Discurso de Lula da Silva (excerto)

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sábado, 30 de abril de 2011

Santo? Críticos de João Paulo II duvidam



30.04.2011 - 08:30 Por António Marujo, em Roma
"Santo súbito!", pediu o povo católico que esteve no funeral de João Paulo II, em Abril. "Santo? Duvido...", responde outra parte do mesmo povo, que tem reservas em relação à rapidez do processo e ao próprio papel do Papa polaco em relação a alguns temas da sua liderança de 26 anos e meio na Igreja Católica. Por contraste, esses mesmos sectores lançaram esta semana uma petição a pedir a imediata canonização de Oscar Romero, o arcebispo de El Salvador que, em 1980, foi assassinado por esquadrões da morte militares daquele país.
"A santidade é outra coisa", disse o teólogo James Carrol  
"A santidade é outra coisa", disse o teólogo James Carrol (Stefano Rellandini/Reuters)

Este acto deveria encorajar os cristãos do Ocidente a viver novas formas de cristianismo inspirada "no espírito de Romero", de apoio aos "mais pobres" e de busca de mais justiça.

Posta a circular esta semana pelo movimento Nós Somos Igreja (NSI), da Alemanha, a petição conta já com centenas de assinaturas. Entre elas estão as dos bispos Jacques Gaillot, de França, e Luís Flavio Cappio, do Brasil, a dos teólogos Hans Kung, Leonardo Boff, Eugen Drewermann, Carlos Mesters ou Elisabeth Schüssler Fiorenza.

Ao ter assumido a defesa dos pobres do seu país e ao ser sido assassinado por causa disso, Romero deveria já ter sido canonizado, diz ao PÚBLICO Ana Vicente, do NSI-Portugal. Ao contrário, o então arcebispo de El Salvador terá ficado desiludido com os dois encontros que teve com João Paulo II, logo em 1979, tendo sido objecto de críticas do Vaticano.

Já antes, o NSI e outros grupos tinham criticado a beatificação de João Paulo II. Está em causa, para estes críticos, o modo como o Papa polaco geriu várias questões. "A sua atitude perante as denúncias dos abusos sexuais do clero e a sua perseguição a teólogos e teólogas" são dois dos temas principais, diz Ana Vicente. "Mais de 100 teólogos" foram condenados ou chamados a Roma para explicações, recorda a responsável do NSI, um movimento católico que tem pedido uma série de reformas dentro da Igreja.

Não se pense, no entanto, que as críticas vêm apenas dos católicos "contestatários". Um importante clérigo do Vaticano dizia ao PÚBLICO que "a História ainda não teve tempo para fazer o seu julgamento".

Admitindo o gigantismo da figura humana de João Paulo II, este responsável olhava para o ecrã gigante colocado na Praça de São Pedro, mostrando imagens do pontificado de Wojtyla: "Quem vai ser canonizado é o Papa viajante", diz.

Também o papel de João Paulo II na gestão dos casos de abusos sexuais do clero é posto em causa por este eclesiástico: o apoio que ele deu ao padre Marcial Maciel, fundador dos Legionários de Cristo, e ele próprio um pederasta, consumidor de droga e adúltero condenado pelo Vaticano já sob Bento XVI, leva este padre a dizer que a liderança católica actual deveria ter usado mais da prudência - uma virtude que é apresentada como importante noutras situações.

Ontem mesmo, em declarações à AFP, a rede de vítimas de abusos de padres, dos Estados Unidos, recomenda que a eventual canonização de João Paulo II seja desacelerada, tendo em conta que a maior parte das denúncias de abusos vieram a público durante o pontificado do Papa polaco.

Os críticos recordam que nem tudo luziu no pontificado de 26 anos e meio. A Adista, agência de informação católica italiana, fez um levantamento dos casos mais polémicos. E recordou a chamada à ordem dos padres jesuítas, em 1981, os sucessivos inquéritos e condenações de teólogos por causa de afirmações que punham em causa a verdade institucional católica, as restrições à colegialidade dos bispos, o "não definitivo" ao sacerdócio feminino, a condenação do pluralismo religioso ou a equiparação entre o Holocausto e o aborto.

"Tenho muita consideração pela pessoa - a sua juventude heróica, a sua autenticidade, a sua coragem histórica perante o regime comunista da Polónia. Há muito a honrar por essas razões", dizia à Reuters o teólogo e ex-padre James Carrol. "Mas a santidade é outra coisa. Creio que ele fez muito mal à Igreja de diversas maneiras."

Ana Vicente acrescenta que a avaliação de uma vida e da santidade de uma pessoa são sempre subjectivas. "Quer Romero, quer João Paulo II tinham qualidade e defeitos." Mas "os que seguem Jesus Cristo fazem-no mais por aquilo que são capazes de concretizar ao longo da sua vida do que por causa de um milagre".

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Lima de Freitas e a ilustração


QUARTA-FEIRA, 3 DE OUTUBRO DE 2007
A Arte Gráfica em Portugal - Século XX

Lima de Freitas (1927-1998), capa e ilustrações para Mulher Mar (1979), de Jorge Guimarães (n. 193?).



© Blog da Rua Nove

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Morreu Vitorino Magalhães Godinho



Aos 92 anos

27.04.2011 - 12:50 Por PÚBLICO, com Lusa

O historiador, professor catedrático da Universidade Nova de Lisboa e antigo director da Biblioteca Nacional, Vitorino Magalhães Godinho morreu na terça-feira, aos 92 anos, noticiou hoje a agência Lusa.
Vitorino Magalhães Godinho é um dos pioneiros das ciências sociais em Portugal 
Vitorino Magalhães Godinho é um dos pioneiros das ciências sociais em Portugal 
(Miguel Madeira (arquivo))

Foi um dos pioneiros da História e das Ciências Sociais em Portugal, devendo-se-lhe em especial a renovação e actualização da investigação sobre os Descobrimentos e a expansão portuguesa integrada numa perspectiva global, trabalho que materializou em dois livros fundamentais, “A Economia dos Descobrimentos Henriquinos” (1962) e “Os Descobrimentos e a Economia Mundial” (editado em dois volumes, em 1963 e 1970).

“Não desvalorizo o papel do António Sérgio ou do Jaime Cortesão, mas acho que Vitorino Magalhães Godinho é o primeiro grande historiador moderno em Portugal”, diz ao PÚBLICO o historiador Manuel Loff, docente da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

Manuela Mendonça, presidente da Academia Portuguesa da História, em declarações à Lusa, considera Godinho “uma referência, e o último de uma geração de ouro da historiografia portuguesa”. A historiadora sublinha ainda “os novos contributos dados por Magalhães Godinho no estudo da História, quer na conceptualização quer na metodologia, fortemente influenciados pela École des Annales, de que foi membro”.

Vitorino Magalhães Godinho interessou-se igualmente pela História de Portugal moderna e contemporânea, em estudos que vieram também reformular perspectivas de análise, como nos trabalhos “A Estrutura da Antiga Sociedade Portuguesa” (1971) e “Mito e Mercadoria, Utopia e Prática de Navegar, Séculos XIII-XVIII” (1990).

Na biografia que dedica a Vitorino Magalhães Godinho no sítio do Instituto Camões, o historiador seu discípulo Joaquim Romero Magalhães escreve: “Das suas lições de rigor erudito, de alargamento metodológico e da problematização das fontes como objecto cultural, de ensaio de quantificação e de cruzamento com as diferentes ciências sociais, de fundamentação teórica e de aplicação de uma visão histórica aos diferentes domínios do saber, de cidadania activa resultou uma notável renovação dos estudos de História em Portugal”. E cita, a propósito, uma afirmação do próprio Magalhães Godinho, que lembrava que “não é possível analisar os problemas da realidade portuguesa contemporânea sem os inserir na trama da evolução do nosso país, quer dizer, sem estudar as condições de formação do mundo em que vivemos, a génese da nossa cultura, da nossa sociedade, da estrutura político-económica de Portugal”.

Formação em Lisboa

Vitorino Magalhães Godinho nasceu em Lisboa em 9 de Junho de 1918, filho de um oficial do Exército e político republicano, Vitorino Henriques Godinho, figura que se mostraria determinante na sua formação política.

Fez os estudos secundários nos liceus de Gil Vicente e de Pedro Nunes, em Lisboa, tendo sido também na Faculdade de Letras da capital que se licenciou em Ciências Histórico-Filosóficas (1940), com a tese “Razão e História”. Torna-se professor extraordinário nesta faculdade, até 1944 (dois anos antes, tinha casado com Maria Antonieta Ferreira). Ruma depois a Paris, onde se torna investigador no Centre National de la Recherche Scientifique. Na capital francesa, estuda e priva com os grandes nomes da École Pratique des Hautes Études, entre os quais Lucien Febvre, Fernand Braudel e Ernest Labrousse, tendo deles bebido as novas metodologias de análise histórica desenvolvidas em volta da revista “Annales”.

“Quando chegou a França, ficaram muito admirados, porque ele tinha já um tal conhecimento, uma tal quantidade de informação, que aqueles sábios não lhe podiam ensinar grande coisa”, recorda Eduardo Lourenço sobre este período da vida de Godinho. O filósofo e ensaísta continua: “Contaram-me que o [Fernand] Braudel disse isso mesmo a alguém: ‘Não se lhe pode ensinar nada’. Tinha muito prestígio nos meios académicos franceses. É uma das grandes figuras da escola dos ‘Annales’, com o Braudel e o Febvre”.

Em 1954, Godinho dá aulas na Universidade de S. Paulo, no Brasil, e, no final da década, faz o doutoramento de Estado na Sorbonne, de novo em Paris, com a tese que depois será publicada em Portugal com o título, já atrás referido, “Os Descobrimentos e a Economia Mundial” (que teria uma edição definitiva em 1983-4).Ministro da Educação e Cultura

De regresso a Portugal, torna-se professor catedrático no Instituto Superior de Estudos Ultramarinos (1960-62), mas acaba afastado, por duas vezes, da actividade docente pelo poder salazarista, em virtude da sua intervenção cívica – que se manifestou, por exemplo, em 1969, na participação no Congresso Republicano de Aveiro, e na publicação de livros como “O Socialismo e o Futuro da Península” (1970) e “Um Rumo para a Educação” (1974).

Logo a seguir ao 25 de Abril de 1974 (a Revolução apanha-o em França), a convite do General António de Spínola, torna-se ministro da Educação e Cultura no II Governo Provisório, liderado por Vasco Gonçalves. Retoma depois o lugar de professor catedrático, desta vez na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (UNL). Em 1984, é nomeado director da Biblioteca Nacional, a convite do ministro da Cultura, Francisco Lucas Pires. Jubila-se, em 1988, na UNL, sendo nesse ano alvo de uma homenagem nacional.

Em 2003, a pretexto do colóquio que lhe é dedicado em Paris, com o título “Portugal e o Mundo. Leituras da Obra de Vitorino Magalhães Godinho”, manifesta-se, em entrevista ao PÚBLICO (ver edição de 15 de Dezembro desse ano), bastante céptico com o tempo e o estado do mundo.

“O ruir do Império Soviético foi também a ruína do Ocidente, que permitiu a formação de um novo império – o império americano –, sem controlo e em moldes ultrapassados: continua a ser proibido estudar Darwin nas escolas, há perseguições às clínicas que praticam o aborto, há ataques à mão armada... Há meios de matar – a partir da transformação introduzida pela informática –, que estão ao alcance de qualquer pessoa. Foi tudo tão rápido, deu-se um vazio e uma incapacidade de organização para resistir, para orientar essa mutação para outros sentidos. Perderam-se as balizas. A humanidade perdeu o controlo. Inclusive, as estruturas económicas mudaram por completo. O capitalismo ruiu, como ruiu o estalinismo. Não há mais capitalismo. O que há é uma organização de redes mafiosas que controlam o mundo”, disse então. E manifestou também o seu mal-estar pela situação política em Portugal. “A minha opinião é a de que, hoje, não existe democracia. O grande erro é partir-se do princípio que se construiu uma democracia, quando não se chegou a construir uma democracia”, comentou então Vitorino Magalhães Godinho.

Presidente da República lamenta morte de "um grande homem de cultura"

Cavaco Silva já veio lamentar a morte de Magalhães Godinho, numa mensagem puiblicada no site da Presidência da República. O Chefe de Estado lembrou Magalhães Godinho "como um dos mais notáveis historiadores do século XX", que "marcou sucessivas gerações de historiadores e cientistas sociais pelo carácter inovador, pela erudição e pelo rigor da sua investigação". Cavaco Silva lembrou o historiador pela sua "conduta cívica exemplar", que "nunca deixou de assumir a atitude crítica que a sua responsabilidade cívica exigia face aos problemas da sociedade portuguesa".

"Portugal perdeu um grande homem de cultura. O seu exemplo como cientista, professor e cidadão perdurará na memória dos que com ele privaram, dos que tiveram o privilégio de o conhecer e admirar como académico e de todos os que através da sua obra e do seu ofício de historiador renovam dia a dia o legado de um Portugal aberto ao Mundo", conclui a mensagem de Belém.

Notícia actualizada às 16h26

quarta-feira, 27 de abril de 2011

porcalhões e gaiteiros

antes risos que prantos escrever, sendo certo que rir é próprio do homem [Rabelais]
porcalhões e gaiteiros
27.5.06


[um deslinque por deslize todos os temos. Aproveita-se a ocasião para repor aqui uma porcalhada com dupla dedicatória-
Aos nossos
porquinhos de estimação e ao gaiteiro (salvo seja) do Luís Rei ,a quem há três anos foi oferecido o bácoro e a sanfona].

Por tradição ancestral a gaita-de-foles sempre foi associada à provocação sexual. O tema populariza-se na Idade Média na literatura e na iconografia jocosa.


O termo "gaiteirice" prende-se com estes costumes e vemo-lo aplicado à luxúria desbocada dos loucos, dos velhos e das velhas afoitos a críticas e penitenciais da Igreja, por força da insistência no gozo.


De um modo mais descomprometido, os tocadores de gaita-de-foles fazem parte das festas do riso saudável e desbragado das patuscadas populares, acompanhadas de bebida e muita outra diversão.


Gil Vicente e Camões referem-no a propósito dos tempos soturnos trazidos pela Inquisição. A "apagada e vil tristeza" que já aparecera noTriunfo do Inverno vicentino:


Em Portugal vi eu já
Em cada casa pandeiro
E gaita em cada palheiro;
E de vinte anos a cá
Não há hi gaita nem gaiteiro,
A cada porta hum terreiro,
Cada aldeia dez folias,
Cada casa atabaqueiro;
E agora Jeremias
hé nosso tamborileiro.
Só em Barcarena havia
tambor em cada moinho,
E no mais triste ratinho
S'enxergava uma alegria
 (Gil Vicente, Triunfo do Inverno).

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Amores e calores fora de época parece que sempre atacaram em todas as épocas. Gil Vicente não os poupou nas suas sátiras:


Moça "Já perto sois de morrer. Donde nasce esta sandice que, quanto mais na velhice, amais os velhos viver? E mais querida, quando estais mais de partida, é a vida que deixais?
Velho "Tanto sois mais homicida, que, quando amo mais a vida, ma tirais. Porque meu tempo d'agora vai vinte anos dos passados; pois os moços namorados a mocidade os escora. Mas um velho, em idade de conselho, de menina namorado... Oh minha alma e meu espelho!
Moça "Oh miolo de coelho mal assado! (...)

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A badalhoquice da velha era ainda mais caricata, estando na base da inversão da Tempo e da Ordem nas festas do solstício de Verão, em que o tema da Serração da Velha se inscreve.


Velho " Estas velhas são pecados, Santa Maria vai com a praga! Quanto mais homem as afaga, tanto mais são endiabradas!
Gil Vicente,O Velho da Horta

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No Triunfo do Inverno, tragicomédia concebida como uma assoada e festa de Maio*, a velha Brásia Caiada, faz um percurso pela serra, suportando as intempéries invernais, porque deseja casar-
com um mancebo solteiro
filho de priol d’Aveiro
e eu sua namorada
e o moço sapateiro
Porque diz o exemplo antigo
quando te dão o porquinho
vai logo có baracinho.
Ora eu cá assi o digo.
E mais quem inda s’atreve
com’eu que o posso fazer.
Que assi case eu com prazer
que vou cada vez mais leve.-Vingando-se da morte do Inverno, a velha do charivari, acaba por desaparecer na Natureza.


retábulo Sé Velha CoimbraNo bestiário medieval o porco ou javardo, significa literalmente essa gula ou luxúria depravada. Já Santo Isidoro de Sevilha o recordava nas Etimologias: "os porcos são imundos porque se revolvem e sujam na terra à procura de alimentos". Na obra Hortus Sanitatis (1485), inspirada em Aristóteles, Jehann von Cube desenvolve a ideia da associação do porco à luxúria, referindo a precocidade sexual do animal que aos oito meses já é capaz de copular.


Os exemplários acrescentam os mesmos atributos aos macacos beberrões e a todo o tipo de gula e prazeres carnais. Representam-se com este sentido em cortejos festivos, tocando instrumentos musicais, a par de sátiros, centauros e outras figuras humanas bestializadas e em despique com os homens selvagens.
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Nestas gaiteirices, a gaita-de-foles parece ter esse específico significado sexual. Arcipreste de Talavera, na recolha de refrães que incluiu no El Corbacho (1438), a propósito de frades e seculares dados a assediar a mulher do próximo, utiliza a frase: "dignos por us fechos de tañer la cornamusa"


Parece que a música popular e profana não se fazia apenas ouvir nas festarolas e touradas nos adros das igrejas. A confecção simples e pouco dispendiosa deste instrumento musical, levava a que muitas paróquias usassem a gaita no lugar do órgão.


Oviedo


O Louco ou bufão, termo de origem toscana, significava o chocalheiro, o bobo por cuja boca saem os disparates, venenos, malícias e todo o tipo de licenciosidades que servem para entreter os ignorantes e indiscretos, como foram definidos por Sebastián de Covarrubias no século XVII.
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O bufo que diz coisas vãs e cujas palavras leva o vento representa também as cabeças aéreas, a razão adormecida. Este personagem domina grande parte da cultura satírica medieval, prolonga-se nos tempos modernos, numa confluência entre o erudito e o popular.
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Da Nave dos Loucos de Sebastian Brandt ao Elogio da Loucura de Erasmo de Roterdão, passando pelas trovas populares e teatro vicentino, o louco é o antecessor do palhaço pobre dos tempos modernos.
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O efeito escatológico das suas provocações tanto actua nas festas populares, feiras e vagabundagens de saltimbanco, como o promove a bobo de corte em meados do século XIV.
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Nas cidades multiplicavam-se as companhias de loucos com ordenanças e cerimónias burlescas próprias e as Festas de Loucos, dos Inocentes e doAsno servem também como momento de iconoclastia colectiva de que nos restam testemunhos iconográficos.


Na descrição de uma festa de loucos decorrida em Ecija diz-se mesmo que no meio do espectáculo se ouvia tambores e a "gaita dos loucos" 
(ver Caro Baroja, El Carnaval (Análisis histórico-cultural), Madrid, 1965, p. 326.)


































Algumas representações do toque da gaita-de-foles aproximam-se de figuras metamorfoseadas (especialmente monges) cujos narizes se prolongam nos tubos da gaita ou nas flautas imprimindo-lhes um nítido carácter fálico. Noutros casos a associação sexual é mais explícita, mostrando claramente cenas de sexo contra natura ao lado dos porcos, macacos e coelhos gaiteiros.





















Os tempos passam, os gostos mudam mas porcalhadas e gaiteirices não desapareceram nas brincadeiras pos-modernas. Aqui fica um grande porcalhão mais recente.


 
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*segundo Maria José Palla, A Palavra e a Imagem. Ensaios sobre Gil Vicente e a Pintura Qinhentista, Editorial Estampa, Lisboa, 1996.

consultar também:
site dedicado a gaitas-de-foles

imagens:
- Les Très Riches Heures du Duc de Bérry, 1413.
-Pieter Brueghel o Velho, Dança de camponeses, 1556 
- Pieter Brueghel o Jovem, interior de festa de casamento (detalhe), c. 1620
- Pieter Brueghel o Jovem, velho gaiteiro
- retábulo da Sé Velha de Coimbra, provocação sexual entre homem selvagem e javardo a tocar gaita
- campónio a tocar gaita, gárgula da catedral de Plasencia
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porcos músicos- cadeiral de Santa Cruz de Coimbra;
-javardos a copularem ao som da gaita, cadeiral de Oviedo
-gravura da Reforma- "Papa doutor em Teologia e Mestre da Fé", Lucas Cranach, meados do século XVI
-Erhard Schoen O demónio a tocar gaita de foles c. 1530
- Sebastian Brandt, A Nave dos Loucos, louco gaiteiro, gravura de Dürer.
cena de felatio entre meninos, portal da Sé de Lamego
-menino a masturbar-se ao lado de coelho gaiteiro, capitel da igreja conventual de Vilar de Frades

Jeff Koons, 1988, porquinhos e S. João Baptista
nota: acrescentada a gravura satírica do Papa de Lucas Cranach, graças ao BibliOdissey 

http://www.cocanha.com/porcalhoes-e-gaiteiros/

David Alfaro Siqueiros

 
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Carregado por  em 27 de Jul de 2007
Maestro
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Carregado por  em 11 de Jan de 2010
Imagenes de los murales y pinturas de este destacado autor mexicano

segunda-feira, 25 de abril de 2011

The Production of Medieval Manuscripts


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Carregado por  em 28 de Set de 2007
Images of the production of midieval manuscripts. From the making of Parchment to the illumination process.
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Carregado por  em 17 de Set de 2007
they are all from Hans Talhoffer
enjoy !
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Carregado por  em 10 de Jul de 2008
-VIEW IN HIGH QUALITY-
Music: 'Trotto' by Saltarello

Weapon Forms: Scythe, Sickle, Flail, Cudgel, Duelling Shield.

-From Wikipedia-
Paulus Hector Mair (1517--1579) was an Augsburg civil servant, and active in the martial arts of his time. He collected Fechtbücher and undertook to compile all knowledge of the art of fencing in a compendium surpassing all earlier books. For this, he engaged the painter Jörg Breu the Younger, as well as two experienced fencers, whom he charged with perfecting the techniques before they were painted. The project was very costly, taking full four years, and according to Mair, consumed most of his family's income and property. Three versions of his compilation, and one later, less extensive manuscript, have been preserved.

Not only did Mair spend huge sums on his collections and on his projects, he also had a very expensive lifestyle, frequently hosting receptions for the more important burghers of Augsburg. His own income was not sufficient for this, and during many years, he misappropriated funds from the city treasury, with the supervision of which he had been entrusted since 1541. His embezzlements were discovered in 1579, and Mair was hanged as a thief at the age of 62.
VOLUMES ONLINE!!!

1) http://mdz10.bib-bvb.de/~db/bsb00006570/images/index.html

2) http://mdz10.bib-bvb.de/~db/bsb00007894/images/index.html

C

domingo, 24 de abril de 2011

Murais Mexicanos: a arte para o povo

Gláucia Rodrigues Castelani
glaucia@klepsidra.net
3º ano - História/USP
muralismo.rtf - 33KB
Introdução
O objetivo deste texto é apresentar o movimento muralista mexicano, ocorrido logo após a Revolução Mexicana de 1910, até hoje considerada a primeira grande mobilização social na América Latina no século XX. Pretende-se aqui entender como se deu o surgimento de tal movimento e quais eram os ideais e as propostas de seus artistas, que se propunham a pintar para o povo. Mas não era apenas isso: para Rivera, Orozco e Siqueiros, os três grandes pintores da Revolução, o mural possibilitou uma arte pública e coletiva, que rompia com o individualismo da pintura de cavalete. 
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"Os muralistas mexicanos produziram a mais importante arte revolucionária, se sentido popular, ocorrida neste século, e a influência deles em toda a América Latina tem sido contínua e de longo alcance." (ADES: 1997, 151)
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Mural de Diego Rivera: Terra Virgem

Durante a década de 1930 tais idéias também podiam ser percebidas na Inglaterra e nos Estados Unidos. Entretanto, depois desse período raramente encontramos as idéias dos muralistas como parte do discurso artístico. Pode-se considerar que, nesse ponto, a grande dificuldade está em encontrar uma forma que possibilite a apresentação do mural, porque mesmo já se tendo produzido murais portáteis, estes "não conseguem transmitir a sensação que dão quando vistos em seus ambientes". (ADES: 1997, 151) 


No período pós-revolucionário, nas décadas de 1920 e 1930, os muralistas como Diego Rivera, José Clemente Orozco e Davi Alfaro Siqueiros, financiados pelo governo e dentro das diretrizes culturais pensadas pelo ministro José Vasconcelos, aliaram seu talento artístico à causa da Revolução. Sua produção cultural transmitia uma interpretação da história mexicana marcada pela denúncia dos ricos e poderosos, com fortes imagens de índios oprimidos e explorados pelo violento colonizador apoiado na Igreja Católica. Mas a Revolução também colocou em marcha uma política cultural que criou museus nacionais, instituições de pesquisa e de investigações arqueológicas que passaram a enfatizar o passado indígena do país.
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Mural de Diego Rivera:
A Grande cidade de Tenochtitlán

Os muralistas acreditavam que só mesmo o mural poderia redimir artisticamente um povo que esquecera a grandeza de sua civilização pré-colombiana durante tantos séculos de opressão estrangeira e de espoliação por parte das oligarquias nacionais culturalmente voltadas para a metrópole espanhola. Portando, produzir obras em locais públicos para que todos a pudessem ver era uma forma de impedir que estas não acabassem em propriedade de algum abastado colecionador. 



Mural de Rufino Tamayo, Palácio de Belas Artes Cidade 
do México
Assim, em todo o México foram pintados murais nos lugares mais variados, como palácios e encantadoras igrejas coloniais, pátios de prédios ministeriais, escolas, museus e câmaras legislativas. Em lugares, enfim, que vão desde escuras e mal projetadas escadas até imponentes fachadas de modernos edifícios. Mas, para nos aprofundarmos na análise dos murais, analisemos rapidamente o processo social que lhes deu origem.
Antecedentes: A Revolução Mexicana




Pancho Villa e Emiliano Zapata
Em 1910, a população campesina se encontrava ainda numa situação de servidão ou, quando assalariada, trabalhava em troca de salários irrisórios. O mesmo acontecia com os operários da cidade: pagamento ínfimo, nenhum direito, excesso de obrigações.
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É nesse quadro de opressão que se inicia uma rebelião liderada por Francisco Madero. Desde o princípio houve um crescente apoio popular, que acabou transformando esse movimento na Revolução Mexicana. Madero conseguiu o valioso apoio de lideres das massas camponesas e indígenas que se tornariam os maiores revolucionários, consagrados como heróis da história do México: Emiliano Zapata e Francisco Doroteo Arango, mais conhecido como Pancho Villa
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Esta Revolução derrubou do poder o ditador Porfirio Díaz – que em seu governo de 35 anos levou a nação a algum desenvolvimento econômico, mas a manteve sob um regime ditatorial e corrupto, explorando os camponeses, já miseráveis, e concedendo privilégios à classe dirigente.Entretanto, com a abertura do processo revolucionário e atentas à reação conservadora, as massas começaram a pressionar para que houvesse uma radicalização do movimento e que as conquistas sociais fossem privilegiadas. 
Porfirio Díaz

Emiliano Zapata
A Revolução estava obtendo sucesso em seus preceitos, ampliando a participação popular no poder, mas em 1913 o general Adolfo de la Huerta derrubou Francisco Madero, que acabou fuzilado. Porém, Pancho Villa, na região no norte, e Zapata na sul, continuaram combatendo com sucesso as forças governamentais agora chefiadas por Huerta. Em agosto de 1914, o general Álvaro Obregón saiu do norte, onde lutava ao lado de Pancho Villa, e comandando parte de seu exército (que não havia perdido nenhuma batalha), entrou na Cidade do México e venceu Huerta.
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Nesse momento, a Revolução nacionalizou as riquezas minerais, e em 1917 o presidente Venustiano Carranza convocou um Congresso Constituinte, que reformou a Constituição de 1857, dando-lhe um conteúdo progressista, nitidamente anticlerical e antiditatorial, cujos itens fundamentais eram a reforma agrária, a melhoria do padrão de vida da classe operária e a absoluta separação de poderes entre Igreja e Estado. Em 1920, foi a vez do general revolucionário Álvaro Obregón iniciar o seu governo, com o apoio dos sindicatos para a reforma agrária preconizada pela Revolução. 
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Pancho Villa
Em 1924, assumiu o governo o também general Plutarco Elías Calles, que iniciou uma violenta perseguição religiosa: ele proibiu o culto em todo país e a educação religiosa nas escolas. Em 1929, Calles fundou o Partido Revolucionário Institucional (PRI), concentrando as forças participantes do movimento de 1910 e contribuindo para a normatização da vida política nacional.
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Apesar da presença de governos ligados à Revolução, a forte oposição conservadora mantinha o país num clima de permanentes conflitos internos, o que fazia com que a plataforma constitucional permanecesse inaplicada até 1934, quando Lázaro Cárdenas assumiu a presidência.

O novo líder iniciou a realização de algumas das principais metas da Revolução: começou a reforma agrária, nacionalizou as empresas petrolíferas e procurou obter o difícil controle da política interna, enfrentado ao mesmo tempo os conservadores, os militaristas e os revolucionários mais radicais. A partir de Cárdenas, os presidentes mexicanos passaram a ser eleitos segundo as normas constitucionais que estabeleciam um mandato de seis anos e proibiam a reeleição. Dessa forma obteve certa estabilidade política para o país.

Lázaro Cárdenas

O Inicio do Movimento Muralista

Com a Revolução Mexicana de 1910, os ventos revolucionários penetraram por toda a sociedade – pondo principalmente em destaque a participação dos camponeses. No período pós-revolucionário (décadas de 1920 e 1930), temos um importante momento da história cultural mexicana, pois nessa época os muralistas constituíam o grupo mais atuante e criativo que formava a vanguarda cultural revolucionária do México, com forte sentido do valor social de sua arte. 



Mural de Deigo Rivera:
A Civilização Tarasque
Com "a posse do primeiro líder revolucionário, Álvaro Obregón, no cargo de presidente, em 1920, iniciou um período de otimismo e esperança durante o qual nasceria o movimento muralista." (ADES: 1997, 151) Para muitos mexicanos, a Revolução lhes revelou o México e deu aos pintores olhos para enxergar essa nova realidade. Dessa forma, os pintores muralistas inundavam as paredes com torrentes de imagens reproduzidas das mais variadas formas: realista, alegórica, satírica, sempre refletindo suas aspirações e conflitos, sua história e múltiplas culturas.
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Muitos foram os motivos para o predomínio das artes visuais e a primazia cultural do muralismo. Podemos considerar que o primeiro está relacionado ao compromisso que tinha o filósofo revolucionário José Vasconcelos – nomeado por Obregón como presidente da Universidade e Ministro da Educação – com o chamado programa do mural.
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O que havia de extraordinário nesse projeto, se comparado a outros lançados sob as mesmas condições revolucionárias? A diferença estava na ausência de qualquer imposição concernente ao estilo e à temática. Os murais mexicanos possuíam estilo indefinido, pois, para Vasconcelos, o importante era deixar os artistas livres para escolher os seus temas. De acordo com Ades, o plano visionário de Vasconcelos estava fundamentado numa teoria social que se inspirava ao mesmo tempo em conceitos pictográficos e no positivismo do filósofo Augusto Comte. Sustentava Vasconcelos que a evolução de uma sociedade se dá através de três estágios, sendo o mais avançado o da estética, no qual o México revolucionário não tardaria a entrar.
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Vasconcelos estava "convicto de que os mexicanos eram mais sensíveis às artes visuais que a música; ele foi o primeiro a permitir que se entregassem as paredes da recém-construída Escuela Nacional Preparatória (ENP) a um turbulento grupo de jovens artistas que buscava nas escolas de arte e nos ateliês, ou no caso de Rivera e Siqueiros, artistas já maduros, na Europa, atraindo-os de volta para o México." (ADES: 1997, 152) 


O segundo motivo se deve ao fato de que, no México, a idéia de projetos para murais é parte de uma tradição que vinha de longa data. "Dr, Atl (Geraldo Murillo), durante o breve tempo que passou como diretor da Escola de Belas-Artes em 1914, escreveu: ‘Os arquitetos, pintores e escultores, em vez de trabalhar visando a uma exposição ou um diploma, deveriam construir prédios e decorá-los’." (ADES: 1997, 152) Mesmo assim, muitos pintores não tinham consciência dos murais mexicanos, pois já em épocas pré-colombianas os muros das cidades eram cobertos de pinturas. Entretanto, Rivera só percebeu isso quando foi com Vasconcelos, em 1921, a Yucatán e em Chichén-Itzá e conheceu o templo dos Jaguares. No entanto, qualquer "tradição" existia apenas em teoria. Os estudos que os jovens pintores tinham feito não os preparava para a pintura mural, e eles teriam de aprendê-la com a prática.
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O terceiro motivo está relacionado ao "problema do índio", reavivado mais uma vez pela Revolução e sob o qual existia a questão do México ser ou não duas nações. A discussão sobre o problema também envolveu considerações sobre o papel da arte. 
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.Palácio de Belas Artes Cidade do México

Afinal, nesse período buscava-se também explicar que a arte não era uma intrusa no cotidiano dos mexicanos: "pontos divergentes com relação à estética contribuem substancialmente para que seja radical a separação de classes sociais no México. O índio preserva e produz uma arte pré-colombiana. A classe média preserva e produz uma arte européia temperada pelo pré-colombiano ou pelo índio. A dita classe aristocrática alega ser a sua arte puramente européia.
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Deixando de lado a última com seu purismo duvidoso (…) investiguemos as outras duas. Elas já são separadas uma da outra por diferenças étnicas e econômicas. O trabalho do tempo e a melhoria econômica da classe nativa contribuirá para a fusão étnica da população, mas a fusão cultural mostrará importante fator (…) Quando as classes nativas e média compartilharem um só critério no que diz respeito a arte, estaremos culturalmente redimidos, e a arte nacional, uma das bases mais sólidas da consciência nacional, se tornará um fato." (ADES: 1997, 153)


Mural de Diego Rivera:
A Água na evolução das espécies
(1951, Parque Chapultepec, Cidade do México)
Tais idéias, ao colocar em evidência as artes visuais, acabaram ajudando a assentar as bases culturais e políticas sobre as quais o muralismo se estabeleceu e se promoveu como arte nacional. No entanto, não necessariamente elas coincidem com a concepção que os próprios muralistas tinham de seu papel, nem com a mensagem social que a arte deles transmitia. Segundo Ades, mais que a fusão cultural mencionada acima, os muralistas, pelo menos em princípio, exigiam a erradicação da arte burguesa (a pintura de cavalete), e apontavam a tradição indígena com o modelo do ideal socialista de uma arte aberta, para o povo: "uma arte que fosse aguerrida, educativa e para todos".
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A Arte de "Los Tres Grandes"

O movimento muralista concentrava-se cada vez mais nos mãos de "Los Tres Grandes": Rivera, Orozco e Siqueiros. Entretanto, "nos heróicos anos compreendidos entre 1922 e 1924, os jovens que Vasconcelos encarregou de ajudar na decoração das paredes da ENP – Fernando Leal, Ramón Alva de la Canal, Fermín Revueltas, Jean Charlot, Emílio García Cahero – deram importantes passos para sua consolidação." (ADES: 1997, 155 e 156)
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Outro artista que não poderíamos deixar de mencionar é Francisco Goitia, merecedor do título de pioneiro: afinal, ele é "o primeiro artista a pintar para o povo". Como Siqueiros, Dr. Atl e Orozco, ele participou ativamente da Revolução. Ao lado de Pancho Villa, pôde inclusive produzir in loco "pinturas e desenhos vigorosos e realistas da guerra civil". Mesmo tendo ficado longe do alcance de Vasconcelos e deixado de completar os mais simples afrescos que se propôs a fazer, os estudos de Goitia acerca das conseqüências da guerra e da gente pobre, sobretudo mostrando mulheres índias chorando os seus mortos, não deixam dúvida de que constituem uma forte base para a nova pintura que se desenvolvia. 
  


Diego RiveraRivera vivera muitos anos no velho continente, e lá estudara com variados mestres e estilos diferentes. Mas aprendera também como os gregos, italianos, holandeses, espanhóis e outros criaram uma arte nacional de ressonância universal. Logo quis fazer o mesmo no México, contribuindo para que seu país tivesse uma fisionomia artística própria, exprimindo o vigor de sua natureza física e humana em uma pintura que não só descrevesse o povo mexicano , mas que também dialogasse com ele. Isso deveria redefinir o seu estilo.
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Diego Rivera iniciou em 1923 os murais do Ministério da Educação em meio a uma grande publicidade. Vasconcelos desejava ver uma decoração com motivos de mulheres vestindo trajes típicos de cada um dos estados mexicanos, mas não foi isso que aconteceu. 
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Num dos pátios do Ministério, onde deveriam ser pintados simbólicas e decorativas figuras, Rivera pintou o cotidiano da vida dos trabalhadores mexicanos, retratando desde a índia tecelã, o oleiro e o lavrador, até as oficinas de fundição, usinas de açúcar e minas. Por cima das portas, ele pintou poemas astecas e símbolos da revolução.
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Como se nota, Diego tinha prazer em fazer pinturas que contrastassem o mundo moderno industrial, com uma forte crítica social relacionada à exploração dos trabalhadores. Característico também é o contraste entre o México industrial e o México rural em sua obra; este último é celebrado por Rivera mais como vital e pitoresco do que como atrasado e indigente. 


Rivera era o único de "los tres grandes" que ainda continuava a procurar fórmulas que solucionassem a questão de uma "arte para o povo"; em termos realmente indígenas, não através da pura e simples reprodução de imagens do passado pré-colombiano, mas tentando entender e usar criativamente as estruturas e as iconografias pré-colombianas. Ao longo de sua vida, criou mais de 2 mil quadros, 5 mil desenhos e cerca de 4 mil metros quadrados de pintura mural. Foi um pintor revolucionário que queria levar a arte ao grande público, nas ruas e edifícios, manejando uma linguagem precisa e direta com um estilo realista, pleno de conteúdo social. Embora possa parecer que Diego tenha nos afrescos o estilo do realismo socialista, saiba-se que ele sempre foi um rebelde contra quaisquer dogmas, e que em seus trabalhos podemos ver também algo de cubismo, surrealismo, e etc.Entretanto, Diego Rivera tinha um ideal: queria que a arte fosse de todos.

Mural de Diego Rivera: Indústria de Detroit
(The Detroit Institute of Arts, Detroit, EUA)



Auto-retrato do Pintor mexicano
Davi Alfaro Siqueiros
Davi Alfaro SiqueirosSiqueiros sempre foi um polemista muito lúcido, e desde a época em que se encontrava em Barcelona já havia feito inúmeras críticas contra o que ele considerava "insosso e arcaico estilo da arte nacionalista pitoresca". Dentre os muralistas, Siqueiros era o que tinha maior comprometimento com o mundo moderno, tanto no que diz respeito à temática quanto às técnicas. Para ele a palavra de ordem era: "uma nova direção para uma nova geração de pintores americanos". Ele queria uma arte inovadora, que fosse dinâmica e construtiva. A sua linguagem artística tinha raízes na estética modernista do cubismo e do futurismo.
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Para Siqueiros, com a reavaliação feita pelos cubistas da chamada arte "primitiva", ocorreria a confirmação de uma nova atitude para com a cultura nativa do México: "precisamos absorver a força construtiva de suas obras nas quais existe evidente conhecimento dos elementos da natureza"; entretanto, ele queria que se evitassem as lamentáveis reconstruções arqueológicas (indianismo, primitivismo, americanismo) que, apesar de estarem na moda, conduziriam os mexicanos para efêmeras estilizações.
Siqueiros dava grande ênfase às grandes massas primárias: cubos, cones, cilindros, esferas, pirâmides, que para o artista deveriam ser as vigas de toda arquitetura plástica. Dizia: "deixem-nos impor o espírito construtivo sobre o puramente decorativo, a base essencial de uma obra de arte é a estrutura da forma, magnífica e geométrica". Tais idéias contribuiriam para a realização de alguns dos mais brilhantes e descomprometidos murais, em que a estrutura geométrica da forma "escapa de suas amarras cubistas para fundir-se esplendidamente com a verdadeira arquitetura".
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Mural de Davi Alfaro Siqueiros: A Nova Democracia

De todas as obras dos muralistas, a de Siqueiros é de longe a mais difícil de ser reproduzida com certo sucesso. Isso se deve ao estilo, à técnica e aos espaços escolhidos para situá-los. Os lugares eram selecionados por ele, modificados ou construídos de modo a permitir que toda a área da parede ficasse completamente envolvida pelo clima pictórico da criação. Ele se utilizava de tintas industriais e pistola de jato, mas também se valeu da técnica da fotografia quando usou um projetor para distender as imagens sobre a parede.
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Diferentemente de Orozco e Rivera, Siqueiros raramente pintou temas ligados à história mexicana, estando muito mais absorvido pela luta de classes no México de sua época.


Mural de Davi Alfaro Siqueiros no Hospital De la Raza:
Pela completa segurança de todos os mexicanos


  


Pintor mexicano
José Clemente Orozco
José Clemente Orozco"Orozco divergia profundamente de Rivera com relação à atitude que um e outro tinham para com a arte nacionalista, o indianismo, as interpretações da história mexicana e até para com a própria Revolução e seus murais, por evitar as mensagens históricas e políticas que, em Rivera, aparecem bem definidas. Os primeiros afrescos, entretanto, no andar térreo da ENP, eram universalistas e alegóricos." (ADES: 1997, 157) Destes, poucos chegaram até nós e muitos foram bastante danificados por adversários, alunos da ENP, mas seriam repintados por Orozco em 1926. No entanto, não há ambigüidade nas sátiras grotescas e cheias de força que estão no andar do meio de ENP. No último andar, há uma seqüência já não tão exaltada que aborda os invisíveis efeitos dos anos de violência sobre as famílias.
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Orozco considerava que os outros pintores, em seu nacionalismo, confundiam pintura com arte folclórica.
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Ele dizia: "a pintura em sua mais alta expressão e a pintura como arte menor folclórica diferem essencialmente nisto: a primeira possui imutáveis tradições universais de que ninguém pode separar-se (…) a Segunda, tem apenas tradições locais". Orozco também se negava a pintar propaganda: " uma pintura não deveria ser um comentário, mas a coisa em si, não uma reflexão, mas uma compreensão, não uma interpretação, mas uma coisa a ser interpretada".
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A sua pintura estava estruturada de acordo com uma dialética entre o poder e os perigos dos tradicionais ícones e mitos políticos da Revolução, na qual, certa vez ele também, com entusiasmo, tinha depositado fé.
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Mural de José Clemente Orozco:
A Idade de Ouro Pré-Colombiana
A Crise do Muralismo

O apogeu da primeira fase do muralismo é marcado pelo ciclo de afrescos pintados por Orozco no pátio principal da ENP e pelos murais de Rivera no andar térreo do Ministério da Educação. Entretanto, quando o mandato do general Obregón na presidência estava perto de terminar, surgiram novamente problemas políticos. Por parte dos alunos mais conservadores da ENP havia uma hostilidade contra os murais, e isso os levou a uma ação mais direta, em que os estragos regulares e acidentais, contra os quais os pintores sempre haviam lutado, se tornaram sérios. As obras que mais sofreram a ação desses alunos foram as de Orozco.
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Em 1924, com a renúncia de Vasconcelos ao cargo de ministro, os artistas perderam sua proteção e, a partir de então as encomendas foram suprimidas. Dessa forma se encerrava a primeira fase do muralismo, afastando do movimento a maior parte dos pintores. Diversos artistas foram para Guadalajara, como Siqueiros, que foi ajudar Armando de la Cueva num trabalho encomendado pelo governador Zuno. Guadalajara continuava patrocinando os muralistas e mais tarde seria o lugar onde as grandes obras de Orozco seriam reunidas.
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No entanto, Rivera, que estava na metade de seus trabalhos no Ministério da Educação, "conseguiu conquistar o novo ministro e, por uns tempos, praticamente, teve para si o campo da Cidade do México." (ADES: 1997, 165). Em 1927, ele terminou os murais do último andar do Ministério e logo depois viajou para Moscou. Depois dessa sua viagem, passaria a se utilizar de uma iconografia revolucionária russa: a estrela vermelha, a foice e o martelo e, aos poucos foi dando uma maior ênfase à unidade revolucionária – o trabalhador, o soldado e o camponês – e a clássica oposição entre ricos e pobres.
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"Talvez nada tenha de surpreendente o fato de que essas imagens do México, que combinam a crítica social com a fé no progresso, e ao mesmo tempo enaltecem o índio mexicano, houvessem contado com a simpatia dos governantes que iriam suceder-se. Poder-se-ia argumentar que esses murais, por encerrarem as promessas de Revolução, teriam inevitavelmente de ficar para sempre na consciência do povo, por mais lenta e difícil que fosse a ação para levá-las a cabo. Octavio Paz analisou a situação com brutal clareza: ‘Essas obras que se dizem revolucionárias e que, nos casos de Rivera e Siqueiros, expressam um simples marxismo maniqueísta, eram encomendadas, patrocinadas e pagas por um governo que jamais foi marxista e havia deixado de ser revolucionário (…) essa pintura ajudou a dar-lhe uma feição que gradativamente se foi tornando revolucionária’." (ADES: 1997, 165). Já a obra de Orozco é mais difícil de ser assimilada. Forçado a interromper os trabalhos na Escuela Nacional Preparatória em 1924, ele retornou aos trabalhos apenas em 1926, para pintar uma série de afrescos no andar térreo. Os dois primeiros andares reproduzem a sociedade sem direção e rachada por divergências, onde os pobres são incapazes de unir-se contra seu opressores.


Óleo sobre tela de Diego Rivera:
Dias das Flores (Los Angeles
County Museum of Arts)
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A ênfase posta numa arte de caráter histórico voltada para o povo sempre esteve presente – e isso nada tem de surpreendente – na obras dos muralistas. Por outro lado, todos eles deixaram pinturas de cavalete que, por diversas vezes, repetem os temas e assuntos tratados nos murais. Entretanto, a inconstância de patrocínio freqüentemente os levava a aceitar encomendas particulares para murais e retratos.
Portanto, pode-se perceber que o movimento muralista mexicano tinha como um dos seus principais objetivos transmitir as idéias nacionalistas às pessoas mais humildes. Dessa forma, inúmeros murais relatam a história do povo do México, mas não apenas sua história, como também: seus problemas sociais e sua vida cotidiana. Esta arte possibilitava (e ainda possibilita) também, um canal aberto para críticas, tanto políticas quanto sociais. Sendo assim, a arte dos muralistas, buscava uma maior aproximação com o povo, pois tinha neste seu principal alvo.
Bibliografia

ADES, Dawn. Arte na América Latina: A Era Moderna 1820-1980, São Paulo, Cosac & Naify Edições, 1997.
CAMÌN, Héctor Aguilar. MEYER, Lorenzo. À Sombra da Revolução Mexicana – História Mexicana Contemporânea 1910-1989, São Paulo, Edusp, 2000.
PRADO, Maria Ligia. A Formação das Nações Latino-Americanas, 17.ª edição, São Paulo, Atual Editora, 1999.
PRADO, Maria Ligia. América Latina no século XIX: Tramas, Telas e Textos, São Paulo, Edusp/ Edusc, 1999.
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http://www.klepsidra.net/klepsidra6/muralismo.html



Muralismo Mexicano
O muralismo mexicano, considerado o Renascimento da arte mexicana, foi um movimento artístico singular e de extrema importância para a arte mundial do século XX.
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O traço fundamental deste movimento é a intervenção social e política através da arte, levando-a ao povo e, através dela, transmitindo uma mensagem de optimismo e solidariedade em relação à sociedade e à humanidade. A temática central é o povo mexicano, a sua vida, a sua história e os seus valores, a melhor forma de fazer passar a mensagem ao povo de um modo simples e compreensível. Isto foi realizado através de uma técnica monumental, a pintura mural, que tornava a arte acessível às massas e que foi levada a cabo com grande talento pelos grandes pintores mexicanos OrozcoRivera e Siqueiros, entre outros.
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O muralismo mexicano está intimamente relacionado com a revolução mexicana de 1910 e os ideais comunistas que lhe estavam subjacentes, aliás foi José Vasconcelos, Ministro da Educação Pública do período pós-revolucionário, o principal impulsionador deste movimento, ao pôr à disposição dos pintores as paredes dos edifícios públicos do México.
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O muralismo mexicano foi um dos últimos movimentos estéticos em que se verificou a integração das três artes, a pintura, a escultura e a arquitectura. Este facto diz muito da sua importância e monumentalidade.
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Toda a mensagem transmitida pelas obras muralistas está impregnada de ideais comunistas, abordados de uma forma mais idealista e utópica, em Rivera, mais crítica e pessimista, em Orozco ou mais convicta e interventiva, em Siqueiros.
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Em termos formais a influência do realismo socialista no muralismo mexicano foi ultrapassada pela riqueza da experiência estética dos seus protagonistas, que com grande talento sintetizaram várias influências, dando origem a um movimento estético único.