Discurso de Lula da Silva (excerto)

___diegophc

domingo, 17 de janeiro de 2010

O fim da classe média negra nos EUA

 

Mundo

Vermelho - 26 de Novembro de 2009 - 16h32

.

A julgar pela maioria dos comentários sobre o assunto Gates-Crowley [1], poder-se-ia pensar que uma perigosa "elite negra" está perigosamente fora de controle. Primeiro, Gates mostrou muito pouca deferência com Crowley, depois Obama ao exceder-se quando declarou que a polícia tinha atuado "estupidamente".

.

Por Barbara Ehrenreich*, para o Sin Permiso

Este foi o fim dos "Estados Unidos brancos" que a Atlantic tinha previsto na sua capa de janeiro/fevereiro? Ou será que os preconceitos de classe – classe trabalhadora no caso Crowley – impuseram-se, finalmente sobre os preconceitos de raça?
.
Para lá do emaranhado de comentários de raça e de classe, está aumentando o empobrecimento – digamos antes o reempobrecimento – dos afro-estadunidenses enquanto grupo social. De fato, o efeito mais notável e duradouro da atual crise poderá ser o fim da classe média negra. De acordo com um estudo da Demos e do Instituto for Assets and social Policy, 33% da classe média negra já está ameaçada de perder esse status com o começo da crise. Gates e Obama, tal como Oprah e Cosby, manterão sem dúvida a sua posição, mas milhões de negros idênticos ao oficial Crowley – de operários fabris até empregados da banca de colarinho branco – caminham para a demissão.
.
Para os afro-estadunidenses – e um grande número de latinos – a recessão acabou. Ocorreu entre 2000 e 2007, período em que o emprego negro diminuiu 2,4% e os rendimentos diminuíram 2,9%. Durante a longa recessão negra de sete anos, um terço dos negros vivia na pobreza e o desemprego – inclusive o de licenciados – cresceu o dobro do desemprego branco. O que acontece é que agora há uma depressão.
.
O desemprego entre os negros está em 14,7% comparado com 8,7% dos brancos. Em Nova Iorque o desemprego negro cresceu 4 vezes mais rapidamente que o dos brancos. Lawrence Mishel, presidente do Economic Policy Institute, estima que, em 2010, 40% dos afro-estadunidenses terão experimentado o desemprego ou o sub-emprego, o que aumentará a pobreza infantil das crianças negras estadunidenses de um terço para cerca de 50%. Ninguém consegue explicar totalmente a extraordinária perda de postos de trabalho entre os afro-estadunidenses, ainda que se possa dizer que entre os fatores que o influenciam se inclui a relativa concentração de trabalhadores negros nos massacrados setores de retalho e de manufaturas, tal como é menor percentagem de trabalhadores negros em posições de colarinho branco, as mais bem pagas.
.
Uma coisa é certa: a velha diferença de riqueza racial torna os afro-estadunidenses particularmente vulneráveis à pobreza quando vão para o desemprego. Em 1998, o valor líquido das casas dos brancos era em média de mais 100.700 dólares que o das casas dos brancos. Em 2007, a distância aumentou para 142.600 dólares. O estudo das finanças do consumidor, elaborado cada 3 anos pela Reserva Federal, cada vez que é feito constata que a diferença da riqueza racial aumentou. Em outras palavras: em 2004, por cada dólar de riqueza de uma família branca, uma família negra tinha somente 12 centavos. Em 2007 tinha 10. De forma que quando um trabalhador negro estadunidense cai no desemprego normalmente não há poupanças que o possam defender, não têm pais bem colocados em quem se apoiem nem poupanças de reforma.
.
A tudo isto há que somar a grande calamidade de cunho racial que são as hipotecas de alto risco. Depois de décadas de recusa de hipotecas por critérios raciais, os negros estadunidenses apareceram como um mercado tentador para os prestamistas da bolha imobiliária, como Countrywide, onde indivíduos negros de elevados rendimentos tinham quase o dobro das probabilidades de ter uma hipoteca de alto juro do que brancos de rendimentos baixos. De acordo com o Center for Responsible Lending, os latinos acabarão por perder, na avaliação da casa para venda devido às hipotecas lixo, entre 75 e 98 bilhões de dólares, enquanto os negros perderão entre 71 e 92 bilhões de dólares. United for a Fair Economy qualificou como a "maior perda de riqueza pelos negros na história moderna dos EUA".
.
Mas apesar da profunda depressão dos afro-estadunidenses, alguns comentaristas, tanto brancos como negros, ainda estão obcecados com as supostas deficiências culturais da comunidade negra.
.
Num editorial do Washington Post, Kay Hymowitz atribuiu os problemas da economia dos negros ao fato de 70% das crianças serem filhas de mães solteiras, mas não se referiu às famílias tradicionais de pai e mãe brancos estarem em diminuição a um ritmo superior ao das das famílias tradicionais negras. A proporção de crianças negras em famílias monoparentais aumentou 155% entre 1960 e 2006, enquanto a proporção de crianças brancas vivendo em famílias monoparentais aumentou surpreendentes 229%.
.
Precisamente no mês passado na PNR, o comentarista Juan Williams despreciou a NAACP (Organização de Defesa dos Afro-estadunidenses e contra o Racismo) dizendo que cada vez mais os grupos relevantes se centram em "pessoas que obtiveram vantagens da integração e oportunidades de educação e emprego ao contrário dos que estão apanhados por ciclos geracionais de pobreza" que, prosseguiu, se caracterizam pelo envolvimento nas drogas e no crime. O fato de estar em curso uma crise que afeta desproporcionalmente a classe média afro-estadunidense – provocada mais pela cobiça de Wall Street que pelos "valores do gueto" - parece não lhe importar.
.
Não precisamos de mais análises moralizantes e eloquentes, de classe e raça, que podiam ter sido escritas nos anos 70 do século passado. A crise está mudando tudo. Está redesenhando os contornos de classe nos Estados Unidos de tal forma que nos deixarão mais polarizados que nunca e, isso sim, castiga as antigas classes médias e trabalhadoras. Mas a depressão sofrida ameaça com algo em uma escala completamente diferente, que é o desaparecimento dos negros da classe média.
.
[1] Nota do Tradutor: Refere-se ao professor negro que foi preso em sua própria casa e humilhado, apesar de ter provado a sua identidade e ser proprietária da casa, por ter entrado pela janela, em virtude de ter perdido as chaves.
.
*Barbara Ehrenreich é presidente da United Professsionels.
.
Publicado em ODiario.info. O original está em www.sinpermiso.info/textos/index.php?id=2831.
 
.
.

Sem comentários: