Discurso de Lula da Silva (excerto)

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domingo, 29 de agosto de 2010

República - Quando as feministas influenciaram o poder

  
Maria Veleda (à esq.), Adelaide Cabete (à dta., em cima) e Ana de Castro Osório com Carolina Beatriz Ângelo (em baixo à dta.) foram as quatro principais feministas durante a Primeira República Postal da Liga Nacional da Instrução, Centro de Documentação Anselmo Branncamp Freire/ Arquivo Fotográfico - Câmara Municipal de Loures 
República

A procura da igualdade entre homens e mulheres não é uma luta nova em Portugal. A agenda política para conseguir um igual de direitos tem mais de um século e é anterior ao 5 de Outubro. Por São José Almeida


"Reclamaria todas as medidas que considero necessárias para modificar a situação deprimente em que se encontra a mulher, (...) [entre elas] conseguir a igualdade de salários, quando a mulher produza tanto como o homem." Esta frase, ainda hoje actual, foi pronunciada em resposta à pergunta do jornalista de O Tempo, numa entrevista publicada a 3 de Maio de 1911, feita a Carolina Beatriz Ângelo, uma das principais feministas da primeira vaga em Portugal e a primeira mulher a votar na Península Ibérica.

Carolina Beatriz Ângelo (1878-1911), que desafiou o poder político patriarcal, ao depositar o seu voto numa urna, na Assembleia Eleitoral de Arroios, a 28 de Maio de 1911, e ao eleger assim a Assembleia Nacional Constituinte, foi uma das principais feministas portuguesas e senhora de um dos pensamentos mais originais e avançados para a época.

Além de ser a única a votar, foi também a única a defender o serviço militar obrigatório para as mulheres, sustentando que estas desempenhassem funções administrativas, enfermagem, em serviço de ambulâncias, nas cozinhas, etc.

Mas a modernidade de Carolina Ângelo, ginecologista e primeira médica cirurgiã portuguesa, foi acompanhada em muito pelo que foi a agenda reivindicativa da primeira vaga de feminismo que se desenvolveu junto do pensamento republicano. E que teve mais três grandes referências centrais: a médica ginecologista Adelaide Cabete (1867-1935), a escritora Ana Castro Osório (1872-1935) e a professora Maria Carolina Frederico Crispim (1871-1955), que ficou para a história como Maria Veleda, a feminista "vermelha" que se sentia próxima do operariado, fazendo palestras para as mulheres operárias, e que foi a primeira mulher a ser condenada por crime de abuso de liberdade de imprensa, no artigo que escreveu sobre a morte do Rei.

Mulheres diversas entre si, quer na origem social, quer no pensamento político, elas marcam a reivindicação e a conquista de direitos para a mulher e para a criança no início do século XX. E souberam, a seu modo, trabalhar sob uma agenda comum, mesmo quando sobre ela discordavam entre si. "Elas são uma elite intelectual, embora a Maria Veleda e a Adelaide Cabete não tenham estatuto social elevado como Carolina Beatriz Ângelo e sobretudo Ana de Castro Osório", precisa a historiadora Alice Samara ao P2.

"A República no poder desiludiu as mulheres e não lhes deu voto. Deu direitos civis, deu o divórcio e as leis da família e criou um ambiente propício ao debate geral. Há, com a República, um novo espaço aberto às mulheres, um espaço público. Não foram poder, mas eram ouvidas. Por exemplo, Afonso Costa ouviu Ana de Castro Osório na Lei do Divórcio", afirma Alice Samara. E conclui: "Estas mulheres têm direito a entrar na cidade política. O Estado Novo vai dar mais visibilidade política, dá voto censitário e eleição, mas fecha o espaço público e piora o ambiente geral para as mulheres."

Esta "história de amor", como lhe chama Alice Samara, que se estabelece entre as feministas republicanas e o poder republicano, começa antes da República. Em bom rigor a primeira vaga de feminismo em Portugal nem sequer é exclusivamente republicana. Este primeiro feminismo manifestou-se na expressão do que o historiador João Gomes Esteves, em declarações ao P2, classifica de feminismo pacifista, que fazia "a defesa da paz mundial, redução dos exércitos, prevalência do direito internacional e solução dos conflitos pela arbitragem".

A acção da Liga
Assim, em 18 de Maio de 1906, assinalando o aniversário das convenções de Haia, é criada a Secção Feminista da Liga Portuguesa da Paz em sessão realizada na Sociedade de Geografia, em Lisboa. A sessão consistiu na Conferência sobre o Problema feminista, proferida por Olga de Morais Sarmento, feminista monárquica, que dirigiu esta associação ao lado de figuras como Emília Patacho, Domitília de Carvalho e Virgínia Quaresma.

Em Dezembro desse ano, nasce uma segunda associação feminista que ainda junta monárquicas e republicanas. É o núcleo português da francesa La Paix e le Désarmement par les Femmes, presidido por Madeleine Frondoni Lacombe - enviada de França para esta missão. Reúne figuras como Magalhães de Lima, Alice Pestana, Carolina Michaelis de Vasconcelos, Jeanne Paula Nogueira e Olga Morais Sarmento. E também Carolina Ângelo e Adelaide Cabete, que deixarão a organização em 1909.

Em 1907 é fundado o Grupo Português de Estudos Feministas, por Ana de Castro Osório, para doutrinar as mulheres. É ainda uma organização pacifista, mas já maçónica e republicana. No ano seguinte, o Grupo de Estudos dissipa-se e integra a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas (LRMP) fundada em 1909 e que dura até 1919. A Liga é apadrinhada por figuras maiores do Partido Republicano e do Grande Oriente Lusitano Unido (GOLU): António José de Almeida, Bernardino Machado e Magalhães Lima, que será grão-mestre entre 1907 e 1928.

Claramente republicana, a Liga faz campanha pela Lei do Divórcio, pela revisão do Código Civil e Direito da Família e direitos sociais. Fundada pelas quatro grandes feministas (Carolina Ângelo, Adelaide Cabete, Castro Osório e Maria Veleda), foi a maior e mais influente organização feminista.

A sua abrangência manteve no seu seio tensões entre mulheres com concepções opostas sobre a questão religiosa e sobre o sufragismo. Essa tensão foi personalizada por Ana de Castro Osório, mais moderada, não revolucionária, sufragista, partidária do voto só para as mulheres da elite e seguidora da tolerância religiosa, e Maria Veleda, que defendia a revolução antes do 5 de Outubro, o voto igualitário e que era anticlerical.

É a ruptura entre estas duas dirigentes em torno da questão religiosa que leva a que Maria Veleda ganhe protagonismo na Liga - que dirige entre 1909 e 1915, ano em que funda a Associação Feminina de Propaganda Democrática, em apoio a Afonso Costa, quando o movimento feminista começa a tornar-se apartidário. Mas já em 1911, ainda dentro da Liga, Maria Veleda constituíra o anticlerical Grupo das Treze.

O sufragismo português
Nesse ano, dera-se a ruptura e a corrente menos esquerdista e socializante saíra da Liga. Ana de Castro Osório funda, então, com Carolina Ângelo, a Associação de Propaganda Feminista (APF), organização sufragista que durará até 1918 e que se filiou na International Women Suffrage Alliance. Ana de Castro Osório irá dirigir a APF até ir para o Brasil, meses depois da fundação - acompanhando o marido nomeado cônsul -, de onde só voltará após a morte deste, em 1914.

Será com Carolina Ângelo na liderança que a APF irá protagonizar a luta sufragista em torno do voto da sua líder. Uma luta que é também apoiada pela Liga, numa fase em que Maria Veleda se vê obrigada a guardar para si a defesa do voto universal. O voto para todos só voltará a ser defendido nos anos 20, pelo Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas e pelo núcleo de mulheres socialistas, sendo proposto no Parlamento por Ramada Curto.

A luta pelo voto censitário surge logo na tese sobre Feminismo apresentada por Ana de Castro Osório e Maria Veleda ao Congresso Nacional do Livre Pensamento, em 1908. Mas com a implantação da República, o voto das mulheres não é considerado prioritário pelos republicanos. Esta será a grande desilusão das feministas perante o poder republicano, afirmam os historiadores Alice Samara e João Gomes Esteves.

O direito de voto nunca foi dado às mulheres durante a Primeira República, apesar da história de sucesso de Carolina Ângelo - que a jurista Teresa Beleza classifica, no texto que inclui no catálogo da exposição Carolina Beatriz Ângelo, Intersecções dos sentidos/palavras, actos e imagens, do Museu da Guarda, como algo que "ultrapassou largamente, nos planos ideológico e político, as discussões e reivindicações sobre a educação e a participação das mulheres (e dos homens)".

Não obstante, estas mulheres nunca desistiram e pressionaram o poder ao longo dos anos (1910, 1911, 1912, 1915 e 1918). O gesto pioneiro de Carolina Ângelo terá apenas como consequência a clarificação na lei eleitoral, aprovada 3 de Julho de 1913, pela Câmara dos Deputados, de que só homens podem votar. Os deputados ignoram assim a recomendação aprovada em 1912 pelo Senado para que fosse reconhecido às mulheres o voto censitário. Esta questão mantém-se até ao fim no ideário feminista e quando o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas organiza os dois congressos Feminista e de Educação, em 1924 e em 1928, o assunto ainda está entre as reivindicações. Em 1924, Aurora Teixeira de Castro e Gouveia fala do voto na tese Reivindicações políticas da mulher portuguesa. E em 1928 Maria O"Neill apresentou a tese O voto das mulheres.

Agir na sociedade

De resto, a grande maioria das reivindicações feministas foram reconhecidas pelo poder republicano logo após a revolução. A Lei do Divórcio, revisão do Código Civil, nas questões da família e da paternidade, foi concedida, se bem que fosse mantida a administração dos bens pelo marido.

A actividade das associações feministas foi grande. Além de terem jornais próprios, as suas principais dirigentes mantiveram sempre uma importante e assídua presença na restante imprensa.

É, aliás, nos jornais que é feita a doutrinação das suas causas e se travam as grandes polémicas. E é aí também que as feministas travam as suas batalhas doutrinárias em prol da defesa da família e da educação, no fundo as duas causas que uniam todas as feministas. É no âmbito do ideal positivista de construção do "homem novo" que surgem as campanhas de moralização e de combate à prostituição e ao alcoolismo, sobretudo o infantil. E é também na defesa da mulher e da criança no seio da família que surgem as grandes obras sociais das feministas como as Escolas Maternais (1907), a Obra Maternal (1909-16), presidida por Maria Veleda, a Caixa de Auxílio a Estudantes Pobres do Sexo Feminino (1912), os Recreatórios Post-Escolares (1912) e as Ligas de Bondade (1917), presididas por Adelaide Cabete.

Outra forma de intervenção das feministas, sobretudo das que apoiaram a intervenção de Portugal na Guerra de 1914-18, foi através de organizações para auxílio e apoio do Exército, como a Comissão Feminina pela Pátria (1914), dirigida por Ana de Castro Osório, e a Cruzada das Mulheres Portuguesas (1916), presidida por Adelaide Cabete.

Adelaide Cabete foi a dirigente feminista que mais anos esteve activa e que funda e preside à segunda grande organização feminista criada durante a República: o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas (1914-1947). É já uma organização feminista internacionalista e apolítica, que tem forte influência da Maçonaria, primeiro do GOLU depois da organização maçónica mista Direito Humano, liderada também por Cabete. E integra, como secção portuguesa, o Internacional Council of Women. É o Conselho Nacional que organiza os dois congressos em 1924 e em 1928. Depois, Adelaide Cabete retira-se e vai para Angola, onde será, em Luanda, a única mulher a votar no referendo à Constituição de 1933.

Jornalista

AmanhãJoão Chagas, o jornalista panfletário Por Conceição Meireles

Esta série tem o apoio da Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República
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O papel central da Maçonaria


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Decisivo na influência que as teses feministas adquirem junto do poder é a ligação das principais feministas com a Maçonaria, que ocorre ainda antes da implantação da República. Esta é a primeira geração política maçónica integrada por mulheres e homens, salienta a historiadora Maria Helena Carvalho dos Santos no seu texto que integra o Catálogo da Exposição Carolina Beatriz Ângelo, Intersecções dos sentidos/palavras, actos e imagens, do Museu da Guarda.

Em 1907, Adelaide Cabete (que adoptou o nome de Louise Michel), Ana de Castro Osório (Leonor da Fonseca Pimentel), Carolina Beatriz Ângelo (Lígia) e Maria Veleda (Angústias) aderem à Loja Humanidade, do Grande Oriente Lusitano Unido (GOLU), criada em 1904 e que a 8 de Abril de 1908 passa, assim como todas as lojas femininas, do estatuto de adopção por uma loja de homens ao estatuto de independentes, no seio do GOLU, explica, no memo catálogo, o especialista em Maçonaria António Lopes.

As quatro principais feministas portuguesas da primeira vaga integram, assim, a Loja Humanidade e todo o seu percurso será feito sempre em ligação com o GOLU, ainda que em polémica sobre o direito à autonomia das mulheres maçónicas.

O fim das lojas femininas no GOLU, em 1923, leva a Loja Humanidade a aderir a uma outra organização maçónica mista, o Supremo Conselho Universal Misto - Direito Humano, presidida por Adelaide Cabete, até 1926, e com ligações estreitíssimas ao Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas. As maçonarias passam à clandestinidade em 1935, com a Lei das Seitas.

Segundo João Gomes Esteves, que aponta como referência os estudos recentes de Isabel Lousada, "a importância histórica desta proximidade é evidenciada na missão secreta atribuída a Adelaide Cabete e a Beatriz Ângelo pelo vice-grão-mestre da Maçonaria, José de Castro, para a confecção "no prazo máximo de 48 horas" de 20 bandeiras "verde-rubras" a serem desfraldadas aquando da revolução".
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