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terça-feira, 4 de janeiro de 2011

"Há pouca dignificação das profissões ligadas à arte"

Jornal de Angola Online

Francisco Pedro | - 02 de Janeiro, 2011
Festival Internacional de Jazz de Luanda foi um dos espectáculos de referência que ajudou a aproximar mais este género do público
Fotografia: Paulino Damião
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O promotor cultural Jerónimo Belo, que desde 1984 organiza concertos e exposições sobre jazz, disse que em 2011 trará novas surpresas aos amantes deste género musical, à semelhança da cantora portuguesa Maria Anadon e da norte-americana Nnenna Freelon, que estiveram este ano no país. Em entrevista ao Jornal de Angola, disse que o facto de ter sido guitarrista das bandas “Black Stars”, “Incógnitos” e “Jazzers” condicionou bastante as opções que acabou por fazer em termos de divulgação e produção na área do jazz, que  é  “a música da minha vida”, declarou.


Jornal de Angola - Quais são as motivações que o levam, há mais de 20 anos, a promover eventos sobre jazz?

Jerónimo Belo -
  Tenho defendido há muitos anos com os meios de que disponho a beleza do jazz e a sua importância, referindo sempre que se trata de uma antologia infindável de poemas sonoros que é urgente conhecer, estudar, divulgar e partilhar. Porquê? Acho que o jazz é o encontro de duas culturas, nomeadamente a europeia dominante e a africana escravizada. E a simultaneidade do seu envolvimento sociológico e a especificidade da sua construção musical fazem desta música “afro-americana” o fenómeno musical em que melhor transparecem os tumultos sociais do século XX. E também porque o jazz tem vindo, inequivocamente, a progredir no sentido da obra aberta, através de uma vanguarda que se quer divulgada noutros mass media e que se une ao projecto de todas as artes.

 JA - Nos anos 60 e 70 integrou várias bandas de rock, na capital do país. Isso foi relevante para a sua decisão na promoção do jazz em Angola?

 JB - Toquei em várias bandas “pop-rock” nessa altura. Passei pela “Black Stars”, “Incógnitos” e “Jazzers”. Foi uma experiência musical e humana muito enriquecedora e estimulante. Hoje, analisando serenamente essas iniciativas e o meu percurso pessoal, não tenho dúvidas que o facto de ter tocado (com carácter amador) condicionou bastante as opções que acabei por fazer em termos de divulgação e produção na área do jazz, que é a música da minha vida. Sei o que significa ser músico.

 JA - Que recordação guarda do primeiro concerto que organizou?

 JB - O primeiro concerto de jazz que organizei foi em 1984, no Cine Nacional, onde se encontra a dinâmica Associação Chá de Caxinde. Foi um concerto electro-acústico que perturbou o público... Valeu! 
Nessa altura, o grupo era constituído por jovens músicos portugueses que gostavam de jazz e eram executantes com bom nível técnico. Lembro-me do Carlos Augusto (guitarra eléctrica), José Salgueiro e André Sousa Machado (bateria), Carlos Azevedo (piano) e Rui Júnior (percussão). Alguns anos depois tive de partir para Londres por razões pessoais. Quando regressei, em 1989, comecei a pensar que poderia recomeçar a realização de concertos, já que, apesar da distância, tinha sido capaz de manter, com o apoio generoso de alguns amigos, nomeadamente do José Manuel Nunes, o programa “Clube de Jazz”, que semanalmente apresentava na TPA. Em 1991 regressei aos concertos até hoje.

JA - Como avalia a recepção do público apreciador desde os primeiros anos até agora?
JB - A avaliação é globalmente positiva e encorajadora, mas ainda existe muita gente que não distingue um saxofone soprano de um clarinete… e alguns notáveis que encontram “afro-jazz” em tudo o que emite sons…

 JA - Em Angola não existem grupos que se dediquem ao jazz. Na sua opinião o que está por detrás dessa realidade?

JB - O jazz, é preciso sublinhar, é uma música essencialmente instrumental, de audição difícil e que, devido ás suas origens, sofre de um injusto racismo estético. Hoje existem dois casos curiosos: o Japão é o maior mercado de jazz em todos os aspectos e a África é o oposto: a música é cada vez menos escutada e praticada no continente. A África do Sul é a única e honrosa excepção. O jazz é órfão da “Mãe África”. Foram os escravos africanos transplantados para o “Novo Mundo” que o inventaram. Entre nós há pouca dignificação das profissões ligadas à arte e à criação e a enorme lacuna formativa existente não ajuda a fortalecer o significado e a importância da música em geral e do jazz, em particular, na saúde cultural da comunidade.

 JA - Se existirem cantores que optem pelo jazz, acredita que poderão encontrar mercado no país, tirando proveitos financeiros?

JB - Tenho sérias dúvidas. Já fui mais optimista, mas hoje estou algo desgostoso. Quem não se entregar à promiscuidade das músicas mais comerciais e descartáveis não terá muitas oportunidades para mostrar a sua música e arte. O caso do compositor e cantor Filipe Mukenga é um exemplo concreto, cada vez mais injustamente esquecido, à sombra. O compositor e cantor António Pascoal Fortunato (Tonito) é outro exemplo.

 JA - Dodó Miranda e Affrikanitha são os únicos que, actualmente, demonstram vocação e interesse  pelo jazz em Angola?
JB - Não sei exactamente se serão os únicos, mas são - seguramente - os mais capazes, com mais potencial, mais empenhados e apaixonados por esta música. Repare que não vivem permanentemente agarrados ao corrimão da melodia; são capazes de recriar e deslizar sobre o verso, saltar nos tempos. Atente na determinação com que enfrentam os desafios, a segurança no swing e a naturalidade do “scat voicing”. Tudo isto faz de ambos casos muito sérios. A Affrikanitha é a constante naturalidade da respiração vocal e o Dodó foi educado musicalmente na Igreja, onde a música sacra se profaniza e as canções profanas se sacralizam. Nessa terra sem fronteiras reside a força da sua voz que tem tudo para vencer. Antes deles existiram obviamente outras vozes e instrumentistas sintonizados com o jazz. Eduardo Nascimento e Vum-Vum, no campo vocal e os instrumentistas Manuel Marto, José (Zan) Andrade, Manuel Gomes dos Santos, Eduardo Adolfo (Duia), Carlos Sanches, José Pino, Mário Bento Catela do Vale, Constantino Reis (Titino), Elmer Pessoa. Lito Saraiva, John Saraiva, Serrote e Marinho e mais uns quantos brilhantes instrumentistas e cantores angolanos poderiam perfeitamente ter tocado/cantado jazz, pois estavam técnica e emocionalmente habilitados para tal, mas viviam numa colónia fechada, numa ditadura provinciana, mesquinha e cega, que foi sobrevivendo avessa ao mundo, com os olhos vendados.

 JA - Se tivesse que formar um quarteto que artistas sugeria?
JB - Talvez consigamos formar dois quartetos, mas não uma big band! João Oliveira, Rui Bento César e Mário Garnacho (piano e teclados); Simmons Massini, Tony Pederneira Sá e António Adolfo Pirica Duia (guitarra); Wando Moreira (baixo); Hélio Cruz (bateria); Dalu Roger e o eterno Joãozinho Morgado (percussão) e Afrikkanitha (voz). Estes são, quanto a mim, os músicos angolanos mais sintonizados com o jazz neste momento.

 JA - Ao longo desses anos que se dedica ao jazz, quais foram os melhores momentos (eventos)? Porquê?
JB - Todos os momentos foram muito importantes para mim, mas devo reconhecer que existirão alguns mais conseguidos do que outros. Momentos de enorme beleza e exaltação foram os concertos do genial saxofonista Joshua Redman, em 2009, que viajou directamente de San Francisco para tocar em Angola e fora do círculo dos amigos do jazz passou quase despercebido dos escribas locais. Com ele tocaram Gregory Hutchinson, um dos melhores bateristas da actualidade e o genial Ruben Rogers, em contrabaixo e Aaron Goldberg, piano. Nem uma linha foi escrita sobre isto… E como detesto “conflitos de interesse” não fui “juiz em causa própria”. A presença recente da cantora Nnenna Freelon deixou-me muitas recordações felizes, mas em conclusão: tudo o que tenho feito sai-me da alma, daí que tudo me tenha agradado, mesmo reconhecendo as lacunas e as insuficiências, que sempre acontecem. Tenho muito orgulho nos músicos e cantoras que convidei. Não vendi “gato por lebre” nem chamei “Concertos de Jazz” a Concertos de Música. 

 JA - E quais são as situações  que prefere esquecer?
JB - O ostracismo de uns quantos verdadeiramente apostados na invisibilidade do nosso esforçado trabalho. A forma como entre nós se fazem as coisas: desdizer mais do que dizer. Vinte anos volvidos, que fica do “Jazz no Calor da Noite”, das exposições, dos ciclos de jazz e cinema, da apresentação de livros sobre jazz, das audições comentadas, enfim… de toda esta vontade de dar jazz a conhecer? Acima de tudo, uma vontade e uma necessidade imensa de multiplicar-lhes a vida. Depois, a consciência de que tudo valeu a pena, mesmo o que não valeu a pena (a detracção, a mesquinhez das pequenas baronias e ódios domésticos), porque o jazz é a flor que, apesar de tudo, desabrocha no pantanal. Já fomos menos, mas já somos outra vez mais. O enorme carinho do público e a presença nos concertos e actividades dos verdadeiros amantes desta “nossa” música é a nossa melhor recordação e o estímulo para fazer caminho e continuar a marcha.   

 JA - Como consegue organizar os concertos e as exposições para que corram com êxito?

 JB -
Com muito amor e empenhamento e respeito pelo público. Recentemente, na perspectiva de dar um maior incremento às iniciativas culturais que realizo e estruturar da melhor forma o nosso trabalho criei, com base na legislação angolana em vigor, a empresa J.J.Jazz, Lda, que se ocupa integralmente da produção de concertos e eventos culturais. Esta diligência visa igualmente observar e cumprir os requisitos do Ministério da Cultura e do Governo de Luanda no que toca à realização de espectáculos públicos, por um lado e por outro, tornar a empresa elegível à captação de patrocínios, face às exigências que vigoram em muitas empresas (especialmente americanas) para que os apoios à cultura não caiam em mão indevidas e/ou  possam eventualmente auxiliar o crime organizado, a corrupção e o terrorismo internacional, mesmo tratando-se de verbas tão insignificantes como no caso vertente... Jazz oblige! Em conclusão: a poética do voluntariado jazzista sucumbiu face ao capitalismo selvagem do século XXI.

JA - Como se justifica a realização de duas exposições, este ano, sobre a mulher e o jazz?

 JB -
A Mulher, as mulheres, certas mulheres e uma mulher... merecem todos os tributos possíveis. Acha mal? Este ano realizámos mais actividades do que é habitual. E isto foi apenas possível graças ao empenhamento de uma equipa que continua muito motivada. A exposição de pintura é um tributo à mulher angolana e a exposição fotográfica é igualmente um tributo à presença feminina no jazz, com imagens de cantoras e instrumentistas.  A exposição de pintura intitulada “Sentimentos Coloridos”, que realizámos em Março na Associação 25 de Abril, serviu para homenagear a mulher angolana, além dos concertos, em Luanda e no Lubango com a cantora Affrikhanita, uma palestra sobre a história do jazz e uma audição comentada na Universidade Mandume, no Lubango. Também realizámos um concerto com a cantora portuguesa Maria Anadon, acompanhada pelo seu Quarteto Latino de Jazz. Todas estas actividades aconteceram no âmbito de “Jazz Mulher”.

 JA - A exposição de fotografia “Ellas e o Jazz” consta entre os seus maiores sonhos?

JB - Era algo que ambicionava imenso, profundamente. As 53 fotografias fizeram uma longa viagem entre Lisboa/Londres/Luanda. Era um belo sonho que se transformou em realidade, mas já existem outros sonhos, cada vez mais ambiciosos.

JA - Geralmente convida artistas norte-americanos e portugueses. Tem sido difícil diversificar a oferta?

JB - Conheço melhor o mercado dos Estados Unidos e o de Portugal. As tentativas de abordagem feitas na África do Sul, com o trompetista Hugh Massakela e com o pianista Dollar Brand, aliás Abdullah Ibrahim, não correram bem, não foram felizes. Em 2008 trouxe a cantora brasileira Leny Andrade para homenagear os 50 anos da Bossa Nova. E, felizmente, correu tudo muito bem. Já fiz outras tentativas e para além dos “cachets” exorbitantes, a maior parte dos agentes dos artistas exige viaturas blindadas, excesso de bagagem, o que dificulta a contratação de outros artistas.

 JA - Qual é a maior satisfação ao organizar eventos sobre jazz?
JB - É ter quase a certeza de que as pessoas saem dos concertos e das exposições mais ricas do que quando entraram. É um grande enriquecimento, uma chave para entrar num mundo que lhes é novo. Permitir isto a centenas e centenas de pessoas é um enormíssimo privilégio.

JA - Que oferta perspectiva para este ano?

JB
- O jazz é o som da surpresa. Deixe-se tocar pelo jazz. 
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http://jornaldeangola.sapo.ao/17/0/ha_pouca_dignificacao_das_profissoes_ligadas_a_arte
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