Discurso de Lula da Silva (excerto)

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sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Internet: Falso deus - Gislene Bosnich


 Falso deus « blog da Revista Espaço Acadêmico

Falso deus

Outubro 24, 2009
gislenebosnichpor Gislene Bosnich*
Quando algo começa a mostrar-se necessário e valioso os homens logo deixam de enxergar o necessário como realização de sua capacidade e emancipam o objeto que criaram dando-lhe vida própria. Este é o novo caso de estranhamento que vem ocorrendo com a internet.
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A internet não é um ente mirabolante que nos faz o favor de apresentar uma série de dados ou de realizar pesquisas sobre assuntos pitorescos. A internet é produto de homens, de pessoas de carne e osso que colocam o produto de seu trabalho a disposição de outros homens. A internet é um instrumento também produto do trabalho de outros, mas não é por si só uma maravilha superior ao criador. A internet é o acesso, mas não é nada sem a atualização da produção humana.
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Isto precisa ser compreendido e é bom lembrar que recente pesquisa apurou que a maior parte dos sites brasileiros não dispõe de atualização. E sem atualização – feita por gente de verdade – e não por nenhum programa autônomo, não há informação e sem informação a internet é como uma notícia perdida, descartável, preste a tornar-se pronta para o embrulho. Quero dizer que internet é trabalho humano e não um amontoado de programas mirabolantes que nada dizem e que, em princípio, podem até encantar, mas morrem nas areias das praias daqueles sem intenção, manipulados sempre por quem sabe plantar uma aparente verdade que encobre interesses particularistas.
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Inovações de propósitos
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Também não é verdade que a Internet substitua uma pesquisa verdadeira ou a ida a um Museu em qualquer parte do mundo como o governo, com suas campanhas televisivas, quer nos fazer acreditar. O mundo virtual não substitui o real. A internet é uma ferramenta para quem trabalha contra o tempo, pois, quem trabalha a seu favor e dispõe de dinheiro para suas empreitadas apenas a utilizará como um guia e nisto de fato reside seu valor, pois, não é verdade que encontramos tudo que desejamos na internet.
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Um livro raríssimo continua tendo de ser comprado e sequer pode ser ‘baixado’, através de algum programa. Portanto, a internet não é uma grande biblioteca. É um grande roteiro de evidências para se descobrir um livro numa biblioteca real ou então encomendá-lo virtualmente. Uma grande fonte de dados, mas não necessariamente o acesso completo a eles. Sem contar as home pages que cobram pelo acesso. Aliás, sem contar que temos de pagar pelo provedor, porque afinal de contas não demorou muito para suspenderem os provedores gratuitos ou estes provaram-se praticamente inviáveis, empelindo-nos ao provedor pago. Imagine se tivéssemos de pagar, além da energia (quando há), uma taxa extra para assistirmos aos programas televisivos. Sem contar também os cartéis que envolvem as conexões rápidas que não necessitam da discagem telefônica. Há muitos percalços para que a internet fique mais semelhante ao que se imagina que ela seja.
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E a internet tem muitos empecilhos que precisam ser eliminados por nós para que o veículo preste-se mais àquilo que motivou seu nascimento. Talvez a rede de fato não seja a mina de ouro do capitalismo. Os investimentos têm sido tão altos quanto às falências em brevíssimo tempo. É preciso inovar o propósito, pois, caso contrário, o aparente emissário da pós-modernidade irá cair na pasmaceira oficial de outros mecanismos de informação.
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Utiliza-se a internet para atingir a pessoas reais em suas atividades reais de transformação do mundo. Ainda atingimos poucos, pois, num país de analfabetos a internet é jóia rara, como uma ‘pepita’ em Serra Pelada.
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Sem endeusamento
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Parece contraditória fazer esta crítica à internet quando me utilizo dela para transmitir a mesma crítica, mas isto é apenas aparência, já que na maior parte do tempo temos de lutar no interior do campo inimigo e transformá-lo, deixando de reproduzir sua lógica; alterando sua gênese; este movimento que pretende imprimir à virtualidade poder supremo sobre a realidade.
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Um mundo mais rápido, à la just in time, tem lá suas exigências de veículos mais rápidos, mas parece que nenhum tornou-se erroneamente tão independente da atividade humana quanto a grande teia. Precisamos utilizar seus fios e não nos emaranharmos nele. Assim como outro veículo, se mal utilizada só traz a manipulação. Vejamos o que acontece com a grande mídia. Um retalho mal costurado da oficiliadade, na maior parte dos dias.
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Penso que este seja um dos erros dos sites noticiosos e da maior parte dos blogs; ausentarem-se da realidade do mundo e tornar mundial sua realidade umbilical que, raras vezes, escapa da mediocridade de uma vida afirmativa, despolitizada ou da oficialidade do “anunciante”, muitas vezes a própria grande mídia que encontra megafone para repercutir sua manipulação. O fato é que deve existir uma intenção na comunicação, qualquer que seja e para o que seja. E há poucos umbigos interessantes para virarem notícia. E estamos fartos de “reality shows”, com seus objetivos rasteiros na busca do “sucesso”. É certo que a impotência produzida por anos de repressão faz com que no momento em que a liberdade de expressão pareça facilitada haja uma explosão de comunicações que nada dizem.
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Justiça seja feita. Há blogs que parecem pichações e outros que se assemelham a grafites, ou seja, que transmitem algo, que de fato pretendem ser veículos de comunicação. Mas escrever não tem sentido se for uma atividade de ermitão. Ninguém escreve para si mesmo. (A não ser em momentos muito especiais). Escreve para atingir o outro. Para despertar no outro alguma atitude, ainda que num primeiro momento seja reflexiva. Cabem as perguntas: se os milhares de blogs levam ao “limite” o ato de se “linkar” mutuamente, porque não aprimorar essas mensagens para algo que realmente seja transformador em nosso cotidiano real? Será que a abundância não disfarça métodos semelhantes aos utilizados pela mídia de massa, que repetem conceitos e interesses à exaustão, deslocados da nossa realidade?
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A internet pode ser reivindicada, mas não endeusada e muito menos “seqüestrada” da atividade humana e do momento histórico em que ela nasceu. Se a necessidade de imprimir velocidade a todas as relações de produção do capitalismo criou a grande rede podemos transformá-la para destruir formas que nos oprimem e não para que ela seja o espírito do grande irmão, ou “Big Blogger”, se preferirem. Além disso, não me agrada saber que os e-mail’s podem ser vasculhados e meus arquivos bisbilhotados por uma dita inteligência governamental – brasileira ou não.
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Engajamento e projetos amplos
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Se houver uma conspiração contra o poder mundial ela não será pela internet. Pelo menos não por esta internet que conhecemos hoje, onde o principal propulsor é tornar os fortes ainda mais fortes e os fracos ainda mais alijados de qualquer “revolução”. Será que é possível humanizar aquilo que é fruto do capitalismo, principalmente, de sua fase absolutamente desumanizadora?
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Não temos conseguido isto com as demais mídias. E se lá não podemos adentrar porque não detemos os meios de produção, aqui na Web há uma certa facilidade sob este prisma. Mas não podemos agir individualmente, como se houvesse uma segunda Torre de Babel (já nos basta a mitologia católica que criou a primeira). Devemos nos engajar em projetos mais amplos que, no mínimo, pretendam democratizar e garimpar novos colaboradores militantes em causas realmente valiosas.
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Talvez esteja aí o grande dilema da internet: quais são as causas que podemos compartilhar? Muitos interesses dispersos e muitos mais distintos. É preciso compartilhar mais do acordo e do desacordo. É necessário outra pauta, outros “posts” que possam enaltecer atividades dignas e não só a miséria produzida. É preciso parar de apenas enviar o artigo por e-mail aos amigos. Temos de abraçar os amigos! É preciso criar o tempo que nos tiraram numa pressa que não poderia existir mais. (Pois, então, para que servem as máquinas que criamos?) É preciso participar, criticar e escrever mais sobre um dilema bem mais amplo: o mundo que desejamos construir e que tentamos fazê-lo num cotidiano mais severo e possibilitador que há para além de monitores e teclados.
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* Jornalista independente e socióloga. Publicado na REA, nº 10, março de 2002, disponível em http://www.espacoacademico.com.br/010/10gislene.htm
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