Discurso de Lula da Silva (excerto)

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terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Reflexões sobre o mecanismo de exploração - A ofensiva de classe em curso e a luta dos trabalhadores

REFLEXÕES SOBRE O MECANISMO DE EXPLORAÇÃO - Pedro Carvalho - CeCAC
Artigo de Pedro Carvalho sobre a intensificação da exploração da força de trabalho em Portugal que, partindo de um ponto de vista marxista, aponta questões gerais sobre o mecanismo de exploração capitalista.
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Demonstra que o modo de produção capitalista tem como fundamento a exploração da força de trabalho, a produção de mais-valia, e a tendência à intensificação da exploração. É a férrea lei do valor, a valorização do capital, a sua reprodução ampliada. E, na perspectiva do capitalismo, a principal característica das ‘saídas da crise’ é o aprofundamento da intensificação da exploração, o aumento da taxa de mais-valia, do grau de exploração.
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Demonstra, também, que a forma como a crise do capitalismo, do sistema imperialista, se apresenta em cada conjuntura é também expressão da luta de classes que permeia todo o processo de produção capitalista, da correlação de forças entre proletariado e burguesia, entre explorados/oprimidos e exploradores/opressores.
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Somente a luta de classes, a resistência e força do proletariado e demais classes oprimidas, impõe limites à exploração capitalista, enfrenta a força e ofensiva da burguesia.
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Reflexões sobre o mecanismo de exploração - A ofensiva de classe em curso e a luta dos trabalhadores
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Pedro Carvalho[*]
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A discussão no final de 2009 em torno do aumento do salário mínimo nacional e agora em torno do congelamento dos salários da função pública é demonstrativa da pressão ideológica que irá ser exercida sobre os trabalhadores, para que estes mais uma vez suportem os custos do atual episódio de crise econômica, com a contenção salarial e novas exigências no domínio do aumento do tempo de trabalho e de redução dos direitos laborais.
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Numa tentativa de aumentar ou de pelo menos manter as taxas de lucro, a resposta do patronato será semelhante à de outros episódios de crise que têm varrido o sistema capitalista mundial, desde o retorno visível da crise no início dos anos 70. Resposta em uníssono, traduzida numa ofensiva de classe mundial, suportada ideologicamente pelas principais organizações internacionais do capitalismo (FMI, BM, OMC e OCDE), utilizando como armas estratégicas um desemprego crescente e sistêmico, uma ameaça permanente de deslocalização (ancorada na libertina circulação de capitais) e uma precariedade galopante, transversal a todo o mundo do trabalho.
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Armas estratégicas que visam incutir o medo e o receio nos trabalhadores e que muitos comentadores encartados utilizam, por via da comunicação social, para formar as teses dominantes que tornam o emprego num privilégio e transformam o direito ao trabalho, num mero direito à sua procura a todo custo por parte do trabalhador. Responsabilizando-o pela sua empregabilidade e pela sua inaptidão na venda da força de trabalho. Esta é a tese reinante, na atual crise o importante é manter o emprego, mesmo qualquer emprego e para isso é necessário mais e novas cedências dos trabalhadores ao nível salarial, do horário de trabalho e das condições de trabalho. O que é necessário é sermos competitivos e mais produtivos! E claro, «vá de retro» os sindicatos e a organização dos trabalhadores, em prol de uma crescente individualização e igualização da relação contratual entre trabalhador e patrão.
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Mas o patrão, o capital, seja ele proprietário, gestor ou ambos, só se preocupa com uma única coisa - a obtenção de lucro, a maximização do seu lucro individual. Claro, que em concorrência com outros patrões por mais quotas de mercado e, por isso, mais lucros. Não por qualquer defeito moral, de ser mau ou bom, mas porque é essa a natureza das coisas, do sistema. Porque é esse o seu papel nas relações sociais de produção capitalistas, uma relação de exploração, uma relação de apropriação privada das condições de produção, ou seja, uma relação de apropriação do valor produzido pelos trabalhadores. Uma relação desigual, em que o trabalhador individualmente é sempre a parte mais fraca, pois carece de trabalhar para (sobre)viver, tendo sido expropriado dos meios para produzir, ele mesmo, os bens para sua subsistência.
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Na lógica da maximização dos lucros, o patrão quer vender mais com menores custos, aumentar a produção e reduzir os custos unitários de produção, ou seja, é seu objetivo, aumentar a produtividade do trabalho por todos os meios possíveis e reduzir o preço (o salário!) da mão-de-obra por todos os meios possíveis (as vezes até ilegais).
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Esta relação só pode ser conflitual. Pois não existe compromisso entre explorador e explorado. Os patamares atingidos pelos trabalhadores decorrem sempre da luta, do seu grau de organização coletiva e da correlação de forças, entre capital e trabalho, num determinado momento.
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Todos os direitos dos trabalhadores e dos povos, nunca foram dados, foram sempre conquistados. São um imenso patrimônio de (e da) luta. A história assim o demonstra. O retorno visível da crise nos anos 70 mostrou também o verdadeiro rosto do capital, para alguns mais desatentos.
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A história também demonstra que uma cedência em direitos arduamente conquistados, sedimenta outra cedência, confirmando rapidamente retrocessos. Esta tem sido a história desde os anos 70, sobretudo nos últimos vinte anos marcados pela cartilha neoliberal do Consenso de Washington.
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A abdicação da luta ou a cedência dos trabalhadores nos seus direitos, em nome de uma hipotética condição para manter o emprego, é uma ilusão. A história assim o demonstra. Apesar de todas as cedências, as múltiplas flexibilidades tão bem expressas na dita «flexigurança», com a desvalorização dos salários, o aumento do tempo e do ritmo do trabalho, a crescente precariedade dos vínculos laborais (que de facto torna os trabalhadores descartáveis), para já não falar do ataque às funções sociais do Estado, com a desvalorização da compensação salarial que os sistemas nacionais de pensões corporizam, a crescente desproteção na situação de desemprego e o aumento da idade (efetiva) de reforma, a verdade, é que o número de desempregados tem vindo a crescer de forma sistemática e sistêmica.
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Por isso, mesmo tendo em conta as dificuldades conhecidas e o grau da ofensiva de classe em curso, estas não podem deixar de ter como resposta a luta dos trabalhadores, a reivindicação por melhores salários (e pensões) e pela redução do horário de trabalho. Este não é só um imperativo no combate às desigualdades na repartição e na redistribuição do rendimento, no combate à pobreza e na garantia de melhores condições de vida dos trabalhadores, é também a melhor forma de defender o direito ao trabalho, digno e com direitos.
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É uma condição essencial para o desenvolvimento econômico e social, por via do aumento do poder de compra das massas e da satisfação das suas necessidades, fomentando a procura interna e consequentemente a atividade econômica, gerando novos empregos e contribuindo de forma efetiva para a sustentação da segurança social. Mas também é uma condição para afirmação e fruição de direitos políticos, sociais e culturais.
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Valorizar o trabalho, para criar as condições objetivas para a transformação da sociedade, colocando como objetivo das relações sociais de produção, da atividade econômica, não o lucro, mas a satisfação das necessidades humanas.
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COMPREENDER A EXPLORAÇÃO - O TRABALHO NÃO PAGO E A APROPRIAÇÃO PRIVADA DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO
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A relação contratual de trabalho, entre o trabalhador e patrão, acaba por camuflar a relação de exploração subjacente e a origem do lucro do patrão. Foi Karl Marx que pela primeira vez deu uma explicação coerente para a origem do lucro (já lá vão dois séculos!).
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Só o trabalho cria valor, cria coisas úteis. O contrato de trabalho estabelece o número de horas que o patrão têm à sua disposição o trabalhador em troca de um salário (de subsistência), que permite ao trabalhador (sobre)viver, comprar as coisas úteis necessárias para que no outro dia continue a trabalhar. Mas o que patrão está a comprar de fato é toda a capacidade de trabalho física e cognitiva do trabalhador, a sua força de trabalho que como qualquer outra mercadoria, irá consumi-la o mais que puder no tempo em que o trabalhador está à sua disposição no processo produtivo. O valor produzido pelo trabalhador é superior ao do seu salário de subsistência, ao que seria necessário para comprar as coisas úteis para continuar a trabalhar no outro dia. Este valor excedente produzido pelo trabalhador corresponde assim a trabalho que efetivamente não foi pago. Este valor excedente, esta mais-valia, é assim apropriado pelo patrão que controla os meios de produção e irá ser realizado no momento da venda das mercadorias.
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Esta é a verdadeira origem do lucro, a apropriação privada das condições de produção, ou seja, do valor criado pelo trabalho. Como diz outra máxima popular, «ninguém enriquece a trabalhar». Esta é a relação de exploração, a extração deste valor excedente do trabalhador que alimenta o lucro patronal e, como o objetivo do processo produtivo é acumular lucros, o patrão irá maximizar os seus lucros quando mais conseguir aumentar o trabalho não-pago do trabalhador. Como? Aumentado a jornada de trabalho diária, reduzindo o salário de forma direta ou por via da desvalorização dos salários em outros setores com relação direta na formação do salário de subsistência e aumentando a produtividade/intensidade do trabalho hora.
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Como sempre, vender mais com o menor custo. Mais produtos por hora trabalhada a menor custo. Para maximizar os lucros a questão central é da redução dos custos unitários do trabalho.
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Olhando para as estatísticas poderá ser dito que os salários nominais tem crescido cumulativamente, não só em Portugal mas a nível mundial. Apesar da tendência para o seu ritmo de crescimento ter vindo a desacelerar de década para década. Mas a questão central para a maximização dos lucros passa por garantir que o crescimento dos salários seja inferior ao crescimento da produtividade do trabalho. Sempre que assim é, existem transferências dos ganhos de produtividade do trabalho para o patronato.
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A redução dos custos unitários do trabalho, logo de produção, por parte de um patrão, cria uma vantagem competitiva na concorrência com outros patrões, pois pode vender ao mesmo preço com maiores lucros, ou mais barato, «mantendo» os lucros. A concorrência é assim o motor do sistema, que incontornavelmente pressiona no sentido da redução dos custos unitários de trabalho. Os patrões que consigam ser mais competitivos, que consigam aumentar a sua quota de mercado, estão assim a transferir para si os lucros de outros patrões, ou melhor, do valor excedente (mais-valias) extraídos das forças de trabalho que comandam.
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É de sublinhar também neste contexto, que na mesma medida em que os salários se têm vindo a desvalorizar, o crédito tem crescido junto das massas trabalhadoras. Esta ilusória compensação do poder de compra das massas, sendo essencial para o sistema enfrentar a(s) crise(s), constitui em si mesmo uma nova forma de exploração. O trabalhador hipoteca os seus futuros salários (de subsistência) e em desvalorização, pagando juros aos «patrões» financeiros (capital financeiro), para suprir a necessidade de coisas úteis para (sobre)viver no presente. O salário é assim, cumulativamente desvalorizado e aumenta de forma efetiva o trabalho não-pago. De realçar que todo este capital financeiro se baseia na massa global acumulada de mais-valias extraída (e a extrair!) da força de trabalho pelo patronato, a nível local e mundial.
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O CONSENSO DE WASHINGTON - A CARTILHA PATRONAL A SERVIÇO DA EXPLORAÇÃO
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Tudo isto poderá parecer abstrato, mas se analisarmos as orientações transmitidas pelas principais organizações internacionais e que tem moldado as políticas econômicas e monetárias ao nível mundial, vemos como estas tem tido como principal objetivo garantir as condições para uma maior intensificação da exploração de trabalho. Vejamos o famigerado Consenso de Washington (traduzido a nível europeu no Pacto de Estabilidade ou na Estratégia de Lisboa) que assenta em quatro princípios: estabilidade dos preços, consolidação orçamental, desregulamentação dos mercados e comércio livre.
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Quando se fala na estabilidade dos preços, que se tornou o principal objetivo da política monetária executada pelos Bancos Centrais, como o Banco Central Europeu, o objetivo não declarado de forma direta é o da moderação salarial (o preço do trabalho, que incorpora o preço de todos os bens). A moderação salarial passa pela contenção salarial, nomeadamente por via da redução dos salários reais, com vista a garantir que o crescimento dos salários seja inferior ao da produtividade do trabalho, garantido assim a transferência dos ganhos de produtividade do trabalho para o patronato. A consolidação orçamental também contribui para este objetivo, por via da compressão dos salários da função pública, contribuindo assim para um menor denominador comum no crescimento dos salários.
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A desregulamentação do mercado de trabalho visa um duplo objetivo (como está patente, por exemplo, no nosso código de trabalho): dar liberdade ao patrão para usar o trabalhador de forma a potenciar um aumento da intensidade de trabalho hora (aumento do tempo de trabalho, adaptabilidade do tempo de trabalho ao ritmo e uso das máquinas, aumento dos ritmos de trabalho, etc.) e tornar mais simples «descartar» o trabalhador, ou melhor, pô-lo em stock, não só para suprir necessidades futuras, como por via do desemprego e da precariedade dos vínculos laborais (cada vez mais a prazos curtos e de formas atípicas), criar as condições necessárias para manter a moderação do crescimento dos salários (à boa maneira da lei da oferta e da procura, se oferta é superior à procura a tendência é para os preços baixarem).
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Por último, o comércio livre, ou melhor, a liberalização do comércio internacional promovida pela OMC, a que se junta a libertina circulação de capitais. A concorrência internacional tem provocado uma redução dos preços de vendas em diversas coisas úteis, mas também em bens de produção (máquinas, ferramentas, etc.). A libertina circulação de capitais permite a deslocalização de capital para locais onde o custo de trabalho é mais barato, onde os salários são mais baixos. O capital põe assim em concorrência os trabalhadores dos vários países, potenciando o stock de mão-de-obra e por essa via aumentado a pressão para a moderação dos salários a nível internacional. Mas a desvalorização dos salários também ocorre por via do barateamento de coisas úteis que formam os salários de subsistência de outros, noutros locais, noutros sectores de atividade.
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Todos os princípios concorrem para o mesmo objetivo - reduzir os custos unitários do trabalho, maximizar a apropriação do valor excedente (mais-valia) produzido pelos trabalhadores, maximizar lucros. É tão simplesmente isto que se quer quando se fala da sacrossanta competitividade ou da impenetrável globalização...
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Se a luta do patrão é pela obtenção de lucro pela maximização do trabalho não-pago, a luta do trabalhador é exatamente a oposta, reduzir o tempo de trabalho não-pago, por via do aumento do salário (o que contribui também para a compensação salarial total, que contém as contribuições para a segurança social, que formam o «salário» na reforma) e/ou pela redução do horário de trabalho (com vista a garantir o direito ao lazer).
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E o resultado da luta dependerá, como sempre do grau de organização e unidade dos trabalhadores. O patronato sabe-o. Tão verdadeira como a máxima popular «dividir para reinar» é a certeza que «o povo unido jamais será vencido». Como alguém escreveu há mais de 160 anos: «Proletários de todos os países UNÍ-VOS». Esta é a condição sine qua non...
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Nota: Este artigo teve como base uma intervenção do autor no debate «salários vs crise», organizado pela União dos Sindicatos do Porto, no dia 18 de Dezembro de 2009.
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Porto, 26 de Janeiro de 2010
[*] Pedro Carvalho, economista, é colaborador de odiario.info [voltar]
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Reproduzido de www.odiario.info
Esta página encontra-se em www.cecac.org.br
07/fevereiro/2010
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