclua peças do espólio do Banco de Portugal - para já o único objecto que pode ser visto é a enorme porta da antiga casa-forte onde se guardavam as reservas de ouro do país -, não será um museu "contemplativo", mas antes um espaço interactivo, no qual será contada a história do dinheiro e das trocas no mundo.

    A muralha de D.Dinis

    Cheira a humidade no corredor por detrás do altar-mor da Igreja de São Julião, na Baixa, onde os arqueólogos trabalham na muralha de D. Dinis, descoberta durante as obras de restauro do edifício-sede do Banco de Portugal. Já se suspeitava que esta antiga muralha da cidade pudesse estar ali, e pouco depois de as obras começarem surgiu a confirmação.Classificada como monumento nacional, a muralha será agora musealizada e poderá ser vista por quem visitar a igreja/Museu do Dinheiro. A opção tomada foi a de manter um troço de 30 metros, mas sacrificar dez metros de muralha. Esta prolongava-se até ao tardoz da igreja, explicou Artur Rocha. Segundo este arqueólogo que acompanha a obra, no passado o Tejo chegava até aqui, e a muralha foi construída precisamente para proteger a população de ataques vindos do mar. Durante as escavações foram encontrados mais de 100 mil fragmentos cerâmicos, dos períodos islâmico e romano, e ainda um vestígio do Paço Real da Ribeira, que vinha encostar à muralha. E, levantado o chão da igreja, foram descobertos e exumados mais de 300 corpos. "São enterramentos feitos durante o século XIX", afirma o arqueólogo. "Não há nenhuma evidência de enterramentos anteriores ao terramoto." Alguns dos corpos estavam em posições curiosas - uma mulher, por exemplo, foi enterrada com as mãos atrás da cabeça. Curiosa também é a descoberta de um corpo de homem com uma prótese na anca.

    Museu do Dinheiro nasce em 2013 [com vídeo]
    22 de Outubro, 2012
    Tânia Ferreira
    ©José Sérgio/SOL
    Dentro de um ano vão abrir as portas do novo Museu do Dinheiro do Banco de Portugal, em plena Baixa Pombalina de Lisboa. Localizado no espaço da antiga e recuperada Igreja de São Julião, «o museu terá entrada livre e pretende ser um centro de literacia financeira, contando a história do dinheiro e a sua relação com a sociedade e as pessoas, mas também um espaço aberto à cidade e com forte programação cultural e educativa, em parceria com outras entidades artísticas, nomeadamente para receber exposições temporárias de outras temáticas, concertos e peças de teatro», revelou o governador do Banco de Portugal (BdP), Carlos Costa, na cerimónia sobre a obra de Reabilitação e Restauro do edifício da sede.

    O Museu do Dinheiro – que faz parte do quarteirão financeiro onde está a sede do Banco de Portugal – soma uma área total próxima dos dois mil metros quadrados. 

    O BdP promete que este espaço vai ser «um lugar interactivo, e não contemplativo, com uma forte componente virtual e uma museografia não convencional, assente em tecnologia inovadora, na criação de ambientes surpreendentes e na participação do visitante na construção do conhecimento».

    O horário de funcionamento do museu – que vai ter uma cafetaria aberta ao público – ainda está em estudo, mas fonte do Banco de Portugal indicou ao SOL que deverá estar em linha com os restantes museus da zona da Baixa lisboeta, com quem estão agora a ser desenvolvidos contactos para o estabelecimento de parcerias. E é esperada uma média anual entre 50 mil e 100 mil visitantes, de acordo com as estimativas preliminares do banco central.




    O processo de reabilitação e restauro da sede do Banco de Portugal durou perto de cinco anos e implicou um investimento na ordem dos 33,9 milhões de euros (mais IVA), tendo o projecto de arquitectura sido da responsabilidade da dupla de Gonçalo Byrne e Falcão de Campos. No total foram contratadas pelo supervisor do sector financeiro mais de 130 empresas, quase todas nacionais, e envolvidas mais de duas mil pessoas nos trabalhos.

    «Ao longo dos cerca de 150 anos de vida do Banco de Portugal no edifício-quarteirão foram realizadas sucessivas intervenções que alteraram profundamente a filosofia estrutural dos edifícios», argumentou Carlos Costa, apontando o exemplo da Igreja de São Julião «cuja morfologia foi sendo danificada». Antes destas obras, o espaço da igreja que agora vai ser o Museu do Dinheiro servia, nomeadamente, como garagem, arquivo e casas-fortes.

    Outra das ‘pérolas’ deste núcleo museológico é o troço da Muralha de D.Dinis, património nacional, que será possível ver na visita ao Museu. 

    «No decurso dos trabalhos foi identificado um troço, do qual se conseguiram manter cerca de 30 metros», adiantou o arqueólogo Artur Rocha, dando nota de que «foram feitos outros mais de 100 mil achados com interesse histórico dos níveis moderno, medieval e romano, bem como uma necrópole do século XIX, com 300 exumações».

    «A instalação do Museu do Banco de Portugal, desencadeada em 2007, insere-se no projecto da Câmara Municipal de Lisboa de revitalização da Baixa Chiado e é uma peça fundamental na nossa estratégia para dinamizar o coração da cidade», rematou o presidente da autarquia da capital, António Costa, na mesma cerimónia. 


    tania.ferreira@sol.pt

    segunda-feira, 15 de outubro de 2012

    O que farão os arquitectos quando já não puderem construir?



    14.10.2012 - 12:00 Por Alexandra Prado Coelho
    O tempo da construção acabou? O que é que isto significa para os arquitectos? As perguntas - que não têm só a ver com a crise económica, mas muito também com a ideia de que não são necessários mais edifícios nas nossas cidades - surgem perante uma expressão utilizada por Beatrice Galilee, a comissária da próxima Trienal de Arquitectura de Lisboa, em 2013. No livro Spacial Murmuring - migration of spaces and ideas, de Sónia Nunes Henriques e Jan-Maurits Loecke (ambos dos He.Lo Architects), Galilee escreve sobre a "crescente irrelevância da construção na arquitectura".

    Projecto do atelier blaanc: casas para a classe emergente do Gana. Foi com esta experiência que o atelier percebeu que tipo de trabalhos lhe interessava fazerProjecto do atelier blaanc: casas para a classe emergente do Gana. Foi com esta experiência que o atelier percebeu que tipo de trabalhos lhe interessava fazer (Foto: DR)
    E, algumas páginas antes, no mesmo livro, Aaron Betsky, director do Cincinnati Art Museum, começa o seu ensaio com a frase: "O primeiro facto que temos que encarar na arquitectura e no design é o de que não precisamos de mais coisas". Escreve Betsky que "não precisamos de mais edifícios", e, numa escala mais pequena, "a última coisa que precisamos é de mais cadeiras, mesas, candeeiros ou outras peças de mobiliário". Que caminhos podem, então, seguir os arquitectos?

    "Em Portugal havia muito a lógica, que vinha sobretudo da Escola do Porto, que é de querer ver o projecto e a obra construída", diz Tiago Mota Saraiva, do ateliermob. "Num contexto em que temos claramente construção a mais", a arquitectura tem de ser diferente, defende. "A arquitectura tenta projectar o futuro, numa altura em que cada vez mais nos tentam cortar qualquer perspectiva de o fazer." E isso passa, por exemplo, por ter "arquitectos junto das comunidades a desenharem processos participativos".

    O ateliermob está envolvido num desses processos, no bairro Prodac, em Chelas. "Tomámos conhecimento do problema [o bairro foi construído pelos moradores há perto de 40 anos, mas estes continuam a não ser proprietários das casas] e começámos a falar com as associações de moradores para ver como poderíamos legalizar as casas. O nosso papel aqui não é fazer projecto, é desenhar o processo participativo." Conseguiram, para a parte norte do bairro, um financiamento do programa Bip-Zip, enquanto para a parte sul estão ainda a estudar outras formas. 

    As casas estão lá, já construídas, agora é preciso "fazer um levantamento, detectar os riscos", o que já está a ser feito. Mas o objectivo principal é conseguir que os moradores tenham condições para se tornarem proprietários das suas casas. É, de certa forma, um regresso ao espírito do SAAL, nos anos 70, um trabalho próximo da população. O projecto, intitulado Working with the 99%, e que está a ser acompanhado pelos documentaristas Joana Cunha Ferreira e João Rosas, acaba de vencer o Prémio Future Cities, na Bienal de Arquitectura de Veneza. 

    Angariar fundos

    Há em Portugal outros exemplos desta forma de encarar o papel do arquitecto. É o caso das blaanc, quatro sócias (Ana Morgado, Lara Pinho, Maria do Carmo Macedo Caldeira, Maria da Paz Sequeira Braga) com idades entre os 31 e os 33 anos, três baseadas em Lisboa e uma no Rio. Em 2010, conta Lara Pinho ao PÚBLICO, ganharam um concurso para construir casas para a classe emergente no Gana, com uma proposta de habitações feitas de terra pisada. "Foi aí que nos lançámos nesta nova maneira de ver a arquitectura, com maior sustentabilidade." E perceberam que esse era o caminho que queriam explorar. 

    A seguir participaram (já em colaboração com João Caeiro, baseado em Oaxaca, no México) noutro concurso, lançado pela Architecture for Humanity em parceria com a Nike, e foram um dos vencedores com um projecto para um centro desportivo em Oaxaca. "A ideia aqui", continua Lara, "era que a comunidade construísse em conjunto connosco". 

    E este projecto abriu caminho a um outro, no qual estão envolvidas, o Adobe for Women, que parte de uma ideia lançada há vinte anos pelo arquitecto mexicano Juan Santibañez para ajudar vinte mulheres a construir as próprias casas. Para recuperar o projecto, as blaanc lançaram uma campanha de angariação de fundos - uma das iniciativas é um leilão com desenhos de autor (dia 27 na Carpe Diem - Arte e Pesquisa, em Lisboa, entre as 16h e as 19h).

    Para já, tem sido no estrangeiro que as blaanc têm encontrado oportunidades para fazerem o tipo de arquitectura com que se identificam, mas o objectivo, diz Lara, é conseguir fazer o mesmo em Portugal. 

    Pensar a arquitectura para lá da construção é também o que fazem os he-lo, Sónia Henriques e Jan-Maurits Loecke, autores do livro citado no início. "A arquitectura não é só edifícios novos. É também este livro, esta discussão. É entender como as pessoas vivem no espaço, e não necessariamente a criação de espaços novos. Os arquitectos precisam de perceber como é que as pessoas funcionam dentro dos espaços", diz Sónia, por telefone a partir de Londres. Olhar a arquitectura de uma forma diferente passa por dar atenção "a outro tipo de áreas na cidade - viadutos, a parte de baixo de uma ponte, as áreas entre a linha do comboio e as traseiras de um edifício, telhados, túneis". Os he-lo gostam, nos projectos em que trabalham, de dar visibilidade a partes dos edifícios que habitualmente não vemos. Fizeram, por exemplo, uma instalação na Alemanha a partir de um concurso para uma mesquita, em que "a ideia era que as pessoas conseguissem andar por toda a área como se fosse uma montanha, podendo aceder a todo o espaço, incluindo o telhado". 

    A questão é perceber por onde passa o futuro. Luís Santiago Baptista, director da revista Arqa, acredita que há neste momento duas formas de encarar a arquitectura. "Uma olha-a como uma realidade física e material, e outra vê-a como suporte de movimentos e práticas espaciais, e tem uma relação mais livre com a materialidade. Acho que as duas são complementares."

    Em Portugal, explica, tem dominado a primeira perspectiva. Mas há já exemplos dessa visão da "arquitectura como palco, suporte, com um carácter mais efémero". Os primeiros acreditam que "a materialidade consegue determinar o uso", enquanto os segundos consideram que são as pessoas quem determina as formas de viver o espaço. 

    E embora ambas sejam "extremamente interessantes", Santiago Baptista lembra que "construiu-se demais em relação às nossas necessidades" e hoje "é difícil imaginar o que falta construir". Por isso, sejam quais forem os caminhos escolhidos, "a disciplina vai ter que se reinventar radicalmente", porque "as respostas que as sociedades exigem são diferentes do que eram há vinte ou trinta anos".