Discurso de Lula da Silva (excerto)

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sexta-feira, 27 de novembro de 2009

HÁ LODO EM KAZAN

On the Waterfront  
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A CAÇA ÀS BRUXAS (4)


HÁ LODO EM KAZAN


Há os que traem porque não conseguiram resistir - mas continuam do mesmo lado da barricada e prosseguem a luta.
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Há os que traem porque não conseguiram resistir - e se vendem e passam, com armas e bagagens, para o outro lado da barricada.

Elia Kazan foi um dos vendidos - e talvez o mais degradado de todos eles.
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Era membro do PC dos EUA. Denunciou à Comissão dezenas de camaradas e amigos seus - os quais foram presos e viram as suas carreiras arruinadas e as suas vidas destruídas.
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Até ao fim da vida, Kazan não apenas não tinha lamentado o que fez, como se mostrava satisfeito com o que tinha feito.

No plano profissional, ao contrário de Dmytryk - que se transformou num realizador vulgar - Kazan continuou a exibir o seu talento em filmes de grande qualidade.
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Mas, naturalmente, também com orçamentos à medida dos seus desejos...
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Registe-se, no entanto, que as vantagens financeiras que a traição proporcionou a esses vendidos, tinha a ver, também com as suas vidas pessoais e particulares.
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Orson Welles pôs o dedo na ferida quando disse, referindo-se expressamente a Kazan mas falando para todos os vendidos, que «eles venderam as suas consciências a troco da casas com piscina»...

Dis filmes realizados por Kazan após a traição, emerge o célebre Há Lodo no Cais - elogiadíssimo e premiadíssimo.
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Ora a verdade é que, tratando-se de um filme notável em vários aspectos, ele é, também e de facto, uma autêntica apologia da delação - o que não surprende se tivermos em conta que Há Lodo no Cais é fruto do trabalho conjunto de dois delatores: Kazan e o argumentista Bud Schulberg...

Em Setembro passado, aquando da comemoração do 100º aniversário do nascimento de Kazan pela Cinemateca Nacional, alguém comentou assim essa parte da vida de Kazan:
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«Elia Kazan corre o risco de ser lembrado mais pelo seu papel na "caça às bruxas" dos anos 50. Tiremos isso já do caminho: em 1952, acossado pela House Un-American Activities Comittee, ferramenta do senador Joe MacCarthy para tentar extirpar o comunismo da América, Elia Kazan, que havia feito parte do Partido Comunista Americano nos anos 30, denunciou vários colegas que, ao longo dessa década, não mais arranjaram emprego no seu ramo. Imoral? Desprezível? Talvez, mas, por um lado, apenas Kazan sabe as pressões a que esteve sujeito e, por outro lado, tal facto não belisca em nada uma das mais brilhantes e influentes carreiras da época dourada de Hollywood»
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Dispenso-me de comentar em pormenosr esta espécie de manual do bom delator e passo adiante:
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É certo que estamos a falar de um dos mais talentosos realizadores norte-americanos. Mas não é menos certo que estamos igualmente a falar de um indivíduo imoral e desprezível (sem pontos de interrogação...)
E não sou eu, apenas, que o digo: dizem-no muitos homens do cinema norte-americano e mundial e confirma-o... o próprio Kazan - com adiante veremos.
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Em 1996 e 1999, Kazan viu o conjunto da sua obra premiado, respectivamente, com o Urso de Ouro do Festival de Berlim e com o Óscar de Carreira, em Hollywood.
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Na cerimónia de entrega do Óscar - e nos dias que se lhe seguiram - dezenas de actores fizeram ouvir o seu protesto pela atribuição do prémio a tal pessoa. Entre os que protestaram e (ou) vaiaram Kazan, estão Richard Dreyfuss, Nick Nolte, Ed Harris, Ian Mckellen, Rod Steiger, Sean Pen (cujo pai foi uma vítima do maccarthismo).
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Em Berlim, onde se deslocou para receber o tal Urso, Kazan mostrou que «imoral» e «desprezível» são palavras demasiado suaves para qualificar a abjecção que foi o seu comportamento.
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Tendo-lhe sido perguntado o que pensava das práticas da Comissão de MacCarthy, porque denunciara os seus amigos e se estava arrependido do que fizera, Kazan respondeu:
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«Concordei com tudo o que a Comissão fez. Concordei e colaborei com os inquéritos. Estou convencido que as liberdades americanas estiveram ameaçadas por um complot comunista -e entre a consciência e os amigos, escolhi a consciência. Não estou arrependido de nada, não foi um erro».
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Assim afirmou Kazan a sua orgulhosa condição de delator e de herdeiro político e ideológico do fascista, sádico e psicopata MacCarthy.
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Assim confirmou Kazan que, na outra face do grande homemde cinema que é, mora um homenzinho minúsculo, vil, rasteiro, nojento.
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Assim confirmo eu que há lodo em Kazan.
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in Cravo de Abril
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