Discurso de Lula da Silva (excerto)

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terça-feira, 5 de maio de 2009

O papel das religiões na opressão da mulher (2)


por Regina Abrahão*

No Brasil, até que o Estado fosse declarado laico a Igreja acumulava os poderes ao mesmo tempo espirituais e terrenos, confundindo-se com o próprio Estado. Cobrava o dízimo, tinha o poder de aplicar multas, recolher e repassar impostos. Mais do que isto, ditava as normas de conduta e moral. A superioridade do homem descrita na bíblia era confirmada pela igreja. Numa época em que o importante era povoar a terra recém ocupada, nada mais conveniente do que uma mulher como a sugerida por Paulo de Tarso em Cartas para Timóteo (2:9,15):


Não existe pecado ao sul do Equador

''Quanto às mulheres, que elas tenham roupas decentes e se enfeitem com pudor e modéstia. Não usem tranças nem objetos de ouro, pérolas ou vestuário suntuoso; pelo contrário, enfeitem-se com boas obras, como convém às mulheres que se dizem piedosas. Durante a instrução, a mulher deve ficar em silêncio, com toda submissão. Eu não permito que a mulher ensine ou domine o homem. Que ela conserve o silêncio. Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva. e não foi Adão que foi seduzido, mas a mulher que, seduzida, pecou. Entretanto, ela será salva pela sua maternidade, desde que permaneça com modéstia na fé, no amor e na santidade''

Quando, no século VXI, os portugueses invadem o continente recém ''descoberto'' e para cá enviam os degredados, criminosos e aventureiros pouquíssimas mulheres havia entre eles. Os homens que vieram foram responsáveis por estupros, raptos e inúmeras violências contra índias, o que resultou na imensa miscigenação do povo brasileiro. As mulheres enviadas mais tarde, com a finalidade de estabelecer uniões conjugais eram, igualmente, mulheres que ?não faziam falta? á sociedade portuguesa: Órfãs, criminosas, prostitutas, adúlteras. De forma que as relações que se estabeleceram por aqui não eram nada parecidas com os casamentos da metrópole. O território só começou a ser efetivamente colonizado em meados do século XVI, com o envio de religiosos determinados a implantar a moral da corte na colônia. Uma das primeiras providências foi instalar uma pesada taxa para os concubinatos, que beiravam 80% das relações estáveis; Depois, passaram a reforçar a importância da família patriarcal nuclear, instituir as ordens religiosas, e implantar, por aqui, os conceitos morais dominantes na Europa.

Com a chegada dos escravos africanos, outras idéias religiosas vieram a incorporar-se na sociedade brasileira. Mesmo proibidos de exercer seu culto, misturando suas divindades aos santos católicos, a influência da religiosidade e da cultura africana na sociedade brasileira é inquestionável. O trato do homem branco com a mulher negra, além de toda a carga do preconceito racial e religioso recebeu ainda o ''reforço'' da encíclica papal que afirmava ''Não existir pecado ao sul do equador'', já que negros e índios não possuíam alma. Enquanto nos matrimônios a idéia de pecado e a repressão faziam do sexo algo penoso para as mulheres e tedioso para os homens, as mulheres negras, com outro conceito de sexualidade,relacionavam-se com os homens brancos. Com ou sem vontade. Afinal, não tinham alma, mas possuiam corpo! As mulheres negras, portanto, eram destinadas ao trabalho, sexo e reprodução. Não tinham direito à família e seus filhos, as vezes filhos também do senhor de escravos, podiam ser arrancados para venda.

Nas religiões politeístas, originárias de civilizações ditas primitivas, as mulheres exerciam papéis diversos dos homens, mas nem por isso, menos relevantes. A lenda da criação do mundo, segundo a religião Yorubá, na vertente Nação Cabinda (RS), só é transmitida por tradição, de Babalaorixás (pais-de-santo) para seus Yalorixás (filhos-de-santo).

?No início, Olorum tinha e contemplava todo o universo, mas estava entediado. Um dia, ele olhou para a Terra, viu o mar, e achou-o lindo! Recolheu sua espuma, e dela criou Yemanjá, para que ela usufruísse de tudo o que havia na terra. Mas Yemanjá caminhava pela praia, banhava-se no mar, e não sorria. Então ele buscou um punhado de areia do fundo do mar e criou Oxalá. Os dois se encontraram, e ouviram de seu deus a sentença: A terra é de vocês, desde que cumpram minhas três leis: Não plantem mais do que possam colher, não cacem mais do que possam comer e não queiram mais do que possam usar. Enquanto os Yorubás cumpriram a sentença, a vida foi boa; Havia caça e pesca em abundância, e o que eles plantavam nascia.. Mas seus filhos e netos dividiram-se em nações, e depois começaram a brigar por cobiça. Aí vieram outros homens, e com eles a escravidão. Enquanto houver cobiça, haverá escravidão. (relato verbal de Oldair de Oiá, Babalaô).

Nas religiões afro-brasileiras, pais e mães-de-santo gozam de igual prestígio, e no Orumalé (conjunto de santidades) os orixás têm prerrogativas semelhantes. Sem contar que Yemanjá é considerada a mãe da criação. O contato com o catolicismo, entretanto, fez com que alguns tabus cristãos fossem incorporados, como a proibição do exercício dos cultos pelas mulheres menstruadas, ou a diferenciação das vestes (calças para homens e saias para mulheres). De qualquer forma, a lenda da criação Yorubá é certamente das mais feministas e libertárias, além de extremamente atual: Quem dera que a humanidade não desejasse mais do que necessita... Sobre a homoafetividade, outro tabu recorrente nas religiões monoteístas (que dão ao sexo a finalidade básica da procriação), os yorubás têm outra visão. Ogum, filho dileto de Yemanjá, guerreiro conceituado, tem uma relação homoafetiva com Odé; No candomblé, Oxumaré troca de sexo no outono e na primavera, o que aponta para a bissexualidade. As lendas nos dão conta ainda de inúmeros casos de disputas amorosas, traições, separações, paixões, protagonizadas indistintamente por divindades homens e mulheres, sem a moralização e culpabilidade habitualmente atribuídas neste tipo de situações em estórias ocidentais.




*Regina Abrahão, é do Rio Grande do Sul, funcionária pública estadual, dirigente de políticas sociais do Semapi, da CTB e do PCdoB de Porto Alegre, coordenadora do núcleo Cebrapaz, estuda Ciências Sociais na UFRG.


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in Vermelho - 5 DE MAIO DE 2009 - 20h53
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