Discurso de Lula da Silva (excerto)

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sábado, 4 de junho de 2011

BORDALLO, ESQUECIDO E SEM SEQUELA


BORDALLO, ESQUECIDO E SEM SEQUELA     Luís Guimarães
O HUMOR CORROSIVO E INTERVENTIVO COMO HOJE (QUASE) NÃO HÁ

10/05/05

Fez, no passado mês de Janeiro, 100 anos que morreu Rafael Bordallo Pinheiro, o humorista genial cujas revistas que criou são, ainda hoje, marcos da crítica social e política, onde, número a número, se fez o processo da sociedade portuguesa.
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Desde muito jovem (nasceu em 1846 em Lisboa, na Rua da Fé), Bordallo observou penetrantemente o mundo que o rodeava e retratou-o de acordo com uma irreprimível tendência para a crítica caricatural. E, à medida que essa tendência se apurou, fixando meios e técnicas de expressão, cresceram a mordacidade e o sarcasmo dos seus ataques, desferidos contra uma vida social pautada por valores decadentes e falseados e contra uma prática política onde a incompetência, e a corrupção eram moeda corrente.
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Seu pai, Manuel Maria, apesar de artista (foi pintor e escultor de mérito) não o encorajou; o jovem Bordallo apanhou alguns tabefes e viu-se obrigado a praticar como amanuense antes de mergulhar no mundo da caricatura. O caminho estava porém traçado: o seu nome ficaria indelevelmente ligado aos mais importantes "títulos" do património humorístico dessa época difícil e incómoda, recheada de ambiguidades, de sobressaltos e de incontíveis desejos de mudança. Por ordem sensivelmente cronológica, lembramos: a Berlinda, o Calcanhar de Aquiles, o Binóculo, a Lanterna Mágica, o Mosquito, Psitt!!, O Besouro" (estes três últimos no Brasil), o António Maria, o Álbum das Glórias, A Paródia e Pontos nos ii. Mas o seu prestígio passara já as fronteiras da nossa cultura; o famoso "Ilustrated London News" convida-o, em 1901, para seu colaborador artístico.
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A caricatura de Bordallo teve todas as 'nuances'. Foi simplesmente graciosa (ou até admirativa!) quando a circunstância o pedia; foi severa e cáustica para denunciar a falta de estrutura moral de uma camarilha político-partidária marcada pelo despudor e pela mediocridade, que ele não hesita em despir em público, evidenciando as suas fraquezas e misérias; foi ferozmente corrosiva e demolidora quando o seu perfil coincide já com o do fundibulário do regime que quer ajudar a derrubar.
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Os líderes e os partidos políticos de então tornam-se, assim, o principal alvo do seu lápis afiado; e, neste tablado, raras são as figuras que escapam imunes aos seus ataques. Não é aliás por acaso que, na capa do primeiro número de A Paródia, a Política apareça representada como "a grande porca", em cujas tetas se penduram sofregamente os políticos, procurando mamar o mais que podem.
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Mas esta faceta de emérito caricaturista não revela toda a riqueza criativa de Bordallo, embora a nossa primeira tendência seja identificá-lo com a força dos seus desenhos humorísticos e com a verdade das figuras-síntese a que deu vida: o frade, o polícia, a alcoviteira, o sacristão; e, acima de tudo, o Zé Povinho, imagem simbólica de um povo, que não existia na nossa iconografia e cuja qualidade é atestada pela saúde de que ainda hoje goza, 130 anos após o seu primeiro aparecimento nas páginas centrais de A Lanterna Mágica. O autor dessas criações imorredoiras foi também um bom ilustrador e um ceramista notável, com uma obra neste domínio que, por si só, daria direito a ser recordado.

José Vilhena
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"Nunca cursei academias. Tenho o curso da Rua do Ouvidor...Cinco anos. Canto de ouvido"

!O riso era a vocação de Raphael Bordalo Pinheiro. Com o traço irreverente e satírico constrói uma galeria de figurões políticos e financeiros "de todos os mil grotescos que por ahi fervilham como formigas num assucareiro", intervindo decisivamente na demolição das estruturas caducas duma monarquia decadente e na rápida ascensão e propagação dos ideais republicanos.
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Boémio incorrigível de olhos maliciosos a cintilar por entre o monóculo, o pai do famoso Zé Povinho teve uma vida curta mas atribulada.”

   AUTOR:Luís Guimarães 

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