Discurso de Lula da Silva (excerto)

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segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Ainda não aprendemos a contar a nossa História através do cinema


"Vivemos no eterno presente", diz a historiadora Irene Pimentel ao falar da relação do cinema português com a História. Mas há filmes em cartaz que parecem encontrar um público.
Operação Outono, um filme sobre o julgamento dos assassinos de Humberto Delgado DR


O cinema português tem uma relação atípica com a História. Como em várias outras áreas da criação, da literatura ao teatro ou à televisão, são poucos os casos que permitam aferir uma outra relação com o passado. E, no entanto, nos ecrãs nacionais há filmes que nos contam momentos da nossa História e com algum sucesso.
No final da primeira semana de Dezembro, As Linhas de Wellington, de Valeria Sarmiento, estreado a 4 de Outubro, filme sobre as invasões napoleónicas e o êxodo dos portugueses, chegava aos 46 mil espectadores; O Cônsul de Bordéus, de Francisco Manso e João Correa (estreado a 8 de Novembro), sobre a desobediência de Aristides de Sousa Mendes às ordens de Salazar, tinha feito 44 mil; Operação Outono, de Bruno de Almeida (estreado a 22 de Novembro), sobre o julgamento dos assassinos de Humberto Delgado, fazia 5500 espectadores. São números confortáveis, que colocam esses filmes num ranking meritório: tanto o filme de Sarmiento como o de Manso constam já da lista dos 20 filmes portugueses mais vistos desde 2004 (ano em que o Instituto do Cinema e do Audiovisual começou a fazer este tipo de contabilidade).
Mas se As Linhas de Wellington procura um fulgor épico a partir do encontro entre protagonistas, os casos de O Cônsul de Bordéus e Operação Outono distinguem-se da simples biografia, pois o modo como trabalham as figuras de Aristides de Sousa Mendes e Humberto Delgado atinge outros propósitos. São filmes, acredita a historiadora Irene Flunser Pimentel, que "respondem a questões éticas", que relevam de "preocupações actuais" e que se tornam importantes porque não se restringem apenas à sua dimensão de filmes: comportam uma dimensão histórica que, através da "narrativa das imagens", pode "transmitir o que um historiador poderia fazer". Também "a História feita pelo historiador é uma narrativa". "Há coisas que não encontramos na História, há silêncios e sombras que temos de preencher, embora de forma menos ficcional que um romancista." Não tem dúvidas: "São filmes muito importantes", cuja qualidade fílmica não entrará na discussão, quando se vive "num país onde há muito pouco de tudo".
O eterno presente
Francisco Manso e Bruno de Almeida acreditam que, através do cinema, é possível, mais do que contar uma história, olhar para o presente e perguntar como evitamos que os erros se repitam. Errar é expressão nossa, porque nenhum dos realizadores quis interpretar a História, apenas dar a conhecer o que aconteceu. O mesmo acontece, muitas vezes, com quem a viveu. Explica Irene Pimentel que "quem viveu o tempo não tem capacidade para escrever sobre ele, ou para o representar de forma ficcionada. Há um período, "normalmente de 30 anos, ou seja, praticamente uma a duas gerações, até se colocarem as questões". Dá como exemplo, no plano da edição, os livros que em 2011 saíram sobre Francisco Sá Carneiro, 30 anos após a sua morte em Camarate. 

"A História tem tantos aspectos importantíssimos... Estes não são casos únicos. E é impressionante como o cinema não agarrou tantos aspectos da nossa História." O exemplo recorrente é o da guerra colonial que, além da ficção em 20,13, de Joaquim Leitão (2006), ou tangencialmente em Um Adeus Português, de João Botelho (1986),Os Imortais, de António-Pedro Vasconcelos (2003), A Costa dos Murmúrios, de Margarida Cardoso (2005), surgia apenas como elemento histórico em Non ou a Vã Glória de Mandar, de Oliveira, que fez à época, em 1990, 69 mil espectadores. "Vivemos o eterno presente, não há noção de genealogia. Passamos por um período em que só temos o presente e neste momento não temos futuro. E somos assim porque houve várias causas que ficaram para trás. Haverá uma camada [da população] que já só leu as questões em livros de História, e que tem a necessidade de pensar a nossa identidade", diz a historiadora. O que explicará, então, este encontro do público com um cinema que acusa a falta de meios e de condições de produção, mas, ainda assim, arrisca numa historicidade?
A ideia de ficção para um caso desta natureza é uma solução para, a partir de algo que aconteceu, dar o exemplo de alguém que foi relevante para um conjunto de seres humanos", responde Francisco Manso. "Não sei o que se passou na cabeça de Aristides de Sousa Mendes, mas sei as consequências dos seus actos." A Manso interessa "mostrar algo que tenha significado na História" e as suas preocupações estão em temas como a escravatura, a pena de morte, ou alterações de comportamentos das sociedades. "Actos de coragem", define. O Cônsul de Bordéus"fala de justiça e de reposição da justiça", para falar de um país "à mercê de condicionalismos do passado recente" que têm impedido à ficção enfrentar, de frente, a História. "As pessoas inibem-se de muitas coisa" e isso reflecte-se na ficção. Operação Outono fala de como foi possível, em democracia, permitir que fosse encontrado um bode expiatório.
A sociedade deve discutir os temas para que deixem de ser intocáveis", acredita Bruno de Almeida. Até porque "a História está sempre em construção". Esta ideia é partilhada por Irene Pimentel. "A História está cheia de silêncios que o historiador tem que saber preencher. Há fontes que não estão disponíveis e há traumas, de quem viveu, que não permitem que a História seja transmitida." E, por isso, a pergunta que filmes como estes podem colocar é de outra ordem. Bruno de Almeida: "Como nos posicionamos? O filme funciona, de alguma forma, naquilo a que se destina, não se é bom ou se é mau, mas se fizer perguntas. Sobretudo uma: "Como foi possível acontecer"?"
Artigo corrigido no dia 10/12 às 09h44: Corrigida informação relativa à lista dos filmes mais vistos



  1. Anónimo
    Se o filme funciona se fizer perguntas, então a questão de Manoel de Oliveira "Colombo, o enigma" é uma uma excelente questão. Como foi possivel acontecer a Europa e Portugal trocar um Colombo Português por um Colombo Italiano? Como é possivel os Espanhois desconhecerem a nacionalidade de uma pessoa que existiu há uns 450 anos quando se sabe da nacionalidade de enumeras personagens que viveram há 2000, 4000 e mais anos ? Se isto não é gozo não sei o que será...E Portugal, a Europa e o mundo continuam silenciosos sobre esta questão...
  2. Anónimo
    Nomear um nome. Nomear um lugar. Nomear , nomear... ainda temos medo de nomear. É como se apontassemos o dedo. Ainda temos medo.
  3. Anónimo
    excelente comentário sobre a importância de reflectir sobre o tempo e sobre o nosso passado.
  4. Anónimo
    Eu gostava de perceber porque é que este jornalista não falou sobre o realizador do Inês de Portugal ou Preto e Branco. Pergunto porque é que este jornal só fala de uma tendência do cinema. Ainda por cima este cinema é mau.
    1. Caro leitor, este artigo centra-se nos dois filmes por se encontrarem actualmente em cartaz, e não faz juízos de valor sobre os mesmos. Obrigado pelo seu comentário, Tiago Bartolomeu Costa
  5. Anónimo
    "São números confortáveis, que colocam esses filmes num ranking meritório: tanto o filme de Sarmiento como o de Manso constam já da lista dos 20 mais vistos de sempre do cinema português." Mais atenção às fontes: esta lista refere apenas filmes estreados depois de 2004. O exemplo dado mais adiante do Non ou a vã glória de mandar (1990) não aparece nessa lista, apesar dos 69 mil espectadores.
  6. Anónimo
    Há muito que acho que o nosso cinema teria um papel fundamental em trazer à memória a nossa história recente, desde a guerra colonial ao Estado Novo, mostrar como vivam as pessoas comuns nessa época e qual era a tragédia em ver partir um filho, um pai ou um irmão para longe, num sítio onde se morria. Ou nos campos, o trabalho de sol a sol, a perseguição da pide, os bufos, o medo, a fome. Este trabalho é tanto mais importante para as novas gerações, desmascarar a brutalidade desses tempos que muitos andam a tentar branquear.

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